EPM promove o seminário ‘Ações individuais, ações coletivas e acesso à Justiça’

A juíza Helena Campos Refosco e o professor Carlos Pagano Botana Portugal Gouvêa foram os palestrantes do seminário Ações individuais, ações coletivas e acesso à Justiça, realizado no último dia 20 na EPM. O evento teve a participação da desembargadora Luciana Almeida Prado Bresciani, conselheira da EPM, que fez a abertura dos trabalhos, representando o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo e o diretor da EPM, entre outros magistrados e profissionais do Direito.

 

Também coordenadora do seminário, Helena Refosco discorreu sobre o tema “Ações individuais, coletivas, o litígio de interesse público e os desafios de transformação social”. Ela apresentou aspectos da pesquisa que desenvolveu na Universidade Harvard (EUA) sobre a litigiosidade repetitiva envolvendo direitos individuais homogêneos, salientando que o foco de sua pesquisa foi discutir como o Poder Judiciário pode colaborar para o desenvolvimento do país.

 

Ela lembrou que, no Brasil, as chamadas “demandas repetitivas” envolvem os grandes litigantes (Poder Público, bancos e empresas de telefonia) e questionam políticas públicas e regulatórias, normalmente por meio de ações individuais. Dentre os principais desafios do Judiciário em relação à litigiosidade repetitiva, destacou as vantagens estruturais dos grandes litigantes e as limitações do Judiciário, com relação à separação de poderes. Mencionou também o tratamento dado por renomados autores sobre a questão, bem como o panorama jurídico dos Estados Unidos frente a esses desafios.

 

Em relação à realidade brasileira, apontou algumas limitações do novo Código de Processo Civil, em especial do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), para o enfrentamento da litigiosidade repetitiva. Nesse contexto, apresentou algumas propostas de interpretação da legislação para tornar a ação coletiva mais efetiva, relacionadas à execução da sentença, à competência e extensão da coisa julgada, à publicidade a ser dada à ação coletiva, à intervenção de especialistas e à priorização da tramitação dessa espécie de demanda. “O Judiciário pode se valer de interpretações sofisticadas para fazer com que o novo CPC seja um instrumento de seu tempo, à altura do desafio que a litigiosidade repetitiva representa para a Justiça”, ressaltou.

 

Por fim, observou que o fenômeno da litigiosidade repetitiva é um problema comum nas sociedades industrializadas e complexas, e que existe uma literatura clássica que aborda os principais desafios que ela representa para o Judiciário, ponderando que o dogma da separação de poderes deve ser repensado, sob pena de se premiarem as grandes organizações burocráticas. “Há interpretações mais promissoras para a separação dos poderes para a defesa da democracia e dos direitos humanos”, concluiu.

 

Judicialização da saúde

 

Na sequência, Carlos Pagano falou sobre o tema “Judicialização da saúde no Tribunal de Justiça de São Paulo: uma análise empírica”, apresentando o resultado de três pesquisas realizadas pelo Grupo Direito e Pobreza, que coordena na Faculdade de Direito da USP.

 

Ele ponderou que a excessiva judicialização de medicamentos não representa apenas um problema orçamentário, mas também jurídico, relacionado à interpretação dos direitos sociais na Constituição Federal, em especial do artigo 196. “O direito à saúde previsto nesse artigo não é absoluto, universal e propriamente individual, mas coletivo, e só se revela na política pública, que no caso brasileiro, foi garantida pela própria Constituição de 1988, com a criação do Sistema Único de Saúde”.

 

O professor observou que a constitucionalização de direitos sociais propiciou a ocorrência da judicialização de medicamentos, por meio de demandas individuais de saúde. Nesse contexto, chamou a atenção para o desnível de condições entre as partes, em razão da dificuldade de acesso aos recursos econômicos e jurídicos por pessoas mais pobres, e ao fato de que “recorrer ao Judiciário resulta, muitas vezes, em simples compensação, sem alterar as estruturas que promovem desigualdade”.

