Função social da cidade e da propriedade são debatidas no curso de Direito Ambiental
A função social da cidade e da propriedade, as licenças urbanísticas e outras questões relacionadas à organização social e ao uso da cidade foram analisadas ontem (16) no curso Direito Ambiental da EPM. A aula fez parte do Módulo V, “Urbanismo”, e teve como expositor o juiz Luis Manuel Fonseca Pires.
O debate teve a participação do juiz Álvaro Luiz Valery Mirra, como mediador, e das arquitetas Mariana Mazzariello Damante e Daniella Lucas Richards Bronzoni, assessoras da Secretaria de Licenciamento da Prefeitura de São Paulo, que falaram sobre a relação entre a propriedade urbana e o Plano Diretor Estratégico (Lei 16.050/2014). Também participaram da aula os coordenadores do módulo, desembargador Ricardo Cintra Torres de Carvalho e juiz Alexandre Jorge Carneiro da Cunha.
Luis Manuel Fonseca Pires iniciou a exposição com um panorama das funções da cidade, tecendo comentários sobre a evolução conceitual do tema. Ensinou que, quando se fala da função social da cidade, é necessário compreender que essa é uma ideia contemporânea. “A organização das cidades no mundo antigo e medieval não guarda relação alguma com a ideia de gestão pública que temos hoje, possibilitada pelo Estado de Direito Social surgido a partir das constituições do México, em 1917, e de Weimar, em 1919.”
De acordo com o palestrante, a função social da cidade tem como marco inicial a Carta de Atenas, de 1933, onde se afirmou que ela deve objetivar a melhor condição para habitação, circulação, trabalho e lazer. Ele aduziu que, já no final do século passado, houve uma nova reunião a respeito do tema, em 1998, que teve como consequência a redação da Nova Carta de Atenas, que reproduziu as quatro funções sociais clássicas, relacionando outras tantas, muitas falando sobre segurança pública, saúde, e com uma ênfase na participação popular, assinalando uma mudança de paradigma.
“Reconhece-se hoje a ideia de que a sociedade participe como ator das deliberações que se fazem na cidade, protagonizando seus processos de decisão, quase uma ideia que se impõe socialmente ao mundo jurídico. É a sociedade que, ainda que de uma forma inconsciente e arquetípica, vem reclamar a sua participação social junto às instâncias de poder”, refletiu o professor.
A propósito dessa reivindicação popular nas diretrizes sobre o uso da cidade, e em consonância com episódios recentes de ocupação de vias e instituições públicas, como foi o caso das escolas públicas em São Paulo, revertendo uma decisão administrativa em data recente, asseverou o palestrante: “passamos por um processo de transformação, e temos que perceber que, em função delas, nossos institutos jurídicos estão sofrendo ressignificações em algumas de suas dimensões”.
Função social da propriedade
Adiante, o palestrante discorreu sobre o processo de transformação por que passou a propriedade ao longo da história, tendo comentado a noção da propriedade imobiliária pública no mundo antigo como uma representação do poder, e a forma em que a propriedade em geral foi desenhada e compreendida no Estado de Direito liberal, que abrange a propriedade da terra, surgida na Idade Média, fundante do próprio poder feudal.
“É em torno da terra que vamos ter, com o liberalismo de John Locke, no século XVII, a ideia de que o valor sagrado e fundamental é a liberdade, e a noção derivada de que a produção e a terra ocupada pelo homem são direitos naturais”, observou Luis Manuel. Como derivação, lembrou a materialização dessa ideia na noção dos quatro direitos naturais que advieram com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; liberdade, segurança, resistência à opressão, e propriedade.
O expositor também comentou a dimensão social da propriedade, surgida com o pensamento do publicista francês Pierre Marie Nicolas Léon Duguit (1859–1928), para quem a propriedade não é um direito subjetivo, mas função social do detentor da riqueza. “Duguit percebia, bem a frente de seu tempo, que era preciso acrescentar uma dimensão social à noção da propriedade como direito individual, quer dizer, a condição de proprietário implica cumprir uma função social”, aduziu o professor, e lembrou que, no Brasil, temos a legitimação da função social da propriedade a partir da Constituição de 1988.
Licenças urbanísticas como atos vinculados do Direito
Luis Manuel Fonseca Pires analisou, finalmente, os processos de licença administrativa, no âmbito do Direito Urbanístico. De acordo com ele, a definição adotada pela maioria dos juristas brasileiros, é a de um “ato administrativo vinculado, por meio do qual se declara um direito subjetivo como condição para o seu exercício”. E comentou que, no contexto da evolução histórica da função social da cidade e da propriedade que culminou no Estado de Direito, são as normas que conformam os significados e que, no Brasil, a função social se consolida a partir da Constituição de 1988 enquanto propriedade individual que tem o comprometimento jurídico com uma função social.
“Não é à toa que a não utilização ou subutilização de propriedades privadas legitimam modelos de intervenção de um Estado de Direito Social, compelindo o proprietário a fazer algo útil com a propriedade, sob pena de não se enquadrar em seu dever social, e aí a licença, um ato administrativo vinculado aos sentidos da propriedade determinados na lei, e não na discricionariedade do administrador, cumpre um papel fundamental”, concluiu.
ES (texto e fotos)