Eficácia da recuperação judicial é tema de aula do curso de Direito Empresarial

O juiz Daniel Carnio Costa foi o palestrante da aula do último dia 20 do 7° Curso de especialização em Direito Empresarial da EPM, que versou sobre o tema “Novas teorias da insolvência empresarial – o papel do juiz moderno na recuperação judicial”. A exposição teve a participação do desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, corregedor-geral da Justiça e coordenador do curso.

O palestrante discorreu preliminarmente sobre o pano de fundo de sua aula, uma hermenêutica legislativa contemporânea, explicitada como a necessidade de conhecimento das circunstâncias do Direito, mais do que da letra da lei. “Estudar Direito é saber o que está por trás do texto da lei, sempre tendo a ideia de que é um fenômeno histórico, cultural, político, que acontece em um determinado momento, orientado por determinadas condições, situações, com determinados propósitos. E tudo isso deve ser de conhecimento do jurista na hora de interpretar e aplicar a lei, em nome do resultado esperado pelo legislador e pela sociedade”, sustentou.

Em conformidade com esse pensamento, Daniel Carnio anunciou a intenção de sua exposição: “dividir a experiência prática na condução de processos de falência e recuperação judicial e conflitos relacionados à arbitragem de São Paulo nessa área do Direito, com a preocupação de tornar o processo de recuperação judicial mais efetivo, viável, de modo a atingir os objetivos econômicos e sociais esperados pela população e pela economia como um todo, por meio da aplicação de técnicas de otimização de resultados”.

Nesta perspectiva, comentou os fatores externos e internos causadores de impacto negativo na economia brasileira e geradores da mais grave crise de sua história, citando a diminuição do preço das commodities e do barril de petróleo, a desaceleração da economia chinesa, observando ser a China o principal parceiro econômico do Brasil, e, em outra vertente, problemas na política econômica e na gestão do país que, conjugados, causam inflação, desaquecimento da economia e diminuição da arrecadação com aumento de gastos.

O “efeito fileira de dominó” e o “bullying de corrupção”

Na sequência, Daniel Carnio buscou dar a dimensão da crise econômica, agravada pela operação policial em curso, que acabou desvendando a existência de um esquema de corrupção envolvendo grandes empresas brasileiras, em um quadro descrito pelos economistas como “perfect storm” (“tempestade perfeita”). Nesse cenário, comentou as causas da ampliação do número de empresas em processo de falência ou recuperação judicial, relacionadas ao setor de óleo e gás. Para o expositor, essas empresas sofreram o que chamou “efeito fileira de dominó”.

Ele explicou que a Petrobrás, principal empresa pública brasileira passou a ter uma atitude de compliance muito maior após a revelação de seu envolvimento no esquema de pagamento de propinas. Com isso, parou de pagar obrigações previstas em contratos, sob o argumento de que havia a necessidade de verificação de problemas de superfaturamento. Com essa medida, as empresas que contrataram com a Petrobrás pararam de receber e começaram a ter problemas de fluxo de caixa. “A grande questão é que essas empresas também contratam com outras empresas, que têm como principal ou única cliente a Petrobrás. Por sua vez, outras empresas, que têm essas como únicas ou principais clientes também deixaram de receber, e assim sucessivamente. Como se isso não bastasse, diversas construtoras, relacionadas à chamada indústria de base ou pesada, também se viram envolvidas nesse escândalo, e começaram a sofrer o chamado “bullying de corrupção”.

De acordo com o expositor, o fenômeno “bullying de corrupção” consiste na projeção negativa da imagem da empresa no mercado pela denúncia de envolvimento em fraudes. “A partir daí, nenhuma outra empresa ou órgão público quer contratá-las, e elas deixam de conquistar novos contratos, de receber as verbas em razão dos contratos já em andamento, seja porque estão irregulares ou porque há necessidade de verificação de sua irregularidade”, observou o palestrante.

A superação do dualismo pendular na recuperação judicial

Nesse contexto, Daniel Carnio Costa asseverou que o instituto da recuperação judicial vai se tornar importante na medida em que se tornar uma ferramenta eficaz de superação da crise da empresa. “Digo isso não em função da proteção aos direitos do empresário, mas em função da proteção aos interesses sociais, na medida em que o que se busca proteger, em última análise, são os benefícios econômicos e sociais que decorrem da manutenção da atividade produtiva saudável. A recuperação judicial tem que funcionar para que seja possível a recuperação dos empregos, a arrecadação de tributos, a manutenção da circulação de bens, produtos, serviços, riquezas que beneficiem a todos”.

Entre os aspectos importantes para dar efetividade à recuperação de empresas, ele ressaltou a mudança da postura do magistrado na condução do processo, cobrando efetividade e eficiência de todos os agentes envolvidos, preconizando também uma mudança sistêmica e estrutural.

Entre os tópicos abordados no âmbito dos instrumentos jurídicos da insolvência empresarial, falou sobre o pressuposto lógico da recuperação judicial, que é a viabilidade da empresa em crise. Na outra ponta, estariam as empresas inviáveis economicamente, cuja resposta jurídica adequada é a falência. No primeiro caso, o Estado-Juiz atua de maneira subsidiária para evitar os prejuízos decorrentes do encerramento da atividade econômica.

Para o entendimento da melhor forma da interpretação e aplicação da Lei de Falência e Recuperação Judicial, Daniel Carnio discorreu sobre distinções entre legislações pró-credor – como no caso do sistema inglês –, e pró-devedor, no qual há uma preocupação maior com os interesses dos devedores. E explicou que o sistema será pró-credor quando houver menores possibilidades de recuperação da empresa, e será pró-devedor quando as oportunidades de recuperação da empresa forem maiores.

O palestrante comentou ainda o sistema norte-americano de recuperação judicial, pelo qual supera-se o chamado “dualismo pendular”, termo cunhado pelo professor Fábio Konder Comparato. “Trata-se de um modelo que não parte do raciocínio de proteção aos interesses dos polos da relação de direito material, credor-devedor. A recuperação vai ser deferida em função da proteção o interesse social, do interesse público, e não dos interesses de credores ou devedores, que devem se submeter ao interesse maior, que é o interesse social. O modelo brasileiro, na Lei 11.101/2005, bebeu nessa mesma fonte, está inspirado nessa mesma lógica e filosofia. Basta que a gente leia o artigo 47 da lei, para perceber que os interesses que devem ser tutelados são principalmente os interesses sociais: preservação da atividade empresarial em função do recolhimento de tributos, da proteção ao emprego, e da fonte geradora de riquezas”, esclareceu.

ES (texto e fotos)


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