Política Nacional de Resíduos Sólidos é debatida no curso “Direito Ambiental”

A aula do último dia 1º do curso Direito Ambiental da EPM foi dedicada à analise dos temas “Solo – Proteção – Resíduos sólidos – LF nº 12.305/2010 – Aspectos gerais da Política Nacional de Resíduos Sólidos – Responsabilidades dos geradores de resíduos e do Poder Público –  Logística reversa – Resíduos perigosos”.  As preleções foram realizadas pelo advogado Édis Milaré e pelo desembargador Roberto Maia Filho, com a participação do desembargador Eutálio José Porto Oliveira, como mediador, e dos coordenadores do curso, desembargador Ricardo Cintra Torres de Carvalho e juiz Álvaro Luiz Valery Mirra.

 

Ex-secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Édis Milaré iniciou as exposições. Ele frisou que a temática ambiental é um dos assuntos que mais preocupa o homem na atualidade: “não podemos mais falar em desenvolvimento e na própria sobrevivência da espécie humana sem falar em administração ou gestão inteligente dos recursos naturais. E, se pudéssemos tirar uma fotografia do estado da nossa casa, ou seja, do planeta Terra, veríamos uma casa suja, desarrumada, insalubre, carente de uma urgente faxina, a ponto de alguns afirmarem que é preciso tirá-la da UTI”.

 

De acordo com o palestrante, a causa da crise ambiental é tão simples que muitas vezes passa despercebida: “de um lado, temos os bens finitos da natureza, enquanto de outro lado temos necessidades infinitas por parte de uma sociedade extremamente consumista. Os resíduos sólidos são produto de um consumo desvairado e imprudente, para não dizer ‘impudente’, de um contingente de 7,3 bilhões de almas”.

 

Entre os meios e terapias para tentar superar essa crise, ele citou o recurso à lei. “Ao lado do conselho para que, por exemplo, não cortemos árvores em áreas de preservação permanente nem lancemos efluentes sobre os corpos d’água, a lei é a arma que traz consigo a possibilidade de sanção para a efetivação”.

 

Entre os limites impostos pelo sistema normativo de proteção à natureza, discorreu sobre a Lei 12.305/2010 (um dos produtos da Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente). De acordo com artigo 1º, a normativa “institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis”.

 

Édis Milaré comentou o longo hiato temporal desde a formação do Estado brasileiro até que se instaurasse uma política que tratasse de forma sistematizada a questão ambiental, até então abordada de maneira pulverizada através de leis pontuais, “um conjunto de diplomas legais que não falavam a mesma língua e que tratavam a temática de forma difusa, e às vezes confusa”.

 

Também discorreu sobre as ferramentas mais importantes para a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, no que tange ao princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, quais sejam, a coleta seletiva e o sistema de logística reversa, entre outros instrumentos da política nacional de meio ambiente, como a avaliação de impactos ambientais, o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.

 

O palestrante observou o funcionamento razoável da coleta seletiva de lixo ou resíduos sólidos na capital de São Paulo, com vistas à reciclagem, reuso ou compostagem. Entretanto, ponderou ser desnecessária a multiplicidade dos já tradicionais recipientes coloridos de coleta. “Bastam dois: um para resíduos orgânicos e outro para os materiais passíveis de seleção para reciclagem, porque os coletores acabam fazendo essa mistura”. Ele observou ainda que as usinas do país reciclam entre 1 a 2% do resíduo sólido domiciliar e comercial coletado, e que o sucesso relativo dessa política da coleta seletiva é “subsidiada pela pobreza, pois existe um exército de cidadãos anônimos que atuam como catadores”.

 

Ele comentou ainda o artigo 54 da lei, que estabeleceu o prazo de quatro anos para que os chamados “lixões” ou aterros irregulares fossem extirpados. Contudo, afirmou que o prazo, já vencido, não foi cumprido. Segundo o palestrante, uma das razões do descumprimento foi o baixo investimento médio dos municípios brasileiros para a solução do problema, da ordem de 0,3% no período. “A lei é maravilhosa, mas ainda não foi implementada”, concluiu.

 

Édis Milaré falou, finalmente, sobre o conceito de lógica reversa, definida no artigo 3º, inciso XII da lei como “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”.

 

Uma nova ótica jurídica dos resíduos sólidos

 

Em prosseguimento, o desembargador Roberto Maia Filho desenvolveu a palestra “Resíduos sólidos sob uma nova ótica jurídica”, na qual tratou de aspectos sociais da coleta dos resíduos sólidos e do reaproveitamento de subprodutos do lixo por pessoas, bem como fez uma abordagem de uma nova perspectiva  jurídica desse fenômeno.

 

Para o palestrante, o cuidado com o meio ambiente, que já foi uma questão de consciência, hoje é uma questão de sobrevivência. Ele também comentou o sistema normativo e as dificuldades de efetivação das leis específicas, entre as quais a que trata dos resíduos sólidos. “Nós, da área jurídica, achamos que a lei resolve tudo. Mas de nada adianta a lei sem a sua efetivação”.

 

Ele exibiu um vídeo com depoimento de pessoas flagradas em atividade de catação de alimentos e subprodutos do lixo para consumo e fez uma pergunta provocadora: “se lixão agora é supermercado, o lixo virou produto de consumo? O que é lixo em relação a alguns, para outros representa alimentação, vestuário e sobrevivência”.

 

Ele lembrou, a propósito, a noção de coisa abandonada, do capítulo dos direitos reais do Código Civil. “É hora de repensar os conceitos tradicionais do Direito Civil sobre a coisa abandonada (res derelictae) e sua ocupação. O lixo não deve mais ser tido como coisa abandonada, consistindo numa obligatio communes ommium (obrigação comum de todos)”, observou.

 

O palestrante também falou sobre o papel do consumidor em relação ao meio ambiente. “O consumidor pode ser inimigo do meio ambiente em relação à produção, embalagens e descarte do bem após seu uso, pois quanto mais se consome mais se agrava o problema dos resíduos; mas pode ser aliado em razão das mobilizações que podem demover as empresas a não poluir ou degradar, sob pena de perder dinheiro, ou seja, o consumidor consciente que não compra produtos de empresas ecologicamente incorretas.”

 

ES (texto e fotos)


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