 

Carlos Pagano recordou que o fenômeno da judicialização da saúde no Brasil surgiu a partir do movimento em prol de concessão de medicamentos para o tratamento de HIV/AIDS na década de 1990, que culminou com a edição da Lei nº 9.313/1996. Ele observou que a política foi considerada um sucesso, mas lembrou que os critérios de distribuição de recursos não foram estritamente técnicos, o que poderia ter garantido que o uso dos recursos públicos fosse feito de forma mais eficiente e democrática possível.

 

Nesse sentido, informou que houve destinação de R$ 1,3 bilhões para medicamentos de controle de HIV/AIDS e de apenas R$ 1,5 bilhões para todos os outros medicamentos. “A proteção aos direitos sociais que foi desenvolvida no Brasil, de forma deturpada – individualizada –, muitas vezes acaba tendo o efeito contrário ao objetivo desejado de redução das desigualdades sociais, destinando mais recursos àqueles que detêm maior poder aquisitivo, que já eram privilegiados em nossa sociedade”, ponderou.

 

O professor apresentou ainda dados de 2012 sobre o perfil de gastos com saúde, que demonstram que 4% do PIB atende 75% da população brasileira no setor público enquanto que 4,3% do PIB atende 25% da população brasileira no setor privado.

 

Ele destacou uma ampla pesquisa do Grupo Direito e Pobreza, realizado com a parceria do Centro de Apoio aos Juízes da Fazenda Pública e de Acidentes do Trabalho do TJSP (Cajufa) e da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, que abrangeu um levantamento de quase 3 mil processos, no período de 2009 a 2014, e resultou em uma representação ao Ministério Público Federal de denúncia de abuso de poder econômico por laboratório farmacêutico.

 

Entre as principais constatações da pesquisa, mencionou que 69% das demandas analisadas eram baseadas em prescrições feitas por médicos do setor privado, e 76% delas visavam medicamentos não disponíveis no SUS. Outro dado destacado foi o percentual de 76% das demandas de autoria de advogados privados. Em relação aos pedidos, observou que, embora o medicamento mais demandado seja a insulina, cerca de 70% dos pedidos dizem respeito a diferentes medicamentos ou a um conjunto de medicamentos.

 

Carlos Pagano apontou ainda algumas distorções encontradas, citando como exemplo a demanda judicial por um tipo de insulina de “duração longa” (20 a 24 horas) que, embora quase equivalente àquela distribuída pelo SUS (10 a 18 horas), custa 15 vezes mais. “Esse é um tipo de questão muito difícil para ser decidido pelo juiz, mas não é no caso individual que se poderá saber se o recurso público deverá ser alocado para se adquirir uma insulina que propicia maior conforto ou um produto com efeito similar, com custo muito menor”, ponderou, acrescentando que o problema não está na posição do juiz ou na jurisprudência, mas em uma questão estrutural, que deve ser debatida com o Judiciário.

 

O palestrante recordou também o caso recente de demanda pela Fosfoetanolamina sintética (“pílula do câncer”), que resultou em 13 mil processos. Embora proibida pela USP e sem aprovação da Anvisa, a substância foi autorizada pela Lei 13.269/2016, sancionada em abril deste ano, que teve seus efeitos suspensos em maio, por liminar concedida pelo plenário do STF à Associação Médica Brasileira. “Acredito que esse poderia ser nosso leading case para mudar a conscientização, não só dos advogados, mas também das pessoas que entram com esse tipo de ação no país, com relação às complexidades dessa questão.

 

Carlos Pagano citou também alguns trabalhos que estão sendo desenvolvidos pelo grupo que coordena e o projeto de ampliação e aprimoramento do bancos de dados de demandas de medicamentos construído com base na pesquisa realizada nas Varas da Fazenda Pública do TJSP.


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