Curso de Direito Processual Penal é concluído com aula sobre crime organizado

Com a palestra “Crime organizado no Brasil”, proferida pelo promotor de Justiça Renato Brasileiro de Lima, foi encerrada ontem (7), a programação do 7º curso de especialização em Direito Processual Penal da EPM. A exposição contou com a participação do juiz Jayme Walmer de Freitas, coordenador do curso.

 

A aula teve como foco a análise de aspectos da Lei 12.850/2013, que “define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal”, reputada pelo professor, por sua qualidade, a lei mais importante do Código de Processo Penal. “Imaginem os senhores o que seria da Operação Lava-Jato se não existisse essa lei, que regulamentou institutos conhecidos de longa data, como infiltração e ação controlada”, observou.

 

Na sequência, o palestrante desenvolveu uma análise histórica das organizações criminosas. “A criminalidade organizada nada mais é do que o produto de um Estado ausente, um dos maiores problemas do mundo globalizado, principalmente por conta de seu efeito devastador”, pontuou.

 

Ele assinalou a dificuldade de precisar a origem das organizações criminosas.  Entretanto, comentou a atividade daquela que é considerada a mais famosa, a máfia italiana, composta pelas facões Cosa Nostra e Camorra. “A máfia italiana começou praticando crimes como contrabando e extorsão. Depois, partiu para atividades mais rentáveis, como o tráfico de drogas e a necessária e consequente lavagem de capitais. Mais tarde, percebeu que era interessante investir no cenário político, e começou a financiar campanhas eleitorais para buscar apoio político”, ensinou o professor.

 

Renato Brasileiro lembrou que a manifestação mais remota do crime organizado no Brasil, tradicionalmente apontada pela doutrina, diz respeito à atuação do cangaço no sertão nordestino, por meio do bando então liderado por Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”. E que, na história recente, a criminalidade organizada estruturou-se nos presídios do Rio de Janeiro e de São Paulo, com a formação do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC).

 

Ele observou que, em sua origem, essas organizações criminosas contemporâneas tinham um discurso de melhorias do sistema carcerário, mas que degeneraram pela prá­­tica de crimes de diversas naturezas. “Basta lembrar a onda de ataques em São Paulo contra policiais militares e civis e bombeiros, em 2007/2008”, recordou.

 

Definição legal de organizações criminosas

 

Na segunda parte da preleção, o professor discorreu sobre a conceituação de organização criminosa, recordando a edição da primeira lei sobre a matéria, a Lei 9.034/95, hoje revogada. “Por incrível que possa parecer, essa lei jamais definiu o que seria organização criminosa, e durante muitos anos foi utilizada assim. O problema da indefinição conceitual agravou-se quando surgiu a Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98)”, recordou.

 

O palestrante ensinou que o problema ficou evidente no tratamento judicial da denúncia de um casal líder de uma seita religiosa, flagrados nos EUA com uma quantia exorbitante de dinheiro, apontados pelo Ministério Público de São Paulo como autores do crime de lavagem de capitais obtidos por meio de fraude contra fiéis. O suposto crime antecedente deles seria o praticado por uma organização criminosa, ainda objeto de discussão nos tribunais superiores sobre a existência ou inexistência de um conceito legal.

 

Ele explicou que, para suprir a falta de definição conceitual legal, os membros do Ministério Público de São Paulo passaram a valer-se de um documento internacional, a Convenção de Palermo. E lembrou que essa linha de orientação foi adotada inclusive pelo STJ o que, no entanto, “não durou muito tempo, porque o STF, analisando o desdobramento do habeas corpus concedido, entendeu que a Convenção de Palermo não poderia definir organização criminosa, porque isso viola o princípio da legalidade, e uma das garantias básicas inerentes ao princípio da legalidade é a ideia de lex populi.

 

“De acordo com esse princípio, a prerrogativa de disposição do Direito Penal é do Congresso Nacional. E não se poderia permitir, mesmo que por tratados internacionais, que o Direito Penal fosse regulamentado por outro instrumento, senão uma lei criada pelo Congresso Nacional”, esclareceu Renato Brasileiro.

 

O palestrante ensinou que a definição legal de organização criminosa viria com a edição da Lei 12.694/12. Entretanto, observou que o conceito legal estabelecido no artigo 2º da normativa teve vida efêmera porque, menos de um ano depois, sobreveio a lei vigente (12.850/2013), que trouxe a definição legal vigente de organização criminosa em seu parágrafo 1º:

 

“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.

 

Juízo colegiado como garantia de independência e imparcialidade

 

Renato Brasileiro discorreu ainda sobre o instituto do “juízo colegiado” para o julgamento de organizações criminosas, uma faculdade do juiz natural, prevista na Lei 12.694/12. “O juízo colegiado tem origem no assassinato de quatro juízes incumbidos de julgar organizações criminosas, o mais recente deles, aquele que ceifou a vida da juíza Patrícia Lourival Acioli, no Rio de Janeiro, em 2011. A lei foi criada para tentar tornar a decisão um pouco mais impessoal, para tornar difusa a responsabilidade por uma decisão hostil”, sustentou. E revelou que havia uma pressão do próprio Poder Judiciário para que fosse criado esse instituto, com precedentes em normativas estaduais do Mato Grosso e de Alagoas.

 

Ele lembrou que a criação da lei em Alagoas foi objeto de ação de declaração de inconstitucionalidade (ADI), julgada pelo STF em 2012. E ponderou que a decisão deu um indicativo de que o Supremo é favorável à formação do colegiado, porque acaba funcionando como um reforço em prol da independência e imparcialidade dos magistrados.

 

Em prosseguimento, o palestrante comentou a razão da formação do juízo colegiado para o crime organizado e o pioneirismo do Estado do Alagoas ao traçar a normativa subsidiária, levando em consideração a agressão recente sofrida por magistrada em São Paulo pelo enquadramento do réu na Lei Maria da Penha: “se aqui em São Paulo, com a melhor estrutura judiciária do país, aconteceu um caso como esse, imaginemos os riscos de julgamento de uma organização criminosa com independência e imparcialidade no interior das Alagoas”.

 

ES (texto)


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