12/12/07: EPM promove curso "Crime organizado hoje e suas ramificações"
Coordenador da força-tarefa antiterrorismo do Estado de Nova York faz palestra na EPM
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Nos dias 5 e 6 de dezembro, a Escola Paulista da Magistratura recebeu o promotor de Justiça federal norte-americano Gregory A. West, chefe da Seção de Crime Organizado e Fraude e coordenador da força-tarefa antiterrorismo do Estado de Nova York. Ele proferiu as palestras: “Crime organizado e delação premiada” e “Lavagem de Dinheiro” que fizeram parte da programação do curso “Crime organizado hoje e suas ramificações”, coordenado pelo desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan. Os eventos tiveram a participação do diretor da EPM, desembargador Marcus Vinicius dos Santos Andrade, e da adida cultural do Consulado dos EUA em São Paulo, Laura Gould.
No dia 5, Gregory A. West discorreu sobre os instrumentos aprovados pelo Congresso norte-americano para viabilizar a ação judicial contra os grupos do crime organizado, em especial a Lei “Rico” (Racketeer Influenced and Corrupt Organizations). A lei estabeleceu o conceito de “empresa criminosa” e passou a ser aplicada, também, em diversos casos não relacionados ao crime organizado.
Inicialmente, recordou que o crime organizado existe, nos EUA, desde os tempos da Guerra da Secessão, citando como exemplo o bando de Jesse James, que atuava no final do século XIX. Entretanto, lembrou que foi durante o período da “grande experiência social” representada pela “Lei Seca” (1920-1933), quando ficou proibido o uso de bebidas alcoólicas no País, que houve grande desenvolvimento do crime organizado. “Durante os anos de proibição, era muito lucrativo contrabandear bebidas alcoólicas. Com isso, criminosos como Al Capone passaram a subornar policiais corruptos e a usar a violência, particularmente, o assassinato, para lidar com os delatores, o que se tornou uma marca registrada do crime organizado”, salientou.
Acrescentou que, conforme descoberto depois, além do comércio de bebidas, esses grupos criminosos também se envolviam em outras atividades ilícitas, como o jogo de azar e a prostituição. “O crime organizado buscava o controle territorial, com nível crescente de violência”. Ele explicou que, a partir das informações obtidas pelo Congresso sobre a extensão das atividades desses grupos, durante os anos de proibição, passaram a ser desenvolvidos instrumentos mais efetivos para combatê-los.
Nesse contexto, discorreu sobre a Lei “Rico”, promulgada em 1970, com a finalidade de impedir a infiltração e o controle de grupos criminosos em empresas legalmente constituídas e o uso de empresas ilegais para as atividades criminosas. Explicou que a lei permitiu aos promotores denunciar delitos ligados ao racketeering – padrão de atividades de extorsão ou cobrança de dívida ilegal, mediante associação para o crime. “Essa lei é direcionada aos indivíduos que se associam com a finalidade de praticar atividades criminosas, como os integrantes de famílias mafiosas”, explicou.
O palestrante recordou que, devido a leis estaduais e a procedimentos criminais, os tribunais não permitiam que se processassem delitos diferentes em uma mesma ação judicial. “Se uma parte da organização criminosa fosse acusada de participação no jogo de azar e outra parte estivesse envolvida com o tráfico de drogas, tais crimes eram julgados separadamente, impedindo que cada júri tomasse conhecimento da relação entre eles e tivesse uma visão abrangente das operações da organização.” Explicou que, com a Lei Rico, passou a ser permitido reunir e apresentar provas de vários delitos em um único processo, possibilitando ao júri conhecer o padrão de atividade criminal de cada acusado e de seus associados, criando condições para se estabelecer a existência de uma “empresa criminosa”, prevista na lei.
Ele acrescentou que, como a Lei Rico abrange diversos delitos estaduais e federais, agentes federais, estaduais e locais podem fazer investigações conjuntas e entrar com uma única ação judicial. Além disso, ressaltou que a lei abriu a possibilidade de os promotores de Justiça usarem, a seu favor, as diferenças entre a legislação federal e a estadual.
