Crimes contra a democracia são analisados no curso de Direito Eleitoral e Processual Eleitoral

O procurador de Justiça Antonio Carlos da Ponte, diretor da Escola Superior do Ministério Público (ESMP), discorreu sobre as questões afetas à evolução do Direito Penal Eleitoral e à tipificação dos crimes nessa esfera na EPM, no último dia 11. A preleção deu início às atividades do Módulo III, “Sistema Eleitoral”, do 3º curso de especialização em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral, promovido pela EPM, em parceria com a Escola Judicial Eleitoral Paulista (EJEP), e contou com a participação do desembargador Waldir Sebastião de Nuevo Campos Júnior. 

Entre os tópicos abordados, o palestrante assinalou peculiaridades dos crimes eleitorais no quadro do sistema penal brasileiro. Ele ensinou que a primeira dessas características é que todo crime eleitoral é de ação penal pública incondicionada. Outra característica que apontou é a de que sempre são crimes dolosos, com uma objetividade jurídica absolutamente comum: “o bem ou interesse protegido pela lei penal eleitoral é assegurar o exercício dos direitos políticos, de forma que o pleito seja realizado com regularidade e segurança”.

 

De acordo com Antonio Carlos da Ponte, perfazem 77 os crimes eleitorais, previstos nos artigos 289 a 354 do Código Penal Eleitoral (Lei 4.737/65), na Lei 6.901/74, que cuida do transporte gratuito de eleitores em zonas rurais,  na Lei Complementar 64/90, que trata das inelegibilidades, alterada pela Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), na Lei 6.996/92, que regula o processo eletrônico de votação e, por, fim na Lei 9.504/97 (Lei das Eleições), que foi modificada pela Lei 13.165 /2015.

 

Ele apontou a importância da discussão dessa base normativa no contexto político atual dos debates sobre o pedido de impeachment, “principalmente quando verificamos que as imputações que recaem em boa parte da classe política mostram-se um tanto inócuas, no que diz respeito aos crimes eleitorais, e este é o primeiro problema que se verifica de imediato”, observou.

 

O professor afirmou que ninguém, hoje, cumpre pena privativa de liberdade pela prática de crime eleitoral no Brasil. E comentou que o fato permite duas conclusões: “ou ninguém comete crime eleitoral aqui ou, como já dizia Nelson Hungria na década de 1960, a legislação penal eleitoral funciona como uma espécie de espantalho que, perdido no milharal, não é capaz de espantar o mais tímido dos pardais”.

 

Antonio Carlos da Ponte fez um desdobramento analítico da questão. Ele comentou que o esvaziamento do conteúdo legislativo, ou sua ineficácia, não se deve à falta de tipificação penal, haja vista a existência do expresso rol de crimes eleitorais anteriormente mencionado. Observou, por outro lado, que a ideia que pode surgir num primeiro momento é que o número de tipos penais seria suficiente para garantir uma resposta efetiva, sendo esta a leitura que se faz em relação ao Direito Penal no país.

 

“Todas as vezes em que ocorre uma tragédia ou um caso que assuma relevância junto à opinião pública, a primeira preocupação que se tem é no sentido de criar um novo tipo penal, como se a criação, por si só, fosse elemento desencadeador da paz social”, refletiu o palestrante.

 

Entretanto, observou que, se isso fosse verdade, poderíamos ter um tipo social estabelecendo que fome é crime, e isso seria suficiente para acabar com a fome no país. E concluiu o raciocínio afirmando que o Direito Penal exerce um papel importante, mas tem que vir acompanhado por políticas públicas. Ele ensinou, sob este aspecto, que existem países que contam com tipos penais muito pequenos, mormente em sede de Direito Penal Eleitoral, mas que, todavia, a legislação mostra-se notavelmente eficiente, como é o caso da Alemanha. “O Código Penal alemão, prevê apenas oito crimes eleitorais. Entre esses crimes, há um que se destaca, que consiste na compra e venda de voto no parlamento, cuja pena varia entre oito e 20 anos de prisão, acompanhada de inelegibilidade por 16 anos”.

 

Coibição da captação irregular de sufrágio e exigência da ficha limpa

 

Em prosseguimento, Antonio Carlos da Ponte comentou aquelas que considera as principais alterações na legislação penal eleitoral brasileira, fruto de iniciativa popular: a Lei 9.840/99, que trata da captação irregular de sufrágio (compra e venda de voto) como infração administrativa. E lembrou que a infração também está prevista como crime eleitoral desde 1965, com pena máxima de quatro anos de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, podendo ser substituída por duas penas restritivas de direitos ou por uma restritiva de direitos e multa.

 

“Era comum que o condenado pela compra de votos tivesse uma resposta penal absolutamente pífia, e foi necessária uma lei que não tem características penais para que aquele que compra voto tenha mais consciência de seus atos”, observou o professor. E asseverou que a resposta administrativa eleitoral ganha maior relevância porque, se o candidato fizer captação irregular de sufrágio durante o curso do processo eleitoral, perderá o registro de sua candidatura, e se for eleito e depois demonstrada a captação irregular de sufrágio, sua diplomação é tornada sem efeito.

 

A outra alteração legislativa de iniciativa popular comentada foi a Lei da Ficha Limpa. Antonio Carlos da Ponte lembrou, a propósito, a etimologia da palavra “candidato”, que advém do latim candidatus, isto é, vestido de branco (candidus). “Na antiguidade, aquele que disputava um cargo público e precisava angariar votos vestia-se de branco para simbolizar sua pureza. Em verdade, imune a qualquer mácula. Então temos uma lei, também de caráter administrativo, que assume uma importância muito grande, pois passa a trabalhar com um conceito de vida pregressa em sede de registro de candidatura”. 

De acordo com o palestrante, a natureza administrativa das duas leis conduz à reflexão sobre o papel do Direito Penal, que “deve funcionar como a ultima ratio (última razão) e tomar um cuidado enorme na eleição dos bens jurídicos que devem ser objeto de proteção, análise e resposta. É um equívoco achar que uma sociedade deve ser protegida com uma profusão de leis penais”, asseverou.

Diante da “inflação legislativa penal”, de que falava o jurista italiano Francesco Carnelutti (1879–1965), e na perspectiva da adequação jurídica, Antonio Carlos da Ponte apontou infraçoes que, em seu entendimento, seriam melhor resolvidas no âmbito administrativo do que na esfera penal eleitoral em que estão tipificadas, como o não oferecimento de denúncia pelo promotor no prazo legal, a não manifestação do juiz nos prazos regulares, e a não observância da ordem de votação dos eleitores. 

“Uma lei eleitoral penal deve ter como objetivo alcançar aquelas violações que coloquem em cheque ou em risco a própria democracia, e não deve preocupar-se absolutamente com questões secundárias”, defendeu o professor. 

ES (texto)


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