Tipicidade dos fatos inscritíveis no Registro de Imóveis é tema de aula na EPM
O desembargador Carlos Alberto Garbi, coordenador da área de Direito Civil da EPM, foi o palestrante da aula do último dia 29 do 3º Curso de especialização em Direito Notarial e Registral Imobiliário, que versou sobre o tema “Tipicidade dos fatos inscritíveis no Registro de Imóveis”
O palestrante estabeleceu inicialmente uma relação direta entre direitos reais e Registro de Imóveis, debruçando-se sobre a história do direito de propriedade e da codificação do Direito Privado para a compreensão da matéria. Ele lembrou o estabelecimento do regime de propriedade no sistema feudal após a queda do Império Romano, descrevendo-o como “uma cadeia de transmissões de concessões imobiliárias concentradas nas mãos dos senhores feudais, em uma intrincada rede de prestação de favores”, e também a transição para o regime liberal burguês, instaurado com a queda da Bastilha, em 1789, o evento simbólico mais relevante da Revolução Francesa.
“Durante a Revolução, tem-se notícia de que colonos e pessoas que ocupavam as terras invadiram casas e palácios e queimaram documentos que representavam a vinculação de vassalagem, pela qual se obrigavam em favor dos proprietários feudais. E depois, a Assembleia dos Revolucionários, por diversos atos normativos, procurou estabelecer uma forma de compensação, cancelando títulos de vassalagem e compensando os nobres pela perda da propriedade, até o ponto em que ela foi tomada por aqueles que faziam uso exclusivo dela”, ensinou o professor.
De acordo com Carlos Garbi, no processo de reorganização da propriedade e do Estado liberal que se sucedeu, estabeleceu-se a segurança para a propriedade imobiliária, cuja pedra de toque é a Declaração dos Direitos do Homem. Além de trazer a noção da propriedade como um dos direitos naturais do homem, em seu artigo 2º, a Declaração reza, no artigo 17º: “Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir, e sob condição de justa e prévia indenização”.
O palestrante lembrou que, de acordo com esse princípio liberal de sacralidade e rigidez da propriedade estabelecida após o marco histórico, os direitos reais são estritamente os que estão previstos em lei, não se podendo criar novas figuras, porque essa liberdade colocaria em risco o regime e permitiria a proliferação de novos tipos de direitos reais, regredindo-se ao regime anterior. “O chamado rol taxativo ou numerus clausus de direitos reais, marcado pela tipicidade e rigidez do sistema, nasceu na Revolução Francesa”, resumiu o palestrante.
Carlos Garbi comentou, em contrapartida, que, da Revolução Francesa aos dias atuais, o Estado liberal sofreu transformações e, com isso, cedeu lugar ao Estado social, de modo que, com algumas exceções, a maior parte dos estados ocidentais hoje são considerados estados sociais, ou seja, estados que interferem na vida privada, em nome do bem estar das pessoas, para corrigir, por exemplo, distorções das relações entre empregado e empregador.
Ele recordou o evento histórico significativo dessa guinada do Estado liberal para o Estado social, quando se deu a percepção da necessidade da intervenção do Estado para restabelecimento do equilíbrio entre os atores sociais, promovendo a igualdade substancial, e não formal. “Percebeu-se, no auge do liberalismo, que a liberdade do homem o escraviza e causa a sua miséria, daí o padre francês Jean-Baptiste-Henri Dominique Lacordaire (1801–1861) ter cunhado a frase ‘entre os fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo é a liberdade que oprime e a lei que liberta’".
Carlos Garbi também recordou que um dos retratos mais expressivos da pobreza e da miséria flagradas no auge do liberalismo por conta da excessiva liberdade que se deu ao homem, é o romance Os miseráveis, do escritor francês Victor Hugo, em que o protagonista sofre a perseguição implacável de um promotor por ter cometido o crime – terrível, no contexto histórico – de furtar um pedaço de pão.
O palestrante asseverou que o Código Civil de 1916 é um código liberal, e que, nesta perspectiva, ainda preceituava a liberdade para os contratos e rigidez para os direitos reais. E também afirmou, sob esse aspecto, que o Código Civil de 2002 não é novo. “É o mesmo código, reformado, mas ainda liberal”, sustentou.
A conclusão de Garbi é que o Código Civil vigente remanesce com a mesma feição liberal, que continua sendo rígido em matéria de direito de propriedade, embora convivendo com um estado social reafirmado em 1988 com a Constituição Federal.
O professor asseverou que, nesse contexto marcado pelo chamado rol taxativo ou numerus clausus, pela tipicidade e rigidez do sistema de direitos reais, “a tipicidade é um modelo que define as figuras e os tipos, porque o Código Civil não só enumera, como também define o conteúdo que esse tipo tem, e quando encontramos um negócio jurídico que se encaixa nessa moldura, temos um tipo de direito real”.
Garbi lembrou, finalmente, que os 12 tipos referidos estão previstos no artigo 1.225 do Código Civil, entre os quais, o mais preeminente, a propriedade, e o último do elenco, a concessão de direito real de uso.
ES (texto)