Delação premiada é analisada por Vicente Greco Filho na EPM

O professor Vicente Greco Filho proferiu a palestra “Delação premiada como meio de prova – limites e validade”, na EPM, no último dia 14. A exposição fez parte do seminário Aspectos processuais da repressão aos crimes econômicos e teve a participação da juíza Elaine Cristina Monteiro Cavalcante, coordenadora do seminário.

 

Vicente Greco tratou de questões e problemas atuais sobre a delação ou colaboração premiada, instituto previsto no inciso I do artigo 3º e regrada nos artigos 4º a 7º da Lei 12.850/2013 – que define organização criminosa e dispõe sobre os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal –, definido pelo palestrante como “um incidente probatório com efeitos penais e/ou processuais penais”.

 

Ele observou que, de acordo com o artigo 4º da normativa, entre os efeitos do instituto estão o perdão judicial, a redução ou substituição da pena e abrandamento dos requisitos da progressão do cumprimento da pena, desde que da colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas; a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

 

“A colaboração premiada também pode ser vista como um abrandamento do princípio da necessidade e indisponibilidade da ação penal pública”, comentou o professor.

 

A seguir, lembrou os antecedentes legais do instituto. Asseverou que, desde a Lei 9.099/95 – que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais –, já se falava em acordo, transação penal e suspensão do processo mediante concordância das partes.

 

Também recordou que, antes do advento da Lei dos Juizados Especiais (Lei 7.492/86) – que define os crimes contra o sistema financeiro nacional – já se referia a uma redução de pena na hipótese daquele que denunciasse e revelasse os pormenores de operações criminosas. Falou igualmente sobre a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que traz um artigo relativo à possibilidade de um benefício penal em função da revelação de dados em troca de uma redução da pena.

 

Vicente Greco referiu como origem internacional da colaboração premiada os sistemas norte-americano e italiano. Nesse sentido, comentou a figura processual dos pentiti ou arrependidos, que possibilitou ao sistema judiciário italiano o desmonte de uma parcela da organização criminosa naquele país.

 

Adiante, comentou a natureza conceitual fechada e aberta da colaboração premiada. “Embora a lei defina a organização criminosa, deixou em aberto ou utilizou-se de alguns conceitos fluidos, a serem integrados pelo juiz nos casos concretos”, assinalou o palestrante. Também lembrou que a colaboração premiada é retratável, hipótese que não pode mais ser usada contra o acusado, resgatando-se a presunção de inocência.

 

“Não há dúvida que a organização criminosa, enquanto entidade paralela ao Estado, movimenta o grande número da criminalidade. Hoje, o criminoso isolado e eventual é raro”, afirmou o palestrante. E lembrou, sob este prisma, que a face mais visível da organização criminosa é o tráfico de drogas, cuja prática tem responsabilizado o maior número de sentenciados do sistema penitenciário, mas também assinalou a organização criminosa em torno do furto, “que está ligado ao receptador, ao desmanche, ao distribuidor, etc.”.

 

Aspectos polêmicos da colaboração premiada

 

Entre os problemas práticos do instituto, Vicente Greco observou que sua aplicação no sistema brasileiro não é vinculante. “A homologação do acordo, perante o delegado ou o Ministério Público, não tem efeitos de decisão judicial irrevogável, deixando o acusado num certo limbo, ou seja, é uma promessa que é feita pelo Ministério Público ao acusado de que o juiz vai aceitá-la”.

 

Como consequência, ele sustentou que, nessa fase, a delação premiada não é propriamente um acordo, e sim uma proposta de acordo, dependente da homologação pelo juiz, que verificará o cumprimento de suas formalidades. E observou que, ainda assim, o juiz poderá, na sentença, aceitá-la com suas consequências penais e processuais penais ou não, de modo que o acusado que faz a delação premiada fica pendente de uma promessa.

 

Outro problema levantado pelo palestrante foi a relatividade do valor da incriminação feita pelo corréu. “Nós já sabemos que a jurisprudência, praticamente unânime, coloca sobre dúvida a imputação do corréu, porque é da natureza humana pôr a culpa no outro. Se é assim, quando o corréu não tem nenhuma vantagem, imagine que valor terá se ele ainda o faz para obtê-la”, ponderou o expositor, que também apontou como agravante do problema da suspeição o fato de a mídia, muitas vezes, noticiar como verdadeira a delação, “quase como se fosse uma coisa julgada”.

 

Nesta perspectiva, Vicente Greco alertou para os cuidados que o juiz deve tomar em relação aos fatores psicológicos de risco quanto à veracidade para a aceitação da delação premiada. “Ela vale como um impulso para a colheita das demais provas, como um indício inicial para a colheita daquilo que se caracterizará realmente como prova”, sopesou.

 

Entretanto, apesar das restrições de valor de caráter probatório, ele asseverou que, de acordo com a opinião dos especialistas, sem a colaboração premiada, não se desmonta uma organização criminosa.

 

Outro aspecto explorado pelo expositor foi o sigilo processual. Ele apontou, entre as características da colaboração premiada, o sigilo da colaboração até o recebimento da denúncia, e explicou a distinção entre sigilo da delação e interceptação telefônica.

 

“Em caso recente, houve a confusão do sigilo da colaboração com o sigilo telefônico. São coisas absolutamente diferentes. O sigilo da colaboração refere-se ao processo e, portanto, está na disponibilidade do juiz, depois de recebida a denúncia, levantá-lo ou mantê-lo por razões de ordem pública. Já o sigilo da interceptação telefônica é regulado pela Constituição (inciso XII do artigo 5º) e em lei própria, e não pode ser quebrado perante terceiros ou sobre matéria que não se refira exatamente ao crime que a justificou, a não ser nos casos específicos estabelecidos em lei. O juiz não pode genericamente levantar o sigilo do processo sem examinar os requisitos do levantamento do sigilo da interceptação telefônica”, asseverou.

 

Outro problema tratado foi a inclusão da renúncia ao direito de impetração de habeas corpus e recursos em geral pelo acusado em caso de colaboração premiada. “Isto é um absurdo inominável”, sustentou o palestrante. E explicou que a medida é absolutamente inconstitucional, “não só porque o direito à defesa e aos meios a ela inerentes são inalienáveis, como também não sabe o acusado se o acordo será respeitado ao final. Além disso, se é assegurado ao acusado o direito de retratação, também há de ter assegurado o direito de recorrer da decisão, porque a renúncia a recurso processual não está no sistema constitucional brasileiro”.

 

ES (texto)


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