29/09/08: Ex-ministro da previdência encerra Curso de Formação de Formadores com tema saúde

Ex-ministro da previdência encerra Curso de Formação de Formadores com tema saúde


 

O encerramento do Curso de Formação de Formadores da Escola Paulista da Magistratura ocorreu na sexta-feira, 26/09, com a palestra proferida pelo ex-ministro da previdência e assistência social, José Cechin. O tema abordado foi Saúde Pública e Privada. Também participaram do encerramento o professor Luiz Celso Dias Lopes, que falou sobre Aspectos Jurídicos na Saúde e o desembargador Linneu Rodrigues de Carvalho Sobrinho, cuja temática foi Saúde Pública e Privada no Brasil: Conceito de Saúde Privada. Além deles, esteve presente o desembargador Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa, coordenador do curso.

Cechin parabenizou a EPM pela iniciativa do curso e cumprimentou os alunos juízes: “Espero que minhas palavras ajudem a informar as vossas decisões.” O ex-ministro tratou de conceitos ligados à área da saúde, da lei sobre planos e seguros privados de assistência à saúde (9656/98) e da situação brasileira quanto aos gastos com saúde pública e privada. Ele aproveitou a ocasião para recomendar a leitura de seu livro A História e os Desafios da Saúde Suplementar – 10 Anos de Regulação, que traz comentários à Lei 9656/98.                                       

José Cechin iniciou sua palestra citando o artigo 196 da Constituição, que garante o direito à saúde e diz que ela é dever do Estado. “Isso foi um avanço extraordinário na nossa Constituição. Resta saber da capacidade de se alcançar esse grande sonho,” disse. Em seguida, apresentou as formas com que o setor saúde se apresenta no país. Pelo setor público – por determinação constitucional – a saúde é tratada por meio de um sistema único (SUS). Ao setor privado, permite-se livremente que explore o ‘mercado’ saúde. E há a filantropia, que, até os anos 50, era praticamente a única opção com que os menos abastados financeiramente tratavam a saúde. A Constituição não delimita espaços para as atuações, o que, de acordo com o ministro, gera conflitos e superposições.

 

O fato de o Estado ter o dever de arcar com a saúde foi apontado pelo ministro como fruto de uma visão paternalista de Estado que impera no Brasil. “Isso induz a um comportamento passivo. As pessoas se sentem menos responsáveis pela própria saúde,” diz ele, que concorda com o dever estatal, mas crê que seria importante a saúde ser tratada também como dever individual. O SUS, financiado por tributos, é de responsabilidade da União, que deve repassar verba aos estados e municípios. O percentual da receita que deve ser gasto com saúde nos estados e municípios são definidos. Estados empregam 12% e municípios, 15%. A União deve gastar o que gastou no ano anterior acrescido da variação do PIB. Segundo Cechin, o fluxo de transferência de verba para bancar a saúde pública nos estados e municípios exige capacidade de coordenação e gerenciamento extraordinários. “Não sei se isso foi tentado o suficiente, mas certamente não foi alcançado ainda.” 

                        

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o setor público no país tem arcado com menos de 40% do gasto em saúde. O restante dos gastos são privados. Em países europeus, a participação do setor público na saúde é elevada. Em Luxemburgo, chega a 90% e na Grã-Bretanha, a 85%. Quanto menos desenvolvido o país, menor é a participação pública na saúde. José Cechin afirmou que, no Brasil, os gastos com a previdência são os responsáveis pelo desequilíbrio do sistema. “O governo passa a mensagem de que pagar aposentadorias e pensões tem prioridade sobre o atendimento à saúde.”

 

Quanto ao setor privado de saúde, o ministro iniciou seu discurso conceituando ‘seguro’: pessoas se juntam numa coletividade e fazem um aporte de recursos que forma um fundo; desse fundo retiram-se os recursos para indenizar pessoas afetadas por sinistro. “Trata-se do recurso à solidariedade dividir igualmente danos que se materializam desigualmente,” acrescentou. “Fazer um seguro ou plano de saúde é diferente de comprar batatas. Na feira, eu pago as batatas e saio com elas. Aqui eu compro uma promessa de ser atendido se o sinistro me afetar.”

 

O setor de saúde privada necessita de regulação porque se trata de uma das áreas envolvidas pelo conceito de economia popular. No Brasil, são regulados inclusive os preços e reajustes dos seguros e planos de saúde. Os gastos pessoais com saúde dependem muito da idade. Pessoas com mais de 55 anos são as que mais custam às seguradoras. No Brasil, o custo per capta com saúde é de 600 reais na primeira faixa etária, enquanto na última (acima de 59 anos) é de mais de 5 mil reais. Para precificação, pode-se priorizar a solidariedade ou o individualismo. Quando a solidariedade é exacerbada, todas as pessoas devem pagar a mesma taxa, o que beneficia os idosos e prejudica os mais jovens. Nesse caso, há o risco de que os jovens deixem de aderir aos planos de saúde. Já quando o individualismo é exacerbado, cada um deve pagar de acordo com seu risco individual. “Poderíamos chegar na aberração de se examinar o DNA da pessoa para tentar adivinhar que propensão ela tem a desenvolver doenças,” diz Cechin.

 

No Brasil, dosam-se as duas opções. As operadoras não podem discriminar risco, exceto por idade. Isso significa que duas pessoas de mesma idade devem sempre pagar a mesma mensalidade. A lei fixa dez faixas etárias e o preço, da primeira para a última, pode aumentar no máximo seis vezes. Na prática, porém, os jovens pagam pelos mais idosos. O ministro avisa: “Esse esquema está em cheque.” Isso porque a população está envelhecendo – a geração que paga está encolhendo, enquanto a geração subsidiada se expande.            

 

Finalizando a aula, o ministro José Cechin fez referência à atividade dos magistrados. “Eu imagino que o dia-a-dia dos senhores seja o de lidar, na maior parte das vezes, com casos individuais ligados à saúde,” disse. Ele lançou a questão: “Visando a conceder compaixão ou proteção ao lado mais fraco – oferecendo um direito que estritamente não caberia ao individuo –, não estaríamos  prejudicando a coletividade?” Mas logo fez a ressalva: “Não estou dizendo que é dever dos magistrados decidir essa questão. É dever de toda a sociedade, incluindo magistrados, cidadãos, Governo e Congresso: todos.”

 

 

 



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