Enriquecimento sem causa é debatido no curso de Direito Civil
O professor Giovanni Ettore Nanni, presidente do Instituto de Direito Privado (IDP), foi o palestrante da aula do último dia 1º do 3º Curso de especialização em Direito Civil da EPM, dedicada à análise do instituto do enriquecimento sem causa. O evento teve a participação do desembargador Carlos Alberto Garbi, coordenador do curso e da área de Direito Civil da EPM.
O palestrante fez uma contextualização histórica, comentando o tratamento que o tema recebeu na legislação estrangeira e seu funcionamento no ordenamento jurídico brasileiro. Lembrou que o enriquecimento sem causa foi tratado pela primeira vez na Escola Pandectista alemã, aquela que buscou sistematizar os remédios típicos do Direito Romano, até chegar ao Código Alemão, em vigor a partir de 1900.
Ele recordou que o tema foi trabalhado no ordenamento jurídico pátrio por Agostinho Alvim, jurista incumbido da sistematização do capítulo das obrigações. “Na sua exposição de motivos, Agostinho Alvim indica a fonte de sua inspiração para a abordagem de novos institutos, entre os quais o enriquecimento sem causa: o Código Civil italiano. E a expressa menção ajuda no estudo doutrinário, uma vez que as previsões legais para o instituto são bastante próximas nesses dois códigos”, comentou o expositor.
De acordo com Giovanni Nanni, a discussão doutrinária sobre o tema foi ampliada a partir do Código Civil de 2002, quando passou a ser disciplinado como instituto autônomo, de acordo com a redação do artigo 884: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.
Entretanto, sustentou que a ação para reaver o bem que foi parar injustamente no patrimônio de outrem surgiu no ordenamento jurídico brasileiro de uma forma muito embrionária. “Antes do advento do Código Civil de 2002, o enriquecimento sem causa era utilizado mais como um princípio intrínseco ao direito das obrigações, mas raras vezes como uma fonte obrigacional, como se apresenta hoje”.
O professor recuou ainda mais no tempo, lembrando que muitos acabavam denominando como a ação típica do enriquecimento sem causa a chamada actio de in rem verso ou, como é conhecida hoje, ação de repetição de indébito, um instituto do Direito Romano, que era manejado quando, por exemplo, tratava-se de restituição de bens transferidos pelo filho ou pelo escravo do pater-familias. “Mas vim a defender que essa ação não deveria ser adotada como ação própria do enriquecimento sem causa porque a origem dela era específica para aquele que celebra o negócio jurídico desprovido de representação”, observou.
Sob esse prisma – e de acordo com a previsão legal contemporânea –, o enriquecimento sem causa é visto como uma fonte obrigacional, em que a parte tem a possibilidade de ajuizar uma ação de enriquecimento. “No fundo, é um avanço da actio de in rem verso, com o propósito de se buscar a restituição da vantagem obtida por uma das partes sem a devida causa”.
Ele explicou que a ação de enriquecimento sem causa não deixa de guardar relação com a ação de cobrança, que é o entendimento de algumas vertentes doutrinárias. “Muitas vezes se via, e até hoje se vê, como uma ação de cobrança, porque, no fundo, a ação de cobrança é fundada em uma pretensão de enriquecimento sem causa”.
Giovanni Nanni também buscou desfazer confusões terminológicas, como o nexo equivocado entre enriquecimento ilícito e enriquecimento sem causa: “Para um melhor convívio entre os dois temas e buscando uma precisão do ponto de vista teórico da caracterização de um e de outro instituto, melhor que se reserve o enriquecimento ilícito para a situação típica dele, que está na Lei 8.429/92, conectada com a improbidade administrativa, mesmo porque o conceito de ilícito é desmembramento necessário do enriquecimento sem causa. Entre os requisitos de configuração do enriquecimento sem causa, ele não precisa da ilicitude, porque é buscado em uma situação de vantagem obtida sem a devida contraprestação, e não necessariamente essa vantagem é ilícita”, ensinou o professor.
ES (texto e fotos)