Pensamento de Thomas Hobbes e John Locke é analisado em aula na EPM

A aula do último dia 29 do curso Os clássicos do pensamento político da EPM, foi dedicada à análise do tema “Liberdade, igualdade e propriedade: Thomas Hobbes e John Locke”. A palestra foi proferida pelo professor Rodrigo Suzuki Cintra, subcoordenador do curso, e contou com a participação do desembargador Eutálio José Porto Oliveira, coordenador do curso e da área de Filosofia e Direitos Humanos da EPM.

 

Em nota introdutória, Eutálio Porto observou que o pensamento de Thomas Hobbes e John Locke representa um marco, onde a lei passa a ter um fundamento material, que é a base do jusnaturalismo. “Vivemos em um mundo totalmente construído pela Ciência, no qual replicamos o que a norma jurídica determina em nosso dia a dia, a exemplo de outras disciplinas que replicam suas respectivas bases científicas. Se, por um lado, a Ciência nos dá um certo conforto e segurança material, por outro lado, subtrai-nos a abstração filosófica da vida, a dimensão maior que a nossa alma exige, enquanto razão e espiritualidade. E é através do estudo da Filosofia que começamos a perceber uma elevação da nossa mente”.

 

Rodrigo Cintra iniciou a preleção com a afirmação de que os dois filósofos ingleses do século XVII, Hobbes e Locke, fundaram a corrente de pensamento filosófico conhecida como contratualismo. Entretanto, explicou que, embora compartilhem um vocabulário filosófico comum, cada um trilhou uma vertente diferente. Locke, por colocar no centro de seu pensamento o direito à propriedade, é considerado o pai do Liberalismo, enquanto Hobbes desenvolve uma síntese do estado monárquico absolutista.

 

O palestrante discorreu sobre alguns dos argumentos utilizados por Hobbes em sua obra política mais impactante, O Leviatã. “Hobbes desenvolve três hipóteses em sua obra. O primeiro pressuposto é que o medo humano generalizado fundamenta a instituição da sociedade civil; a segunda hipótese é que a sociedade não é uma instituição natural, mas artificial, fruto de um pacto entre os indivíduos, contrária à tese de Aristóteles, para quem os homens são naturalmente sociáveis; a terceira é a de que, no estado natural, os homens são iguais física e espiritualmente, e que é dessa igualdade niveladora dos desejos que surge a desavença, “a guerra de todos contra todos”.

 

Contudo, o palestrante denunciou o caráter hiperbólico da dimensão hobbesiana da natureza, que seria um artifício para a construção da crença na necessidade do pacto social. “Suspeito que Hobbes não estava nem um pouco interessado numa noção antropológica de homem, na qual ele realmente tivesse vivido na natureza. O estado de natureza hobbesiano não é um estado antropológico que aconteceu na história da humanidade; é uma hipótese lógica do pensamento abstrato social, uma indução à crença na guerra de todos contra todos para a aceitação de sua consequência imediata, a sociedade regida por um soberano, cuja força da espada consiga delimitar o que é certo e o que é errado e traga a paz entre os homens”.

 

Rodrigo Cintra observou ainda que outros autores já haviam pensado a separação entre estado de natureza e estado civil, mas foi Hobbes que fez com que essa operação se transformasse em uma filosofia da história, ou seja, a maneira particular através da qual o filósofo concebe que a história vai caminhar, a partir da ideia do desenvolvimento de um contrato social”.

 

A proteção à propriedade como fundamento da sociedade

 

Em prosseguimento, o palestrante discorreu sobre o pensamento político de John Locke. Ele comentou, dentre as obras do filósofo, o Segundo tratado sobre o governo, no qual é desenvolvida a ideia de que a função social do estado civil á a garantia policial à proteção da propriedade privada. “Por essa razão, Locke é considerado o pai do Liberalismo”.

 

De acordo com Rodrigo Cintra, para esse filósofo, o estado de natureza é dúbio: ora de paz, ora de guerra. É de paz enquanto o homem pode se apropriar livremente daquilo que necessita na natureza para a sua sobrevivência; é de guerra quando aquilo que tomou como seu passa a ser disputado por aqueles que chama de “aves de rapina”, homens irracionais, que não compreendem o direito à propriedade.

 

“Minha interpretação é a de que Locke precisava de um estado de natureza que fosse pacífico o suficiente para garantir a obtenção da propriedade, mas que tivesse guerra o suficiente para justificar a instituição da sociedade civil destinada à sua proteção”, observou o palestrante.

 

Ele apontou outra distinção entre o pensamento de Locke e o de Hobbes. Ensinou que Locke sustenta a existência de um mercado de trocas e de trabalho no estado de natureza, quase uma sociedade civil pronta, cuja fundação plena só se justifica para afastar a ameaça das “aves de rapina”. Contudo, observou que o filósofo põe dois limites à apropriação de bens no estado de natureza: a suficiência, dada pelo limite daquilo que o homem pode utilizar, e o dinheiro, que pode ampliar esse limite, passando o homem a poder acumular indiscriminadamente.

 

“A propriedade é de tal importância no pensamento lockeano que constitui o próprio critério para integrar a sociedade. Em nome dela, ainda, pode ser suprimida a liberdade e a própria vida”, sustentou o palestrante. E comentou, finalmente, a influência do pensamento de Locke nas revoluções burguesas, a Francesa e a Norte-americana.
 

Outro aspecto explorado pelo palestrante foi a teoria da tripartição de poderes, estabelecida por Locke 60 anos antes daquela operada por Montesquieu. Mas o professor ensinou que Locke, ao contrário do filosofo francês (que montou um sistema de poderes baseado numa relação de harmonia, interdependência e retenção, com freios e contrapesos entre eles), separa os poderes em Executivo, Legislativo e Federativo, numa lógica de subordinação dos demais poderes ao Legislativo, constituído por um corpo de proprietários com o poder decisório sobre a política externa e interna de um determinado Estado. No sistema lockeano de repartição de poderes, exclui-se o Judiciário, reputado mera função administrativa, e o poder Federativo corresponde a toda a política de Estado que é feita, tendo em vista as relações internacionais.

 

A conclusão do palestrante foi a de que Hobbes e Locke moldaram duas visões diferentes do estado social. “Hobbes tinha a dimensão de um Estado absolutista, em que a soberania é a palavra-chave e o soberano determina a regra social, enquanto Locke está interessado em um Estado que seja um sistema de proteção da propriedade privada contra qualquer espécie de ataque”.

 

Ao final da aula, Eutálio Porto assinalou a importância do pensamento político de Locke para o processo civilizatório moderno, marcado pela ascensão do liberalismo, “quando as pessoas deixam de pertencer ao clero ou a um feudo e passam a ser liberais, construindo-se o individualismo, que é o pressuposto de construção do coletivo e do bem estar social”.

 

ES (texto)


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