Fundamentos e aplicabilidade da ação rescisória no Direito Processual Eleitoral são analisados em aula na EPM
O advogado Flávio Luiz Yarshell ministrou ontem (4), na EPM, a palestra “Ação rescisória e efeitos de demandas junto aos Tribunais Superiores”, que concluiu o Módulo II do 3º curso de especialização em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral, promovido pela EPM, em parceria com a Escola Judicial Eleitoral Paulista (EJEP). A aula contou com a participação do juiz do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) André Guilherme Lemos Jorge.
“Minha proposta é que pensemos temas que gravitem em torno da ação rescisória e que possam ser úteis para outras discussões, dentre as quais, eventualmente, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao processo eleitoral”, anunciou o palestrante.
Ele comentou inicialmente que a ação rescisória – aquela que busca, em grau de recurso, a reforma de uma decisão judicial –, parte da premissa da existência da coisa julgada, constituindo válvula de escape para situações limítrofes, e que a experiência demonstra a raridade de seu manejo. Em uma perspectiva pragmática, ele lembrou que o maior fundamento da ação rescisória na Justiça comum é a incidência do inciso V do artigo 966 do CPC, qual seja, a violação manifesta de norma jurídica.
Flávio Yarshell fez uma reflexão estrutural sobre o papel da Justiça Eleitoral e o confronto entre os escopos jurídico e social. “A Justiça Eleitoral tem certas peculiaridades. Ela supera, por exemplo, o dogma de que a jurisdição sempre atua no caso concreto. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) edita resoluções, faz normas gerais e abstratas e, em cada eleição, valem mais as resoluções do que a lei, porque a resolução, em certo sentido, já encerra a interpretação da lei. E com relação aos objetivos da jurisdição, ela é pautada também por peculiaridades fundadas na lógica de consolidação do pleito”, asseverou.
Nesse sentido, comentou que a Justiça tem dois escopos básicos: pacificar mediante a eliminação da controvérsia, mas pacificar com justiça, aplicando, portanto, a regra no caso concreto. “Na Justiça Eleitoral, o escopo social da eliminação das controvérsias fala muito mais alto do que o escopo jurídico de atuação do Direito no caso concreto. Esse caráter concreto nem sempre está presente, mas sua lógica é que a convivência e a estabilidade do processo político pressupõe a consolidação do pleito, e isso é que inspira a brevidade dos prazos, o acentuado princípio dispositivo e uma rigorosa aplicação de preclusões no processo eleitoral”, observou.
Por outro aspecto estrutural, também comentou que os interesses no processo eleitoral transcendem, com frequência, o interesse individual. E que, sob esta ótica, a legitimação para o processo eleitoral pode ser a legitimação individual clássica, mas, não raro, é extraordinária, aquela em que alguém fala em nome próprio por direito alheio. “Em certa medida, isso faz com que haja, pelas questões discutidas no processo, algo que poderia justificar a busca da verdade e, portanto, um exercício do poder instrutório mais ativo por parte do juiz”, refletiu Flávio Yarshell. Entretanto, ponderou que a busca da verdade não é o objetivo da jurisdição. “A verdade é apenas o instrumento de que se vale o juiz para chegar a uma sentença justa, mas, não podendo chegar a uma sentença justa, que chegue antes a uma sentença célere. Essa premissa aplica-se à Justiça Eleitoral, porque, conscientemente, voluntariamente, corremos o risco de ter decisões injustas para termos decisões rápidas”, ensinou o professor.
Entretanto, ele lembrou, como salvaguarda, o mecanismo das impugnações à disposição das partes e comentou que, aparentemente, a Justiça Eleitoral tem mecanismos de cognição que já são suficientes para evitar a injustiça de decisões.
Outro tópico abordado foi a projeção das premissas estruturais diretamente sobre a ação rescisória, nesse contexto de excepcionalidade de uso. “Não bastasse a lei ser restritiva em relação ao cabimento da rescisória, o TSE encarrega-se de interpretar de forma restritiva o texto já restritivo. Se o que justifica o descabimento da ação rescisória é a celeridade, de outra parte, temas ligados à elegibilidade são temas fundamentais”, sopesou.
Adiante, ele discorreu sobre a questão dos limites do objeto e dos fundamentos da ação rescisória, fazendo algumas considerações sobre a tradicional distinção feita pelo TSE entre declaração de inelegibilidade e condições de elegibilidade. “São dois lados de uma mesma moeda, porque muitas vezes a falta de pressuposto de condição de elegibilidade decorre da declaração de uma inelegibilidade decretada pela Justiça Eleitoral”, comentou.
De acordo com o palestrante, outra limitação advém do fato de que a ação rescisória só está prevista pela lei para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “razão pela qual os tribunais regionais eleitorais não julgam ações rescisórias de seus próprios julgados”.
Além do confronto de competência, ele também examinou casos de dispensa da ação rescisória, como os de sentenças tidas por inexistentes. “Nesses casos, a jurisprudência e a doutrina reconhecem a desnecessidade da ação rescisória, justamente porque não há coisa julgada, e a inexistência poderia ser reconhecida em qualquer grau de jurisdição”.
Flávio Yarshell desenvolveu, finalmente, uma reflexão sobre a aplicação subsidiária do novo CPC ao processo eleitoral, ao ensejo da regra do artigo 15, que prevê a aplicação supletiva e subsidiária das normas do diploma aos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos. “O novo CPC alterou a disciplina da desconstituição das sentenças que contrariem as decisões de controle concentrado de constitucionalidade feito pelo STF”, comentou.
Entre as perspectivas de revisão de conceitos já consolidados, trazidas pelo novo Código, eventualmente relevantes para o manejo da ação rescisória na esfera do Direito Eleitoral, ele sustentou que o Código de Processo Civil “consagrou a possibilidade de formação gradual da coisa julgada, porque prevê, por exemplo, o julgamento parcial antecipado do mérito, inclusive com possibilidade dessa decisão interlocutória transitar em julgado e ser executada de forma definitiva. É da letra da lei que a coisa julgada pode formar-se gradualmente, porque o CPC encarregou-se de permitir o fracionamento do julgamento do mérito”.
ES (texto)