EPM inicia novo curso de formação de mediadores e conciliadores
Com 619 alunos, teve início, no último dia 30, o 5º Curso de formação de mediadores e conciliadores da EPM, realizado de acordo com a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As palestras inaugurais foram ministradas pelos desembargadores José Roberto Neves Amorim, coordenador do curso e do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do TJSP (Nupemec) e José Carlos Ferreira Alves, vice-coordenador do Nupemec, e pelo juiz Ricardo Pereira Júnior, também coordenador do curso.
Neves Amorim falou sobre o contexto de ascensão dos métodos da mediação e conciliação como a via adequada para a solução dos conflitos. De acordo com a estatística do sistema atual de Justiça no Brasil, são 100 milhões de processos em andamento, dos quais 25 milhões em São Paulo, apesar do aparato de 91 tribunais e do efetivo de 17 mil juízes, mais de 3 mil integrantes do Ministério Público, 6.500 defensores públicos, 850 mil advogados, 3 milhões de bacharéis em Direito e 1.300 faculdades de Direito.
Nesse cenário, ponderou que o juiz não consegue atender efetivamente as partes, porque sua preocupação centra-se muito mais na decisão do que nas pessoas envolvidas no processo. Ele explicou que a mediação e a conciliação estão fundadas na lógica da autonomia da vontade do indivíduo, conducente à autocomposição entre as partes. Assim, a solução para a desavença há de emergir da percepção de sua necessidade e utilidade pelos próprios envolvidos deixando-os satisfeitos, o que não acontece quando o juiz dá uma sentença, impondo uma obrigação”, observou o palestrante.
De acordo com o palestrante, “não dá mais para perpetuar a cultura adversarial sob o risco de colapso do sistema”. Mas observou que o êxito do método da mediação e conciliação, depende da educação para a cultura da paz, assentada no respeito pela alteridade, no princípio do diálogo e da escuta, “porque muitas vezes a busca da Justiça se estabelece com discursos unívocos, em que alguém ganha e alguém perde, obstando a função primordial do Poder Judiciário, que é a aproximação das pessoas, e o que elas efetivamente querem é a manutenção da relação e não seu rompimento”.
Neves Amorim lembrou a importância do desenvolvimento de uma política pública de Justiça que pudesse dar um norte ao Poder Judiciário nacional, inexistente até o advento do CNJ, órgão criado pela Emenda nº 45/2004. E comentou que, até então, os 91 tribunais integrantes do sistema tinham políticas próprias, sem uma troca de experiências.
Também recordou a criação da política pública de tratamento adequado de conflitos, com a edição da Resolução 125, que determinou a criação dos Nupemecs nos tribunais, bem como dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs). E comentou aspectos dos diplomas legais que regulamentam a mediação, a Lei 13.140/2015 e o novo Código de Processo Civil. “O novo CPC adota a mediação como princípio fundamental, tornando-a obrigatória, principalmente na área de família, e afastável somente em caso de expressa manifestação de desinteresse de ambas as partes”, comentou.
De acordo com ele, os métodos de mediação e conciliação assumiram tamanha relevância que não é mais apropriada a expressão “método alternativo de solução de conflitos”. “Falamos em solução adequada de conflitos, e não solução alternativa, porque referem as várias portas que o Judiciário coloca a serviço do cidadão. E esperamos que, num futuro próximo, com a mudança de cultura, a judicialização reduza-se a uma porta pequena, a ser utilizada em caso de efetiva necessidade da participação do Estado”.
Nesse sentido, falou dos degraus da construção dessa política pública, coordenada pelo Nupemec e realizada pelos Cejuscs, e afirmou que São Paulo está na vanguarda do processo, com participação crescente e multidisciplinar de conciliadores e mediadores nos 164 Cejuscs implantados no Estado. Ele ressaltou ainda o valor do “timbre” do Judiciário para a efetividade da conciliação e da mediação nos Cejuscs: na mediação pré-processual cível, uma média de 58 a 64% de êxito; na área da família, 83%, perfazendo uma média de 67%. Já na mediação processual, a média cai para 35% na área cível e 64% na área de família, perfazendo uma média de 49%.
