Debate sobre tutela penal do meio ambiente conclui terceiro módulo do curso “Direito Ambiental“

Com palestras dos desembargadores Gilberto Passos de Freitas e Eladio Luiz da Silva Lecey (TJRS) e mediação do desembargador Ruy Alberto Leme Cavalheiro, foi concluído, no último dia 3, o Módulo III, “Responsabilidade e dano”, do curso Direito Ambiental da EPM.  Participaram também da aula os coordenadores do curso, desembargador Ricardo Cintra Torres de Carvalho e juiz Álvaro Luiz Valery Mirra.

 

Foram discutidos temas relacionados à tutela penal do meio ambiente, como a caracterização dos crimes, estrutura do tipo penal e sua responsabilização, educação ecológica e reinserção socioeconômica do infrator e aspectos processuais como a competência, provas, e juizado especial criminal. 

 

Gilberto Passos de Freitas discorreu sobre as características dos crimes ambientais, definidos na Lei 9.605/98, responsabilidade e importância da tutela penal do meio ambiente. Entre as questões centrais abordadas, ele comentou aspectos como desertificação, falta ou superabundância de água, mudanças climáticas, estudos científicos tendenciosos sobre o meio ambiente, financiados por empresas e interesses, omissão e até contribuição do poder público para os danos ambientais.

 

“Temos observado situações da mais alta gravidade, em que a sanção penal é da maior relevância. E a implementação da tutela penal do meio ambiente há de ser diferenciada em relação à tutela penal tradicional”, observou o palestrante. De acordo com ele, o paradigma da tutela penal clássica é a responsabilidade individual, enquanto a tutela penal moderna – como é o caso da tutela penal ambiental –, tem como modelo a responsabilidade coletiva, e como características a ausência de vítimas determinadas, a pouca visibilidade dos danos causados, os riscos ilimitados no tempo e no espaço, os bens jurídicos vagos e imprecisos e o novo modus operandi do delinquente.

 

Ele recordou que, antes da edição da lei, os tipos penais de crimes ambientais contra a fauna, a flora, e os de poluição, achavam-se dispersos em diversos diplomas, como o Código de Pesca, o Código Florestal, o Código de Minas, a Lei de Proteção à Fauna, etc. Lembrou ainda que a elaboração da lei levou em consideração alguns princípios básicos, como o da prevenção, do poluidor-pagador, da educação ambiental.

 

Gilberto Passos de Freitas destacou os crimes contra a administração ambiental, tratados nos artigos 66 a 69 da lei. “O que temos observado em relação a esta matéria, é que, lamentavelmente,  a fiscalização do Estado é muito falha no Brasil. Na questão ambiental, muitas vezes o poder público é omisso”, sentenciou. E citou como exemplo o incêndio ocorrido em tanques de combustíveis no Terminal da Alemoa, em Santos, em abril deste ano. Em seu entendimento, a licença de armazenamento e funcionamento não foi objeto de adequada fiscalização. Na mesma linha, lembrou a ocupação irregular de mangues, restingas e encostas, na zona costeira, e no entorno da área de mananciais de abastecimento do complexo Billings-Guarapiranga, ocupado por milhões de habitantes, um quadro social complexo, que impede a efetividade de uma ação civil pública de reintegração de posse julgada procedente.

 

Também apontou como dificuldade da proteção ambiental os conflitos entre esferas de competência governamentais e institucionais, “uma questão muito delicada e que necessita da ampla participação da sociedade”.

 

Perspectivas culturais da agressão ao meio ambiente

 

Ruy Alberto Leme Cavalheiro inventariou a vivência de casos de agressão ao meio ambiente e comentou a mudança de perspectiva cultural e legal sobre os fenômenos.  Ele relatou casos relacionados ao uso de defensivos agrícolas, à contaminação de alimentos e ao surgimento de doenças relacionadas a essas práticas. Adiante, analisou os elementos do quadro de degradação contínua e ininterrupta da natureza, com desmatamento e poluição, lembrando estudos que comprovam que os brônquios das crianças de São Paulo já tem uma calibragem mais dilatada que a de outros lugares.

 

Diante desse cenário de crescente devastação, falou sobre  a necessidade de defesa da vida saudável e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, e também sobre a importância da educação ecológica e o treinamento para reinserção social de predadores humanos para a preservação da natureza. “Nós temos que abrir os olhos, porque é uma questão de sobrevivência, nossa e dos nossos descendentes. A questão é como vamos continuar, porque temos que continuar respirando, nos alimentando, e vamos procurar água onde houver”.

 

Por outro lado, teceu considerações sobre a necessidade de uma legislação penal que dê uma resposta mais rápida e eficaz às questões criminais ambientais. Sob este aspecto, apontou como um grande problema a falta de um cadastro criminal único, que impede a troca de informações entre a Justiça Criminal dos estados. “Infelizmente, a necessidade de penalização se faz gritante, porque os meios modernos e a inventividade do ser humano para o mal é acrescida a cada dia de novas informações, e o desenvolvimento do processo na esfera da responsabilidade civil é demorado”.

 

Transação penal e responsabilidade da pessoa jurídica

 

Encerrando as exposições, Eladio Lecey discorreu sobre os reflexos processuais da lei de proteção ao meio ambiente, com enfoque na transação penal e suspensão do processo, alternativas à pena privativa de liberdade, ampliadas com a edição da lei. “Gilberto Passos de Freitas analisou muito bem as críticas que a Lei 9.605/98 recebeu e ainda vem recebendo dos penalistas tradicionais com relação justamente à tipologia, porque temos muitos crimes com normas penais em branco, culposos, omissivos, omissivos culposos, que são necessários em razão da peculiaridade do bem ambiental e de seu caráter interdisciplinar”, lembrou o palestrante.

 

Ele comentou, por seu turno, os 20 tipos de crimes com penas privativas de liberdade até dois anos, infrações de menor potencial ofensivo que admitem transação penal, para as quais não há sequer denúncia nem instauração de processo criminal. Também falou sobre outros 20 crimes com penas mínimas cominadas não superiores a um ano, que admitem a suspensão do processo.

 

Entre outros tópicos, assinalou um retrocesso na redação do artigo 54 da lei. “Gostaria que vocês meditassem sobre o artigo 54, porque me parece que o crime de poluição não protege tão bem o meio ambiente como protegia o artigo 15 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente”. E explicou que este dispositivo criminalizava até o perigo aos elementos de meio ambiente fauna e flora, enquanto o artigo 54 é um crime de dano significativo à flora ou mortandade de animais. “E veja que precisamos do crime de perigo, porque os danos ao meio ambiente podem ser irreversíveis”, complementou o expositor.

 

Em uma visão biocêntrica do Direito Ambiental, Eladio Lecey observou que se pensa muito na pessoa. Entretanto, defendeu que o meio ambiente tem que ser protegido porque é um valor em si mesmo. “Os seres vivos do meio ambiente natural merecem a tutela por si mesmos, merecem continuar aqui porque muitos deles já estavam aqui antes de nós”, observou. Por fim, discorreu sobre criminalidade ambiental através da pessoa jurídica, cuja responsabilização também traz penas alternativas.


Curso está com inscrições abertas para o último módulo

 

Realizado presencialmente e a distância, o curso Direito Ambiental prossegue até março de 2016. As inscrições e matrículas para o Módulo V – Urbanismo podem ser feitas até 26 de janeiro.


ES (texto) / EA (fotos)
 

 


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