Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura analisa Lei de drogas e jurisprudências correlatas na EPM
A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Maria Thereza Rocha de Assis Moura proferiu, no último dia 26, a palestra “A Lei de Drogas e a jurisprudência do STJ”. A aula integrou a programação do 2º curso de extensão universitária Atualização em Direito Penal da EPM, e contou com a participação do juiz Jamil Chaim Alves, coordenador do curso, e do advogado João Francisco Raposo Soares, integrante do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB.
Na apresentação, Jamil Alves observou que o tema da aula “envolve um debate acalorado; de um lado, alguns defendendo o recrudescimento das penas como forma de resolver o problema, em outro extremo, alguns advogando a descriminalização do uso e até do tráfico de drogas”.
Nas notas preliminares sobre aspectos da jurisprudência criada para a aplicação da Lei 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e dá outras providências, Maria Thereza Moura observou que os entendimentos firmados no STJ em torno do tema receberam influxos dos precedentes divergentes firmados pelo STF, razão pela qual também havia compilado a jurisprudência da corte constitucional para demonstrar a busca da correspondência ou uniformidade de julgamento pelos tribunais superiores.
Entre os temas tratados, ela discorreu sobre os fundamentos constitucionais (artigo 5º, incisos XLIII e LXVI) e aqueles postos na Lei (artigo 44) sobre o instituto da liberdade provisória. Reza este último dispositivo: “os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico”.
A ministra lembrou que até 2012 havia uma certa divergência entre duas turmas do STJ, fundada na vedação da liberdade provisória com base em uma aplicação pura da lei e invocando-se a natureza inafiançável dos crimes prevista na Constituição. Contudo, de acordo com a palestrante, em maio de 2012, o ministro Gilmar Mendes declarou a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” do artigo 44. “Com isso, o Supremo entendeu que o fato do crime de tráfico ser inafiançável não impede a concessão da liberdade provisória, que pode ser dada sem fiança, sendo a sua vedação apriorística incompatível com os princípios constitucionais da presunção de inocência, do devido processo legal e do dever que o juiz tem de fundamentar toda e qualquer decisão”, concluiu.
Ela sustentou, por outro lado, que, de acordo com o entendimento majoritário, a decisão pela prisão há de ser fundamentada, invocando-se as circunstâncias concretas do delito, como a existência de organização criminosa, grande quantidade de entorpecentes e sua danosidade, reincidência em curto período de tempo e a tentativa de destruição de provas, não se admitindo a referência genérica ao texto do artigo 312 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a imposição da prisão preventiva. “Simplesmente dizer que a prisão é necessária para garantia da ordem pública em instrução criminal, não serve. Precisa-se dizer em que medida isso se faz necessário”, observou.
A palestrante asseverou que a cautela do juiz também deve observar a via contrária, ou seja, a das penas alternativas à restrição da liberdade, “desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa” (de acordo com a redação do parágrafo 4º do artigo 33 da normativa comentada), e também na hipótese de pequena quantidade de drogas envolvidas. “O último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depem) do Ministério da Justiça, feito com base no número de presos em junho de 2014, dá conta de 45% dos presos cumprindo prisão cautelar, ou seja, sem o trânsito em julgado da sentença. Será que há necessidade de encarceramento de todas essas pessoas?”, indagou. E afirmou que há uma série de estudos e programas alternativos em São Paulo e em outros estados que mostram, muitas vezes, que a apreensão se dá por poucas quantidades de entorpecentes, muitas vezes por pessoas que necessitam muito mais uma outra política, que não o encarceramento.
Em prosseguimento, discorreu sobre procedimento, dosimetria da pena e possibilidade ou não da substituição da pena por medida restritiva de direito e regime prisional.
No que concerne ao regime prisional ela comentou precedente relatado pelo ministro Rogério Schietti, da 6ª turma do STJ, revogando decisão de juízo de primeiro grau que entendeu devida a imposição de regime inicial fechado sem no entanto haver apontado elementos concretos dos autos que efetivamente evidenciassem a imprescindibilidade do regime mais gravoso.
Também asseverou que a mera alusão à gravidade genérica, à hediondez, não serve para justificar o regime fechado, vez que o STF declarou inconstitucional a sua fixação obrigatória em crimes hediondos. “Na prática, se detectado que o juiz fundamentou com base na hediondez, mandamos os autos para o tribunal, recomendando a verificação da possibilidade de um regime menos gravoso”.
A ministra comentou, finalmente, a jurisprudência do STF a respeito da inconstitucionalidade do artigo 28 da lei, que criminaliza a aquisição, guarda, depósito e transporte de drogas sem autorização legal e fixa penas. O dispositivo foi declarado inconstitucional pelo ministro Gilmar Mendes, no RE 635.659, no qual afirma a defesa do recorrente que a criminalização da posse de drogas para consumo pessoal viola o artigo 5º, X da Constituição Federal, sustentando que tal dispositivo protege as escolhas dos indivíduos no âmbito privado, desde que não sejam ofensivas a terceiros.
ES (texto)