Também falou das parcerias públicas e privadas realizadas com instituições, universidades e empresas para a criação de núcleos de mediação e conciliação, com resultados bastante animadores. “Estamos divulgando essa política pública para que todas as grandes instituições e empresas tenham um núcleo dentro dela para resolver um monte de problemas que seriam facilmente solucionados, desafogando o Judiciário.
Para Neves Amorim, o marco legal da mediação inovou ao permitir a criação das Câmaras Públicas de mediação. Foi esse dispositivo que possibilitou a criação do Cejusc da Prefeitura de São Paulo, “o primeiro grande Cejusc público da cidade, para que os munícipes possam negociar eventualmente multas, IPTUs, e todos os impostos e taxas inerentes ao município, uma medida extremamente importante, dada a grande judicialização na execução fiscal, com milhões de ações”.
Por fim, assinalou o uso da sensibilidade como condição necessária para resolução dos conflitos. Ele observou que o método da conciliação e da mediação considera a pessoa em conflito como uma espécie de doente. Para trata-la, o mediador ou conciliador tem que olhar em seus olhos e para a sua alma, para que se sinta entendida e acolhida. E citou frase do psicanalista Carl Jung, tomada como lema do mediador: “conheçam todas as teorias, domine todas as técnicas, mas, ao tocar uma alma humana, sejam somente outra alma humana”.
Efetividade da conciliação e da mediação
Na sequência, José Carlos Ferreira Alves iniciou a preleção com o relato de casos em que se valeu dos métodos da mediação e conciliação exitosas, e destacou a importância da atuação dos conciliadores e mediadores, que “pode ter repercussão direta na vida, na honra e na liberdade das pessoas envolvidas”.
Ele lembrou que toda ação judicial traz em si um ou mais dramas pessoais, tão insuperáveis pelas pessoas que elas se sentem incapazes de resolvê-los. Daí procurarem terceiros para a resolução. Observou que, dentro da política atual, primeiro elas buscam um advogado e, através dele, um juiz. E ponderou que, muitas vezes, os atores da cultura adversarial relutam em aceitar a conciliação e a mediação porque foram formados para pleitear ou decidir. “Alguma coisa precisava ser feita porque, além dessa situação litigiosa, existe a morosidade da Justiça, que não é fruto da incapacidade do magistrado, mas parte da burocracia inerente ao processo”, refletiu. E frisou que a conciliação e a mediação propiciam a diminuição do número de processos por conta de sua efetividade, ao resolverem a crise de direito material instalada.
A seguir, comentou o advento da Resolução 125 do CNJ, lembrando que o seu acerto consiste em ter levado em conta as distintas realidades regionais e partido de duas inteligências: a da macrorrealidade nacional, para a qual edita as regras gerais e os princípios da mediação e da conciliação, e as realidades regionais dos tribunais, aos quais confere, por meio dos Nupemecs, a oportunidade promover a implementação da conciliação e da mediação de acordo com a sua cultura.
Ferreira Alves falou ainda sobre os princípios a serem observados pelos conciliadores e mediadores, apontando os atributos essenciais desses profissionais: educação, urbanidade e humildade, o comprometimento, a indelegabilidade, a dedicação, a discrição, a honestidade, a consciência de seus limites, a sensibilidade, a proximidade com as partes, a coragem de inovar e o conhecimento jurídico.
O compartilhamento de direitos para a construção de uma sociedade justa
Ricardo Pereira Júnior explicou a estrutura do curso e a expectativa dos coordenadores em relação aos alunos. “O trabalho do conciliador e do mediador perante o Poder Judiciário é um trabalho multiplicador da força dos juízes. Mas não queremos que vocês sejam pequenos juízes, porque o papel de vocês não é avaliar e julgar pessoas em conflito, mas resolver as questões de uma maneira suave e satisfatória, através de um consenso, um viés que a sociedade precisa muito, e não através de um ponto de visto imposto em desfavor das partes”.
Ele defendeu que o grande objetivo do Direito não é consagrar normas, de acordo com o antigo ditado Fiat Justitia, et pereat mundus (Faça-se justiça ainda que o mundo pereça). “O Direito contemporâneo tem por objetivo garantir espaços de convivência e respeito mútuo e resgatar o humanismo do sistema jurídico, no sentido de induzir às partes à confiança recíproca e à compreensão de que vivem em um espaço de compartilhamento de direitos para a construção de uma sociedade justa”, sustentou.
ES (texto)