Fundamentos e objetivos do Direito Constitucional são debatidos no curso de Direito Público

O advogado Roberto Baptista Dias da Silva ministrou ontem (6) a aula “Os fundamentos e objetivos do Direito Constitucional do século XXI”, que deu seguimento ao 9º Curso de especialização em Direito Público da EPM. O evento contou com a participação do desembargador Luís Paulo Aliende  Ribeiro, coordenador do curso.

 

O palestrante apontou preliminarmente a dificuldade de abordagem do tema, em razão da velocidade das transformações nas relações sociais, econômicas e jurídicas, e também da celeridade das comunicações no mundo contemporâneo. “Por esta razão, abandono, desde logo, a intenção prospectiva para fazer uma análise institucional e conjuntural”, declarou.

 

Na abordagem que fez dos fundamentos e objetivos constitucionais e a origem das ideias correlatas, ele citou os dois dispositivos constitucionais sobre  os valores da República, quais sejam, aqueles elencados no artigo 1º, que são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. “Em linhas gerais, são pressupostos relacionadas à democracia, aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana, como fundamentos centrais da República Federativa do Brasil”, sintetizou.

 

Quanto aos objetivos fundamentais da República, elencados no artigo 3º da Constituição, quais sejam, “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, o professor asseverou que a Constituição está falando basicamente do direito à igualdade.

 

Adiante, comentou o fato de o texto constitucional ter sido sancionado no século XX, quando foi convidado a falar de objetivos e fundamentos no século XXI. Mas ponderou não ter havido mudanças significativas desde a edição da Carta Magna: “os desafios dos fundamentos e objetivos do Direito Constitucional e de ordenamentos jurídicos dele derivados permanecem neste século”.

 

O núcleo dos direitos fundamentais e seus pontos polêmicos

 

Em prosseguimento, Roberto Dias da Silva assinalou a concepção da dignidade da pessoa humana como núcleo dos direitos fundamentais, tendo discorrido sobre seus pontos polêmicos.

 

Ele lembrou como referência obrigatória deste conceito o pensamento do filósofo Immanuel Kant (1724 – 1804), estabelecido no texto Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), de acordo com o qual “as pessoas não podem ser entendidas como meios para alcançar determinados fins, mas devem ser entendidas como fins em si”. Nesta perspectiva, o professor lembrou que as pessoas, estando acima do preço, não podem ser reduzidas a objetos da intervenção do Estado ou de terceiros, e que o conceito de dignidade kantiano está relacionado ao respeito e à autonomia (liberdade).

 

Ele lembrou ainda a ideia nuclear da dignidade da pessoa humana segundo outros autores, como Ronald Myles Dworkin (1931-2013), citando como integrantes os direitos à integridade psicofísica, a proibição da tortura, a integridade moral e a privacidade.

 

Também recordou a incorporação do conceito da dignidade humana aos ordenamentos jurídicos dos estados democráticos de Direito após a Segunda Guerra, “uma clara resposta aos regimes autoritários, que não respeitavam as pessoas como sujeitos de direitos”, assinalando como marcos dessa construção jurídica a constituição italiana de 1947, a Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, e a constituição alemã de 1949. Entretanto, alertou para os riscos de banalização ou o uso retórico generalizado desse fundamento, em prejuízo de sua força argumentativa.

“A grande questão a ser pensada para o século XXI seria concentrar esse fundamento que se transforma num grande argumento em eventuais questões importantes que chegam ao Judiciário”, refletiu o professor.

 

O problema da ineficácia da norma constitucional

 

Outra questão analisada foi a eficácia ou ineficácia das normas constitucionais. O palestrante lembrou que a generosidade da Constituição no que tange aos direitos fundamentais, em um quadro de desigualdade social, deve-se à uma ineficiência das políticas públicas. “Mais do que ter previsões constitucionais sobre a erradicação da pobreza, sobre a redução da marginalização, combate ao preconceito, etc., é preciso saber como isso se reflete no mundo dos fatos. E não me parece que a questão tenha sido bem equacionada até hoje”, problematizou.

 

Ele comentou, a propósito, os tratamentos díspares que são dispensados pelos tribunais superiores a direitos fundamentais de mesmo status, como a moradia e a saúde. E lembrou como exemplo a saúde pública, objeto do protagonismo do Judiciário. Também falou da principal obra teórica escrita em uma tentativa de superação do problema, o clássico do professor José Afonso da Silva Aplicabilidade das normas constitucionais.

 

Roberto Dias da Silva comentou, por outro lado, o fenômeno da inversão da hierarquia das normas. De acordo com seu entendimento, isso ocorre na medida em que a aplicabilidade da Constituição está sujeita à edição da norma ou ato infraconstitucional. E comentou autores no âmbito da construção doutrinária para o combate à ineficácia das normas constitucionais, como Norberto Bobbio, Celso Antonio Bandeira de Mello e Eros Grau. De acordo com Celso Bandeira de Mello, “condicionar a invocação de um direito constitucional à edição de uma lei ou de um decreto implica reconhecer maior força à lei e ao decreto que à Constituição”. Já Eros Grau, destacou o caráter reacionário das normas programáticas, “que vulneram a hierarquia da Constituição e transferem a função constituinte ao Poder Legislativo”.

 

De acordo com o palestrante, diante da insuficiência das políticas públicas, surgiu uma racionalidade que transpõe a ideia liberal baseada numa relação bilateral entre credor e devedor para a área dos direitos sociais, de que fala o professor Virgílio Afonso da Silva. “A estratégia para dar mais efetividade às normas constitucionais é a judicialização”, asseverou.

 

Na senda dessa transposição, ele citou como caso emblemático o recurso extraordinário 271.286/2000 julgado pelo STF, que impôs fornecimento de medicamento gratuito a paciente portador de HIV, em que se encontra a declaração de que “o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar”.

 

ES (texto)


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