Curso “Poder Judiciário: orçamento, gestão e políticas públicas” é concluído com debate sobre as áreas da educação e da saúde

A análise do tema “Poder Judiciário e políticas públicas: educação e saúde” concluiu ontem (30) as atividades do curso Poder Judiciário: orçamento, gestão e políticas públicas da EPM. A palestra de encerramento foi proferida pela procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo Élida Graziane Pinto.

 

O coordenador do curso, juiz José Maurício Conti, declarou preliminarmente que o curso permitiu outra visão sobre o Direito, chamando a atenção para o Poder Judiciário como órgão da administração e participante das políticas públicas, e não apenas como instância decisória de litígios. “O Poder Judiciário deixou de ser um órgão externo e tem interferido bastante nas políticas públicas, principalmente nas áreas da saúde e educação. Daí a necessidade de compreendermos os aspectos normativos e administrativos dessas duas áreas”, observou.

 

Élida Graziane apresentou uma reflexão sobre conceitos, normas e precedentes jurídicos relacionados ao tema da aula, bem como sobre o papel do Judiciário, tomando como ponto de partida a garantia constitucional de desenvolvimento e execução das políticas públicas de educação e saúde, diante do quadro de crise por que atravessa o país. “Não podemos, nesse momento de crise, nos apartar do que já está posto como obrigação legal e constitucional de fazer, porque não se trata de uma política pública cujo arranjo esteja suscetível à discricionariedade do gestor, não só do ponto de vista administrativo das escolhas do conteúdo do que tem que ser feito, como também da noção de mínimo existencial, mesmo em tempos de conflito distributivo no orçamento e escassez de dinheiro, pois são obrigações legais de fazer suscetíveis de ser exigidas judicialmente”, defendeu.

 

Ela também alertou para o perigo de um processo de ajuste fiscal em prejuízo das garantias fundamentais. “Os pisos da saúde e da educação, assim como o conjunto de normas substantivas que estabelecem obrigações objetivas de fazer, delimitadas temporalmente e em sua competência, não podem ser mitigadas, adiadas ou constrangidas”.

 

Neste sentido, comentou o texto da PEC 241/2016, que visa promover um ajuste fiscal para todos os poderes da União e órgãos federais com autonomia administrativa e financeira, fixando  limite individualizado para as despesas primárias. Na opinião da palestrante, o dispositivo “mitiga os pisos, desconstruindo os artigos 198 e 212 da Constituição, que tratam, respectivamente, das diretrizes para o Sistema Único de Saúde e estabelece para a União, estados e municípios, os percentuais resultantes de impostos, aplicáveis ao ensino.

 

Ela comentou o papel do Judiciário como garantidor do cumprimento do piso orçamentário mínimo nas duas áreas, ressaltando a necessidade de garantia de continuidade do processo de universalização da educação básica obrigatória de quatro a 17 anos.

 

Élida Graziane lembrou o elevado índice de analfabetismo absoluto ou funcional de jovens e adultos, que dá conta de 2,7 milhões de crianças e jovens fora das escolas brasileiras, dos quais aproximadamente 320 mil em São Paulo. De acordo com a palestrante, diante desse quadro, o Estado alega evasão ou impossibilidade de manutenção das crianças e jovens na pré-escola e na escola. Entretanto, ponderou que, por determinação constitucional, o Estado não pode ser omisso em matéria de ensino. “A Constituição manda fazer o censo, a chamada obrigatória e assegurar a presença. O Estado tem a obrigação de fazer busca ativa, melhorar os instrumentos e as possibilidades de política pública que atraia o jovem”, observou.

 

Ela observou, por fim, que não se trata de interferir no mérito ou na discricionariedade da política pública, mas de executar o ordenamento, cujo dever de planejamento suficiente já era antevisto desde 2009, não havendo omissão justificável em matéria inclusive orçamentária para desobedecer o preceito constitucional.

 

O dever constitucional de garantia básica à saúde

 

Igual perspectiva de proteção foi analisada pela palestrante no setor da saúde. Ela comentou a Lei Orgânica do SUS e os planos nacional, estadual e municipal de saúde, “cujo assento também têm delimitação constitucional”.

 

Diante da obrigação constitucional, sustentou que o Judiciário não fere o princípio da separação dos poderes quando manda cumprir a lei do Plano Nacional de Educação, nem tampouco a reserva do possível, quando manda cumprir a Lei Orgânica do SUS e decorrentes planos nacional, estadual e municipal de saúde.

 

A palestrante asseverou que os problemas enfrentados na execução da política pública da saúde não são de natureza legislativa. Em seu diagnóstico, ela afirmou que há muito a fazer e preencher em normas já existentes. Nesse sentido, falou sobre a necessidade de pensar a saúde do ponto de vista estrutural. “A oferta de saúde entra na perspectiva primária de tutela da vida, mas há uma política de atenção básica definida normativamente que não é executada”, sustentou.

 

De acordo com a expositora, quanto mais prioriza-se a atenção primária, consistente no levantamento periódico de risco epidemiológico, de acompanhamento das famílias pelas equipes de saúde, menos satura-se a demanda pelos hospitais.

 

Adiante, Élida Graziane comentou os pisos orçamentários da educação e da saúde. Ela revelou que o piso de custeio da saúde, ao nível da união, é de 13,2% da receita corrente líquida; ao nível do Estado, perfaz 12% da receita de impostos e transferências de impostos; nesse mesmo nível,  a receita dos municípios é de 15%.

 

“O piso mínimo da educação é um legado histórico, remontando à Constituição de 1934. Há 82 anos, portanto, o nosso ordenamento pátrio, mesmo após sucessivas constituições, prevê piso de custeio. Somente as duas constituições autoritárias, ou seja, a de 1937 e a de 1967/69, suspenderam esse dispositivo de tutela mínima da educação, que foi reinstituída pela Emenda Calmon, em 1983, antes da redemocratização do país”.

 

Como óbices ao desenvolvimento da política pública na área da saúde, ela apontou a guerra fiscal de despesas, na qual “cada um quer empurrar a responsabilidade para o outro, numa disputa fratricida, e sem a regionalização, a política pública de saúde não avança”. Como exemplo dessa guerra, lembrou a compra de ambulâncias por determinados municípios periféricos para encaminhamento de pacientes para tratamento no município polo.

 

Para a palestrante, a atuação do Judiciário como garantia de efetivação da política pública de saúde avançaria muito com a integração da regionalização na prestação dos serviços, que ainda não foi cumprida, mas está normatizada pelo Decreto 7.508/2011, que dispõe sobre a organização do SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa.

 

“Por não conhecermos as normas existentes, aceitamos o foco na judicialização referida a demandas individuais, ao invés de interpretar o sistema. O Judiciário é reativo, mas se conhecermos todo o arcabouço normativo, a própria interpretação possível vai avançar, por isso esse curso é tão oportuno”, ressaltou Élida Graziane.

 

Curso

 

Iniciado no último dia 27, o curso também apresentou debates sobre os temas Poder Judiciário, orçamento e autonomia financeira”, “Poder Judiciário: planejamento e gestão” e “Políticas Públicas e participação do Poder Judiciário”, tendo como palestrantes o desembargador Wanderley José Federighi, o coordenador, José Maurício Conti, o juiz federal Paulo Cezar Neves Júnior e a advogada Maria Paula Dallari Bucci.

 

ES (texto e fotos)


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