Princípios da dignidade humana e da solidariedade são analisados pelo corregedor-geral da Justiça no curso de Direito Civil
O desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, corregedor-geral da Justiça, foi o palestrante da aula do último dia 19 do 3º Curso de especialização em Direito Civil da EPM, dedicada à análise do tema “Pessoas naturais e pessoas jurídicas”. O evento contou com a participação do desembargador Carlos Alberto Garbi, coordenador do curso, e do juiz Marco Fábio Morsello, assessor da Corregedoria, ambos coordenadores da área de Direito Civil da EPM.
Manoel Pereira Calças iniciou a preleção com a lembrança das inovações introduzidas no Direito Civil por meio do trabalho desenvolvido por Augusto Teixeira de Freitas na Consolidação das Leis Civis Brasileiras, em 1858, notadamente no que concerne à pessoa jurídica. E acentuou o caráter de novidade do tratamento do tema na obra com a observação de que a teoria da pessoa jurídica era desconhecida no Código Comercial de 1850.
O palestrante fez um enquadramento do objeto de sua reflexão no sistema jurídico atual, lembrando que, de acordo com o ordenamento positivo, as pessoas naturais são sujeitos de direitos, necessariamente submetidas às teorias das incapacidades e da legitimidade. Ele ponderou que a assertiva não é tão óbvia quanto parece, argumentando que a pessoa natural nem sempre foi considerada pelo ordenamento jurídico positivo como pessoa. E ensinou que o reconhecimento da condição de sujeito de direito não advém do Direito Natural e sim do Direito Positivo.
Em defesa da ideia, Pereira Calças recordou a época da escravidão, “em que os escravos eram considerados como coisas, e não pessoas no sentido jurídico. Nessa condição, eram objeto de contratos de venda e compra, partilhados nos inventários e nos arrolamentos com base no Direito de Sucessão, leiloados, cedidos e alienados por toda forma”. E aduziu que, “apesar de aparentemente ser o Direito natural que dá sustentáculo à assertiva de que todos os seres humanos são dotados de personalidade jurídica, tanto é verdadeira a dependência do ordenamento positivo, que nada impede, pelo menos em termos de raciocínio dogmático, que um dia novamente venha a ser adotada a escravidão, ou que se crie um sistema como o que havia na época da manus iniectio do Direito Romano, e que se volte à época anterior à Lex Poetelia Papiria (o sistema jurídico romano que liberou o devedor da responsabilização pessoal pelas dívidas assumidas, trasladando-se para o seu patrimônio a responsabilidade pelo pagamento), e que a execução recaia sobre o corpo do devedor, que perdia o status libertatis e era convolado em escravo e poderia ser vendido nas feiras”.
O expositor discorreu sobre a história da ascensão da pessoa natural ao status de sujeito de direito. Falou da ideia da pessoa natural e da natureza jurídica do nascituro, de acordo com a redação do artigo 2º do Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
Ele comentou as críticas ao dispositivo, a principal delas fundada no entendimento de que, aparentemente, o texto configura um paradoxo entre duas teorias clássicas da área, que é a teoria natalista (de acordo com a qual a personalidade jurídica inicia-se com o nascimento) e a teoria concepcionista (pela qual a personalidade jurídica inicia-se com a concepção).
De acordo com o palestrante, o Código Civil brasileiro, ao titularizar os direitos do nascituro, adota a teoria da personalidade condicional, no sentido de que a personalidade começa com o nascimento com vida, mas o nascituro já é titular de direitos subordinados a uma condição suspensiva, pela qual ele teria uma expectativa de personalidade, a ser confirmada com o nascimento com vida.
No que tange à capacidade jurídica, ele apontou a justaposição entre os conceitos de personalidade e capacidade jurídica: “todo aquele que tem personalidade tem capacidade de direito. O sujeito de direito, que é pessoa, assim reconhecido no ordenamento jurídico, pode ser titular de direitos e responder por obrigações na condição de sucessor”.
Pereira calças versou ainda, entre outros tópicos conexos ao tema, sobre os entes que, embora desprovidos de personalidade jurídica, são sujeitos de direito. Assim, as entidades do espólio, a massa falida, o condomínio, e as sociedades de fato ou em comum (prevista no artigo 986 do Código Civil), que são as sociedades simples ou empresárias, que por serem registradas, respectivamente, no registro civil das pessoas jurídicas ou no registro público de empresas mercantis (junta comercial), não adquirem personalidade jurídica.
ES (texto e fotos)