Crítica e verdade em Kant são analisadas no curso “Os clássicos do pensamento político”

A professora Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux foi a palestrante da aula de ontem (13) do curso Os clássicos do pensamento político da EPM, que versou sobre o tema “Crítica e verdade em Immanuel Kant”. A aula contou com a participação dos coordenadores do curso, desembargador Eutálio José Porto Oliveira, coordenador da área de Filosofia e Direitos Humanos da EPM, e professor Rodrigo Suzuki Cintra.

 

Elza Boiteux comentou inicialmente distinções operadas por Immanuel Kant (1724 – 1804) no campo do conhecimento sobre pensar e conhecer e sobre Direito e Filosofia do Direito. “Kant trabalha com uma dicotomia não excludente entre as atividades intelectuais pensar e conhecer. Para conhecer, é necessário desenvolver um processo de conhecimento seguindo um certo método. Para pensar, necessita-se de outras categorias, que permitam refletir sobre aquilo que foi conhecido. Então, entre pensar e conhecer, existe uma complementariedade”, observou.

 

Adiante, explicou as distinções kantianas entre Direito e Filosofia do Direito. “Para Kant, um crítico ferrenho daqueles que estudam o Direito através da experiência, sob o argumento de que isso não é suficiente, quem é jurista e trabalha com o Direito do dia a dia, preocupa-se com aquilo que é de direito num determinado tempo e num determinado espaço. Mas para reconhecermos o que é justo ou injusto, não basta conhecer o que é o Direito num determinado espaço e território. Para o filósofo, aquele que conhece o Direito apenas na sua forma empírica (baseada na experiência) é como uma cabeça que pode ser bela, mas sem cérebro. Ao criticar o jurista empírico, Kant está abrindo caminho para dizer o que ele entende por Filosofia do Direito”.

 

De acordo com a professora, a segunda crítica de Kant à forma empírica do Direito aparece no livro O projeto da paz perpétua, no qual defende que aqueles que lidam com o Direito positivo no dia a dia, em regra, estão próximos do poder, e se estão próximos do poder, são tentados a promover o desequilíbrio da balança, mais um motivo pelo qual ele entende que é preciso ir além do Direito positivo.

 

A professora fez um resumo da graduação do processo de conhecimento do Direito segundo Kant: “quanto mais abstraímos, mais aprofundamos o grau de conhecimento”. Nesse diapasão, explicou a diferença e a importância para o campo do Direito entre duas formas de aquisição do conhecimento: a autodefesa (conhecimento vulgar ou de 1º grau) e defesa técnica (conhecimento científico ou de 2º grau). Falou ainda de um terceiro grau de conhecimento, o filosófico, não redutível a contingências temporais e espaciais por sua universalidade.

 

Entretanto, ponderou que o conhecimento científico não garante a verdade, porque a Ciência não pode garantir que as suas conclusões sejam indiscutivelmente certas, sendo os seus pressupostos passíveis de reformulação. “A diferença entre Filosofia do Direito e Ciência do Direito reside no modo pelo qual cada uma delas considera o Direito: a primeira no seu aspecto universal; a segunda no seu aspecto particular. Na Ciência, há a noção de progresso. A Filosofia não é progressiva, mas acumulativa”, asseverou a palestrante.

 

A façanha filosófica de Kant

 

Elza Boiteux salientou que a palavra crítica foi introduzida na Filosofia por Kant para designar o processo pelo qual a razão empreende o conhecimento de si, e que é justamente essa a sua principal contribuição. “Na ideia de crítica, vamos encontrar a questão da reflexão de um pensamento dialético, de análise sobre aquilo que nos é dito. Dessa concepção, que não tem um sentido negativo, Kant calcou um novo rumo para a Filosofia do Direito”, observou a palestrante.

 

Adiante, ela explicou o propósito e a importância da crítica kantiana em suas principais obras. A Crítica da razão pura trata da forma como o sujeito pode conhecer o mundo; a Crítica da razão prática trata das leis dos deveres, se agimos como queremos ou se há um lei que impõe uma ética a todos nós; a Crítica do juízo, daquilo que posso esperar.

 

Em prosseguimento, comentou o principal legado de Kant, tributário do pensamento de Jean-Jacques Rousseau: a aquisição de um novo protagonismo pelo homem. “Kant afirma que nenhum conhecimento pode depender apenas dos sentidos e da experiência. Eles precisam ser processados pelo elemento racional, que é abstrato, e que não vemos nem percebemos. Todo ser humano possui categorias a priori para pensar, e são essas noções internas que permitem ao sujeito usar os sentidos e apreender a realidade”.

 

A professora sustentou que, quando Kant chegou a esta conclusão, superou todos os empíricos e racionalistas que o antecederam, pois mostrou que o ser humano é o sujeito de sua própria história, pois a sua posição para a descoberta da essência e da verdade das coisas não é passiva. “Ele interfere, modifica e constitui a sua própria história, e esse valor vem ligado ao conceito de liberdade, ínsito a todo ser humano, um princípio cuja finalidade é produzir uma vontade boa em si mesmo, um princípio de liberdade que conduz as nossas ações”.

 

A expositora discorreu ainda sobre a Ética kantiana. “Kant introduz a ideia de que não podemos trabalhar com a ética das virtudes que antecede seu pensamento, pois embora importante, pode ser manipulada para outros fins, que não o bem. Ele a substitui pela ideia de imperativo categórico, que significa uma regra para todos, uma lei de dever universal”.

 

Entre os imperativos categóricos defendidos pelo filósofo, ela citou aqueles que preceituam devolver a outrem o que foi recebido em depósito e não mentir em nenhuma circunstância (dever absoluto e incondicional de veracidade).


A professora lembrou a relativização do dever de verdade em Maquiavel, e discorreu ainda sobre mentira e as formas de mentir no mundo contemporâneo, sobre as regras processuais sobre a verdade, sobre verdade pública e democracia e sobre a publicidade como princípio da administração pública.

 

E no âmbito antitético de uma ética de convicção versus ética de resultados, arrematou com essa máxima kantiana: “Segundo o conceito de ações finais, uma conduta só seria considerada positiva se em conformidade com o princípio ético da veracidade, independentemente do resultado atingido, o que negaria qualquer respaldo ao direito de mentir”.

 

ES (texto)


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