Proteção dos animais é tema do curso “Direito Ambiental”

A advogada e Erika Bechara e o arquiteto e ecologista José Pedro Oliveira da Costa foram os palestrantes da aula de encerramento do Módulo IV do curso Direito Ambiental da EPM, realizada no último dia 15, que versou sobre a questão da crueldade contra os animais e sobre os mecanismos jurídicos e institucionais de proteção à fauna e ao ecossistema. Os trabalhos foram conduzidos pelo desembargador Álvaro Augusto dos Passos.

 

Erika Bechara, que se desincumbiu da análise dos aspectos legais, observou que o tema da crueldade praticada contra os animais sempre despertou um certo incômodo – e até um certo desprezo – no mundo jurídico. “Temos questões tão urgentes para tratar (inclusive questões ambientais) que a preocupação com o bem estar animal pode parecer algo de menor relevância”, explicou a palestrante. Entretanto, ela lembrou que se observa, cada vez mais, um incômodo profundo nas pessoas com maior sensibilidade com relação ao sofrimento animal, decorrente de uma série de atividades desenvolvidas por meio de manifestações, campanhas e petições.

 

De acordo com ela, se a preocupação com o bem estar dos animais é verdadeira, resta verificar se o ordenamento atende e acompanha de alguma maneira essas reivindicações. E sustentou que os profissionais do Direito dispõem de um aparato normativo eficiente para combater a crueldade contra os animais, um sistema que demanda melhor conhecimento para sua operacionalização.

 

A professora falou primeiramente sobre o princípio constitucional de proteção à fauna, constante do artigo 225, § 1º, inciso VII, que dispõe, entre as incumbências do poder público para a salvaguarda de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

 

A palestrante observou, a propósito do dispositivo, que a Constituição, ao proibir a crueldade contra os animais, não declarou ou reconheceu que os animais são sujeitos de direitos, mas reconheceu que são seres sencientes (capacidade de sofrer ou sentir prazer ou felicidade) e, dessa forma, não devem sofrer agressões, vioplência, dor, stress físico ou psíquico e desconforto.

 

Erika Bechara também comentou a legislação infraconstitucional relacionada à defesa dos animais contra maus tratos. Como marco dessa preocupação, citou o Decreto 24.645/34, que arrola trinta práticas consideradas cruéis contra animais, “ainda muito utilizado como fundamentação”. Lembrou, a seguir, o artigo 64 da Lei das Contravenções Penais, que traz um artigo de contravenção de maus tratos contra os animais;do artigo 32 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), que criminaliza a conduta de de pessoas que submetem animais nativos e exóticos a maus tratos, “aplicável muitas vezes a animais de circo”; os artigos 29 e 30 do Decreto 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente; e a Lei Estadual paulista 11.977/2005 (Código Estadual de Proteção aos Animais), “uma lei pouco difundida e explorada”, observou, lembrando que alguns dispositivos desta normativa foram suspensos liminarmente pelo TJSP em ADI proposta pela Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, ainda pendente de julgamento.

 

Entre as práticas corriqueiras em relação aos animais, com as quais convivemos no dia a dia, “na berlinda porque questionadas no âmbito jurídico”, a palestrante comentou a experimentaçâo animal, criação e abate para consumo, rodeio e vaquejada, farra do boi e outras manifestações culturais, sacrifício de animais em rituais religiosos, caça esportiva, briga de galo, circos e shows aquáticos, e o zoológico.

 

A dignidade como vetor da interação humana com os animais

 

José Pedro Oliveira da Costa, por seu turno, discorreu inicialmente sobre a diferenciação humana e as relações históricas entre homens e animais: “dizem que o ser humano atingiu esse grau de diferenciação dos demais animais a partir do momento em que foi capaz de domesticar um cachorro, ampliando com isso as suas potencialidades de exercício das relações com a natureza, através do aprofundamento do faro e audição. Sempre dependemos dos animais, e em algum momento algumas espécies passaram a depender de nós, como é o caso dos cachorros e gatos”.

 

Entretanto, ponderou que, apesar de ser considerado um animal racional, há situações em que o homem é muito mais irracional do que qualquer animal, podendo ser melhor ou pior conforme as circunstâncias. Ele lembrou que a tortura, por exemplo, não é executada por nenhuma espécie animal.

 

Responsável pela criação de mais de uma centena de áreas protegidas ao nível estadual, nacional e internacional, entre elas o Parque Estadual da Serra do Mar, em Ilhabela e a Estação Ecológica da Jureia e as áreas de proteção ambiental do litoral paulista da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira, José Pedro da Costa comentou as distinções entre os animais reputados úteis ao homem, os animais domésticos, e os animais selvagens. E falou da extinção de espécies destes como uma forma de crueldade.

 

“O pior que pode acontecer para um animal selvagem, que levou milhões de anos para atingir um nível de perfeição, é a destruição de seu ecossistema. E a conhecida destruição da mata atlântica é talvez o ato de crueldade mais drástico em relação aos animais da fauna brasileira, porque leva à possibilidade simultânea de extinção de diversas espécies”, sustentou o professor.

 

Adiante, ele falou sobre os avanços na construção jurídica de mecanismos para a proteção dos ecossistemas em São Paulo. Ele lembrou que, nas décadas de 1960 e 1970, o índice de poluição atmosférica urbana era tão grave que a única espécie de ave que resistia nesse ambiente era o pardal. “Hoje, com o advento das leis ambientalistas e melhoria da qualidade do ar em razão do controle ambiental exercido por órgãos como a Cetesb, já somos acordados com o canto do sabiá e de outros passarinhos”, comentou.

 

Também asseverou que os animais, muito mais do que os homens, estão profundamente ameaçados pelo aquecimento global. De acordo com o palestrante, estima-se que a escalada levará ao aumento de 2 graus Célsius nos próximos 50 anos e que, com isso, em torno de 30 a 40% das espécies da fauna e da flora já têm sua extinção decretada.

 

Outro tópico tratado foi o tráfico de animais, “um dos crimes ecológicos mais rentáveis”. De acordo com o palestrante não é suficientemente conhecida a dimensão assustadora desse problema, no que tange aos diversos ardis e formas predatórias de aprisionamento de espécies.

 

O palestrante falou finalmente dos órgãos e programas criados para a proteção à natureza, diante da percepção de que o homem tem o poder de destruí-la e a si mesmo, como os programas específicos da ONU e da Unesco, e a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), que tem sede na Suíça.

 

“A visão de que o homem é o centro da criação existe em diversas religiões, uma convicção que rejeita a ideia da evolução darwiniana. Na sociedade de hoje, temos diferentes pessoas que pensam diferentemente, e cabe aos juristas e aos juízes julgar os conflitos que isso acarreta. A ideia da dignidade do animal, existente há seis mil anos, está sendo redescoberta, numa concepção de que não devemos nem divinizar os animais nem entendê-los diferentes de nós. Os animais, inclusive os humanos, merecem todo o respeito e dignidade”, concluiu.

 

Curso está com inscrições abertas para o último módulo 

 

Realizado presencialmente e a distância, o curso Direito Ambiental prossegue até março de 2016. As inscrições matrículas para o Módulo V – Urbanismo podem ser feitas até 26 de janeiro.


ES (texto) / ES e EA (fotos)


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