EPM inicia segunda edição do curso de atualização em Direito Penal
Com palestra do desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan iniciou-se no último dia 23 a segunda edição do curso de extensão universitária Atualização em Direito Penal da EPM. A aula teve a participação do juiz Jamil Chaim Alves, coordenador do curso, e versou sobre as mudanças trazidas pela Lei 12.403/2011, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e outras medidas cautelares.
O palestrante iniciou a exposição com um panorama histórico sobre a evolução das garantias individuais diante de fatos jurídicos de natureza criminal, tendo discorrido sobre as origens do Habeas Corpus, um instituto que costuma ser associado à Magna Carta de João sem Terra, de 1215, que concedeu prerrogativas aos nobres ingleses.
De acordo com Damião Cogan, a prisão em flagrante delito consiste, desde a sua origem, em uma resposta imediata da coletividade àquele que foi surpreendido na prática infracional. “É uma tradição do Direito, remontando ao Direito romano e passando pelo Direito bárbaro e pelo europeu, até chegar ao Brasil”, asseverou.
Em relação à legislação brasileira, destacou a edição do Decreto de 23 de maio de 1821, expedido por Dom Pedro I, que criou limites para a prisão, determinando que o recolhimento de criminosos só poderia ocorrer em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária. Lembrou ainda que as Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969 não falavam em autoridade judiciária, mas “autoridade competente” para a lavratura do decreto de prisão. “Foi Dom Pedro I quem afirmou a ideia do direito natural à segurança individual, afastando com ele a prisão arbitrária antes da culpa formada e impondo a observância estrita da legislação e a prerrogativa do magistrado para a ordem escrita de prisão, ‘exceto somente o caso de fragrante delito, em que qualquer do povo deve prender o delinquente’”, observou.
O palestrante lembrou que, segundo o jurista Pontes de Miranda, o decreto constitui a nossa carta magna, porque foi a primeira normativa a cobrar regularidade nas prisões, e que os presos não sofressem abuso e ficassem em locais razoáveis.
Ele também comentou outra legislação editada mais à frente, a Lei do Império do Brasil, de 30 de agosto de 1828, que traz alguns parâmetros sobre a possibilidade da prisão sem culpa formada. A lei prevê a hipótese do flagrante delito e o indiciamento por crimes em que lei impuser pena de morte, prisão perpétua.
Conforme recordou o palestrante, o monopólio do Judiciário e as regras vigentes da prisão viriam com a Constituição Federal de 1988. Nos termos do artigo 5º, inciso 61 da CF “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
No âmbito geral da legislação penal em solo brasileiro, consolidada a partir do Código de 1940, ele comentou que “viemos com uma legislação extremamente rigorosa, que aos poucos foi sendo amainada”. Para exemplificar, comparou a normativa de 1940 com aquela que foi objeto de reforma, editada em 1984. Recordou que, para a mudança de regime de cumprimento de pena em 1940, era necessário cumprir um terço da pena, ao contrário da norma atual, em que é necessário cumprir apenas um sexto.
Nesse sentido, de afrouxamento dos rigores da legislação penal, ensinou que, em 1969, passou-se a não ter mais a prisão preventiva obrigatória, e que, em 1977, por meio da Lei 4.616, a prisão deixou de ser mantida só porque ocorreu em flagrância. A partir dessa lei, a prisão só pode ser mantida se presentes os requisitos da prisão preventiva. “Com isso, passamos a ter uma mudança de comportamento, até virem as penas restritivas de direitos na década de 90. Hoje, antes de fixar o regime de cumprimento da pena, o juiz deve verificar se cabe a pena restritiva de direitos ou o regime aberto. O grande problema é que com esse leque de bondades, algumas merecidas para fazer eco à situação do crime, outras acabam se estendendo para o criminoso perigoso”, comentou o expositor.
Alterações trazidas pela Lei 12.403/2011
Entre as alterações trazidas pela Lei 12.403/2011, Damião Cogan comentou preliminarmente que a parte da prisão em flagrante delito (hipóteses elencadas no artigo 302), não sofreu alteração, mantida a regra do artigo 301 do CPP, que reza: “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. Também falou das hipóteses excludentes da manutenção da prisão em flagrante, mencionadas no artigo 304, parágrafo 1º, do CPP, quando o preso poderá livrar-se solto, nos casos de pena exclusiva de multa, restritas nos artigos 32 e 68 da Lei das Contravenções Penais, ou prestar fiança. Sob este aspecto, comentou que hoje quase todos os delitos são tecnicamente afiançáveis, à exceção das três hipóteses previstas no artigo 323 do CPP, correspondentes aos incisos XLII, XLIII e XLIV do artigo 5º da Constituição Federal.
O palestrante asseverou que o espírito do legislador foi pensar uma forma de obrigar o juiz a manifestar-se compulsoriamente sobre os requisitos da custódia do preso. Nesse sentido, ressaltou o artigo 310, que passou a trazer os deveres do juiz ao receber a comunicação do flagrante, os quais são, fundamentalmente: “I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação”.
Conversão da prisão em flagrante em preventiva
Adiante, Damião Cogan discorreu sobre a possibilidade de conversão da prisão em flagrante em preventiva, prevista nos artigos 311 e 312 da Lei, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal e admissível somente quando o magistrado tiver a prova do crime e de sua autoria. De acordo com a nova regra, “o juiz não pode decretar de ofício prisão preventiva em sede de inquérito policial sem ser provocado por representação do delegado ou requerimento do Ministério Público”. E ensinou que este critério, pelo qual o juiz é órgão da jurisdição e não da ação, adotado por vários países, é o critério adotado na Lei da Prisão Temporária. Em última análise, de acordo com o palestrante, o decreto de prisão preventiva, em regra, “decorre de uma colidência de interesses ou unidade de raciocínio entre o juiz e o promotor”.
Ele ressaltou, ainda, que a nova lei dificultou a prisão preventiva, que somente será aplicada quando não couberem as medidas cautelares alternativas previstas no art. 319: “a regra hoje é a liberdade e a prisão é a exceção, conforme já sinalizava o art. 310, parágrafo único da Lei 6.416/77”, observou, ponderando que, em relação à aplicação das cautelares, a Lei 12.403/2011 não trouxe grandes mudanças, apenas tornou um pouco mais gravosa a liberdade para o indivíduo surpreendido em flagrante.
Quanto às hipóteses de admissão da decretação da prisão preventiva, chamou a atenção para o fato de que ela somente será admitida nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos (art. 313, inciso I), citando o vácuo de diversos crimes com pena inferior a quatro anos, entre eles: roubo simples tentado, maus tratos com lesões graves, sequestro e cárcere privado, receptação, formação de quadrilha ou bando, resistência sem a execução do ato, coação no curso do processo, evasão mediante violência, entre outros. “Esses casos ficam em aberto, porque não temos uma resposta imediata”, afirmou, ponderando que o problema teria sido minorado se fosse acrescentada, nesse inciso, a ressalva “excetuados os praticados com violência ou grave ameaça”.
Damião Cogan discorreu também sobre os critérios para a concessão de liberdade provisória, destacando a possibilidade de se conceder a fiança em todas as hipóteses e o aumento dos valores previstos (art. 325). Ele ponderou que, na maioria dos casos, o preso não poderá pagá-la, e o juiz acabará aplicando o art. 350, de concessão da liberdade provisória sem fiança.
ES (texto)