EPM conclui o curso “Os clássicos do pensamento político”
Com a palestra “O mecanismo da vítima expiatória – René Girard”, ministrada pelo desembargador José Helton Nogueira Diefenthäler, foi concluída ontem (24) a programação do curso Os clássicos do pensamento político, com a participação do desembargador Eutálio José Porto Oliveira, coordenador do curso.
Helton Nogueira repassou preliminarmente os sistemas de conhecimento construídos ao longo da história da Filosofia. Dentre as correntes de pensamento revisitadas, falou da maiêutica socrática, “um parto da verdade, na raiz da palavra”; do processo dialético platônico, lastreado na ideia do fenômeno do apagamento progressivo das ideias essenciais, puras, cujo resgate do mundo das reminiscências demanda um esforço crítico; e do processo lógico-dialético ancorado nas premissas básicas da tese, antítese e síntese, concebido por Aristóteles.
“O ápice desse processo, a síntese, traduz-se como um momento de prazer estético pela conquista da verdade, o que não dispensa processos auxiliares de conhecimento, como a tragédia e a poesia, pois também aprendemos pelo sofrimento, e a catarse propiciada pela tragédia traduz-se como resolução de uma pendência simbólica sócio-histórica e cultural. A catarse cura”, sintetizou o palestrante. E lembrou que o conjunto de métodos de conhecimento e os sistemas filosóficos e técnicos construídos pelos gregos integra a chamada paideia.
Em prosseguimento, Helton Nogueira passou à análise das ideias do filósofo e crítico literário francês René Girard (1923–2015), para quem, basicamente, os animais competem entre si, a natureza tende à imitação e, para esse esforço mimético, requer modelos. De acordo com a teoria, essa realidade da imitatio na natureza e a convergência dos desejos conflitantes na direção dos objetos desejáveis engendra a rivalidade. Esta a origem da violência humana que desestrutura e reestrutura as sociedades, a possibilidade de uma “guerra de todos contra todos”, da qual falou Thomas Hobbes na obra Leviatã, agora flagrados os mecanismos arcaicos que engendram o seu nascimento na sociedade.
Ele lembrou que, diante da possibilidade e da probabilidade da guerra de todos contra todos, Hobbes propôs que alguém, investido de autoridade, comandasse o pacto social, que define papéis e funções para cada ator da sociedade (funções legislativa, executiva e judiciária). Entretanto, o palestrante asseverou que, para Girad, o contrato social preconizado por Hobbes como freio ou atenuante dessa guerra é uma ficção. O filósofo defende que a saída para a crise mimética reside no mecanismo da vítima expiatória.
“O próprio grupo vai determinar uma reorganização social através da escolha arbitrária de uma pessoa ou instituição para “pagar o pato”: a vítima expiatória, que se submete a uma supressão ou limitação da atividade e da liberdade, porque representa a vítima propiciatória para a solução das crises na sociedade”, ensinou o professor.
Ele sustentou que a vítima destrava o processo crítico da crise mimética e a resolve com seu sacrifício ritual, e explicou que essa destinação sacrificial, uma constante da história humana, é um componente das religiões, cuja força serve para temperar as tensões da crise mimética onde todos querem o mesmo objeto.
Também fez uma aproximação entre a teoria da crise mimética e o campo de exercício do Poder Judiciário. Para ele, o Direito está mais próximo da Antropologia do que da Sociologia, e é repleto de rituais, destacadamente os sacrificiais. Em suas práticas, a figura da vítima sacrificial é aquele que recebe a condenação, identificado como o “inimigo do povo”.
Helton Nogueira também falou sobre a desaparição do objeto do desejo pela crise mimética, quando passa ao plano metafísico, alertando para o grave perigo da perda de valor dos objetos desejados, da perda de modelos, da nivelação de comportamentos, um sintoma das sociedades contemporâneas.
“Somos singularmente diferentes uns dos outros por natureza e quando se impõe uma conduta de indiferenciaçâo, entramos em rota de queda. No mundo contemporâneo, substituímos o objeto da mímesis de apropriação pelo objeto da mímesis metafísica, como, por exemplo, o patriotismo e reclamamos a sua perda, muitas vezes, passeando pelo shopping e substiuindo-o pelo consumo”, refletiu o palestrante.
O expositor sustentou, finalmente, que os modelos ocidentais, como as revoluções francesa, a norte-americana, perderam sua força sacrificial. “Se Girard estiver certo, vamos eleger outro modelo para a pacificação social, fundado em uma nova mímesis de apropriação. Para que ele nasça, será necessária uma catarse coletiva mundial. Talvez o Direito seja um caminho de salvação, mas requererá um aperfeiçoamento para um nível mais elevado”, vaticinou.
ES (texto)