Envolvimento criminal de crianças e adolescentes é debatido no curso de Direito Processual Penal
O desembargador Antonio Carlos Malheiros foi o palestrante da aula do último dia 18 do 7º Curso de especialização em Direito Processual Penal da EPM, que versou sobre infrações praticadas por crianças e adolescentes, medidas socioeducativas, aspectos da tipificação e da persecução penal nos crimes praticados contra a criança e o adolescente, previstas no Estatuto da Criança e da Adolescência (ECA) e em outras normativas. A aula contou com a participação do juiz Jayme Walmer de Freitas, coordenador do curso.
Em sua exposição, Malheiros falou das vicissitudes sociais que estão na base do cometimento de ilícitos pelos menores infratores, conhecidas no exercício da judicatura, mas principalmente através da experiência pessoal de campo, ao longo dos anos em que vem atuando como educador suplementar e assistente social voluntário de crianças e adolescentes moradores de rua e de favelas. Ele apontou a necessidade dos estudantes de Direito terem contato com essa realidade como condição para se tornarem bons profissionais: “costumo dizer aos meus alunos que temos que estudar os livros técnicos, sim, mas para nos tornarmos bons profissionais do Direito temos que estudar no grande livro da vida, e esse livro não está nas prateleiras das bibliotecas ou das grandes universidades, nem está à venda nas livrarias; vamos achá-lo na poeira das ruas, nos esgotos dos cortiços, na lama das favelas, no pátio da Fundação Casa, nas celas do nosso fracassado sistema carcerário. É por isso que eu levo a “meninada” para ter contato com moradores de rua e percorrer principalmente as inúmeras favelas e comunidades empobrecidas da nossa periferia”.
Entre as causas sociais que estão na origem dos crimes praticados por menores infratores, assinalou as fraturas do sistema educacional, como a precariedade ou ausência de creches em muitas comunidades: “a tragédia começa em uma cidade sem creches, porque com isso criamos os pequenos infratores que depois vão se envolvendo com a criminalidade”. Também falou da omissão do Estado como uma das causas da criminalidade: “cada vez que o Estado se afasta das pessoas, principalmente das pessoas mais empobrecidas, um estado paralelo se coloca com sucesso total e absoluto. O chefe do pedaço, que supre a ausência do poder público, é extremamente sedutor, e vende falsas ideias, falsas noções de liberdade, de segurança, e a comunidade acaba pagando um tributo para ele, que é a própria vida”, sustentou.
No que tange ao aspecto legal dos atos infracionais, Malheiros lembrou que crianças e adolescentes podem cometer crime, mas não preenchem o requisito da culpabilidade, pressuposto da aplicação de pena, de acordo com o artigo 104. “Os adolescentes sofrem, portanto, medida socioeducativa, previstas no artigo 101”, lembrou.
Entre os tópicos abordados, destacou o aspecto constitucional da proposição de redução da maioridade penal. Para o palestrante, que declarou alinhar-se com aqueles que entendem que a redução da maioridade fere uma cláusula pétrea, ou seja, um fundamento ou princípio constitucional, a medida não resolverá o problema do aumento da criminalidade.
“Como alternativa, veio-me a ideia de uma reforma do ECA para a criação da figura da medida de segurança, já prevista para adultos no Direito Penal, que é uma espécie de interdição civil e alojamento, por tempo indeterminado, em lugar próprio para aqueles que ostentem alto grau de periculosidade, sob os cuidados de psiquiatras vocacionados”.
Entre os crimes praticados contra crianças e adolescentes, previstos nos artigos 228 e seguintes do ECA, ele comentou aquele tipificado no artigo 240: produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente. “Uma das condições para a análise de Juízes da Infância e Juventude nesses casos é que cada criança tenha um acompanhamento psicológico pago pelo produtor, até porque, nessa visão multidisciplinar, o psicólogo pode estabelecer até que ponto a criança ou adolescente pode participar de uma cena pretensamente erótica”.
O palestrante também discorreu sobre a violência ou abuso sexual de crianças e adolescentes. Ele lembrou uma constatação pessoal feita durante o desenvolvimento de seu trabalho de campo, entrevistando meninas que se prostituem: “quase todas tinham em comum o fato de terem sido abusadas sexualmente dentro de casa”. E declarou que, conforme levantamento que fez à frente da Coordenadoria de Infância e Juventude do TJSP, “os homens são campeões absolutos de violência sexual contra crianças e adolescentes; já as mulheres, pecam pela passividade e silêncio, porque algumas têm medo fisicamente do ofensor, de perder a segurança financeira, de perder o afeto daquele homem que abusa da sua filha ou do seu filho; outras tantas têm medo do escândalo”.
Adiante, discorreu sobre a custódia. “Para que se tenha alguém em custódia, temos que ter um flagrante, ou um mandado judicial, seguindo a regra do artigo 302 e incisos do Código de Processo Penal. Fora isso, não se admite custódia para averiguação”.
Outro entendimento do palestrante é que a internação antes da sentença, considerado um último recurso, após esgotadas as medidas socioeducativas, não pode passar de 45 dias. “Os meninos e meninas internados ou aqueles que sofrem qualquer medida socioeducativa têm a seu favor, com toda certeza, o princípio do devido processo legal, conforme artigo 111 do ECA”, asseverou.
Malheiros também ponderou que não se pode extrair confissão isolada do adolescente, condição insuficiente para a imposição de medida socioeducativa. “Há que ter todo um outro contexto de provas para que a confissão saia fortalecida”, sustentou.
ES (texto)