Aspectos processuais da repressão aos crimes econômicos são debatidos em seminário na EPM

Com palestra proferida pelo delegado da Polícia Federal e professor Luiz Roberto Ungaretti de Godoy, teve início, no último dia 7, o seminário Aspectos processuais da repressão aos crimes econômicos da EPM. A mesa de trabalhos teve a participação do desembargador Louri Geraldo Barbiero e dos juízes Osni Assis Pereira, Carlos Alberto Correia de Almeida Oliveira e Elaine Cristina Monteiro Cavalcante, que coordena o seminário, juntamente com o desembargador Hermann Herschander.

 

Elaine Cavalcante declarou na abertura o objetivo e a forma de desenvolvimento do seminário: “buscamos entrelaçar os temas de forma harmônica para propiciar uma visão conjunta, sobretudo levando-se em consideração que o moderno Direito Penal Econômico consiste em resposta política às exigências das sociedades contemporâneas, diante da necessidade de meios de proteção adequados aos bens jurídicos individuais e coletivos, de acordo com o Estado democrático de direito”.

 

A exposição inicial teve por objeto a análise da investigação criminal, do papel do advogado na investigação, regulado pela Lei 13.245/2016, e o sigilo da investigação.

 

O palestrante explorou aspectos do tratamento dado pelo ordenamento jurídico à questão do sigilo das investigações criminais, especialmente com relação às técnicas de investigação “no contexto de uma sociedade de risco marcada pela atuação do crime organizado, de falência do modelo clássico de investigação, dos mecanismos de engenharia financeira, do impacto da tecnologia, e o papel da nova lei, que traz as regras do direito à defesa técnica e do acesso ao inquérito policial pelo advogado do investigado”.

 

Ele esclareceu tratar-se de instrumentos que fogem aos instrumentos clássicos para oitivas, depoimentos, interrogatórios e acareações, previstos no Código de Processo Penal. Contudo, contrabalançando a base legal das antigas e das novas técnicas de investigação criminal em um cenário histórico-evolutivo, Luiz Roberto de Godoy ponderou que as ferramentas tradicionais de investigação criminal jamais podem ser excluídas ou desprezadas, “ainda que se admita a tese de uma normativa lacunar e a necessidade de sua revisão, especialmente em relação aos atos de Polícia Judiciária”.

 

Outro aspecto comentado foi a instabilidade no cenário político e econômico, alertando para o risco de personalização no quadro da representação das instituições: “para além das representações, as instituições têm que ter perenidade. Devemos evitar que elas se personalizem, pois isso enfraquece o mérito do trabalho competente desenvolvido por seus agentes”, advertiu.

 

Nesta perspectiva, o expositor abordou casos práticos recentes da atuação da polícia judiciária da União e do Ministério Público no curso de investigações e, consequentemente, comentou as técnicas de investigação utilizadas, em especial as invasivas. Ele observou que o emprego dos novos instrumentos invade inevitavelmente a seara jurídica do contraditório e da defesa, em especial na questão do sigilo. “Temos que ter muito cuidado em relação ao lugar em que estamos chegando e onde queremos chegar para evitar erros que cometemos no passado”, ponderou.

 

Sob esse prisma, o expositor analisou as hipóteses de nulidade da prova, comentando a restrição, a relativização e a necessidade de ponderação de direitos e garantias individuais e, por conseguinte, as implicações da questão do sigilo versus publicidade. “Na atividade investigativa, não podemos perder a premissa de que os direitos e garantias individuais devem ser obedecidos, observando os princípios constitucionais e a justa medida da força e das técnicas invasivas, pois a unilateralidade do procedimento não exclui, desde o seu início, as liberdades e garantias individuais”, asseverou o professor.

 

A investigação criminal

 

Para a realização de uma investigação eficaz dentro da criminalidade grave ou organizada, o palestrante reiterou a necessidade de observância dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, até mesmo para evitar alegações de nulidade pelo uso abusivo ou desmedido da força ou de determinadas técnicas invasivas. Ele observou, entretanto, que hoje, diferentemente do que sustentava parte da doutrina, esses direitos inalienáveis não podem ser mais entendidos como direitos absolutos, ou mesmo como princípios ou vigas mestras inabaláveis, sob o risco da contradição, pois esses direitos iriam resvalar no direito de um terceiro.