Em relação à delação premiada, salientou que os promotores de Justiça levam em conta, principalmente, a disposição do acusado em cooperar e seu histórico criminal. “Obviamente, mesmo que o acusado queira cooperar, teremos menos interesse se for alguém que acumule acusações de perjúrio, pois teríamos que submeter ao júri evidências provindas de um mentiroso contumaz”. Observou que aqueles que cooperam com a Justiça são colocados no programa de proteção à testemunha, recebendo nova identidade e residência. “Uma das dificuldades desse programa é a atitude dos protegidos. Muitos não resistem e retornam ao crime ou não conseguem ficar longe de seu Estado de origem, colocando-se em risco”, explicou.
No dia 6, Gregory A. West discorreu sobre o combate à lavagem de dinheiro nos EUA, destacando a lei aprovada, em 1984, pelo Congresso norte-americano (“Money Laundering Control Act”), que tornou essa atividade crime federal. “O Congresso percebeu o crescimento dos depósitos bancários de recursos provenientes do tráfico de drogas e aprovou medidas para aumentar a fiscalização. Com isso, os bancos passaram a identificar os autores de depósitos acima de dez mil dólares e a noticiar a operação ao governo, o mesmo ocorrendo com os comerciantes que recebiam valores altos, em espécie, e com as pessoas que entravam ou saíam do País com mais de dez mil dólares, em espécie. A razão disso é que, embora não seja ilegal, transportar ou depositar tais valores, em espécie, é algo mais comum entre os criminosos, para evitar o rastreamento.”
Com a lei, passou a ser considerado crime de lavagem de dinheiro realizar transações financeiras envolvendo recursos procedentes de atividades ilegais, com a intenção de promover algum tipo de atividade ilícita. Também passou a ser enquadrado na lei o transporte de dinheiro para fora do país ou do exterior para dentro do país, se, durante o transporte, o dinheiro for utilizado para alguma atividade criminosa. “Se, por exemplo, dinheiro proveniente dos EUA for enviado a outro país para financiar organizações terroristas, podemos acusar o responsável não apenas por financiar o terrorismo, mas também por lavagem de dinheiro”, explicou.
Para exemplificar a aplicação da lei, relatou uma operação de grandes proporções de contrabando de cigarros, que acontecia na fronteira com o Canadá, impulsionada pela alta tributação dos cigarros nesse país. O esquema envolvia um executivo de uma indústria de cigarros americana e outras empresas associadas, acusados de fraudar o sistema tributário canadense mediante a instalação de uma fábrica de cigarros no Canadá, voltada apenas para a exportação – livre de impostos –, que contrabandeava de volta a produção, utilizando a área fronteiriça pertencente à reserva indígena Mohawk. “Desde os tempos da proibição, na década de 20, era noticiada a falta de policiamento das áreas fronteiriças, próximas ao Estado de Nova York, e sua lucrativa utilização para o contrabando de bebidas. Uma dessas áreas é a reserva Mokawk, que abrange porções de Quebec e de Ontário”, explicou.
Gregory A. West acrescentou que as empresas de tabaco exigiam o pagamento em dólares americanos, o que tornava necessário a troca dos dólares canadenses recebidos dos distribuidores. De acordo com a Lei de Lavagem de Dinheiro, isso constituía crime, pois se tratava de uma transação financeira que promovia um esquema de fraude tributária. “A investigação dessa operação, estimada em 687 milhões de dólares, exigiu uma cooperação internacional, com o fim de obter informações e testemunhas que dessem suporte à acusação, que considero ser um paradigma para o combate às ações criminosas multinacionais. E ilustra bem como podemos aplicar a Lei de Lavagem de Dinheiro para lidar com atividades criminosas que vão desde aquelas do crime organizado tradicional até uma operação multimilionária que se estendeu por dois países”, concluiu. |