 

Também refletiu sobre os prejuízos eventualmente causados ao direito à dignidade no campo da investigação criminal. De acordo com Luiz Roberto de Godoy, teorias como a de que os fins justificam os meios, ou a necessidade de flexibilização ou relativização de direitos e garantias individuais para a efetivação dos resultados, compõem questões que não são fáceis de responder, principalmente quando formulados no campo prático.

 

A propósito da questão, ele comentou, que muitas vezes, o uso de medidas como quebra de sigilo e vazão do conteúdo de produção de provas, o processo acaba por perder a sua natureza democrática de instrumento de Justiça, amparada em princípios como o da ampla defesa e do contraditório, “perdendo a sua essência, subtraindo ao homem a condição de sujeito de direitos e tornando-o objeto”.

 

Para a salvaguarda dos direitos e garantias individuais no processo de investigação por meio de técnicas invasivas, como forma de coibir o arbítrio estatal em sua ação opressora contra o indivíduo, ele lembrou a necessária observância de outro do princípio para a busca do equilíbrio: o da proporcionalidade, “que nada mais é que o parâmetro que vai nortear o aplicador da lei a verificar se realmente justifica-se a medida adotada para a obtenção da prova pretendida”.

 

O palestrante falou sobre o conflito existente entre a prática de medidas invasivas para a produção de provas e a proteção aos direitos individuais:

“É inevitável que, quando falamos no uso de algemas, em queda de sigilo, em condução coercitiva, monitoramento bancário, fiscal, telefônico, telemático, de dados de informática, afirmemos de plano a impossibilidade de eliminar esse conflito. Sempre teremos uma medida invasiva que vai resvalar em direito individual de intimidade, vida privada, honra e imagem”.

 

O papel do advogado na investigação e a Lei 13.245, de 12/1/2016.

 

Luiz Roberto de Godoy também discorreu sobre o controle de legalidade e a forma do inquérito policial: “embora saibamos o quanto é difícil a manutenção da equidistância pelo investigador, o inquérito policial perdeu esse caráter de unilateralidade do delegado de polícia, que não é parte e tem que permitir, por força de lei e súmula vinculante, a atuação do advogado do investigado”.

 

De acordo com a Lei 13.245/2016, que altera o art. 7o do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei no 8.906/94), é assegurado ao advogado o direito de examinar em qualquer instituição autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento e de assistência a seus clientes investigados durante a apuração de infrações. De acordo com o § 11 da normativa, “a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.”

 

Na esteira do dispositivo legal, ele também comentou a Súmula Vinculante nº 14, antecedente à edição da norma, de acordo com a qual “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentado em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

 

O sigilo da investigação e os crimes meta-individuais

 

O palestrante comentou finalmente a especificidade dos crimes meta-individuais, como aqueles que são objeto das investigações empreendidas pela operação Lava Jato. “Diferentemente de uma investigação de tráfico de drogas, crimes como desvio de recursos públicos, corrupção ou lavagem de dinheiro, acabam por gerar uma dinâmica completamente diferente com relação ao modus operandi, pois requerem o uso dos mecanismos clássicos conjugados  com as técnicas invasivas”.

 

Para o palestrante, a principal dificuldade dessas investigações reside no fato da ausência de um espaço territorial, demandando a necessidade de coadunar leis próprias com legislações internacionais.

 

Ele discorreu sobre o sigilo da fase pré-processual, e sobre as formas de conciliação dessa modalidade de investigação sigilosa e complexa com as premissas da jurisprudência pátria.

 

“O sigilo haverá de ser quebrado em havendo a necessidade de preservar um outro valor com status constitucional, que se sobreponha ao interesse na manutenção do sigilo. Além disso, deve estar caracterizada a adequação da medida ao fim pretendido, bem assim a sua efetiva necessidade, i.e., não se antever outro meio menos constritivo para alcançar o mesmo fim”.

Os debates do seminário prosseguem nos dias 14 e 21 de junho.

 

ES (texto)


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