Curso ‘Democracia e razões de Estado’ é concluído com debates sobre servidão voluntária e afetos políticos

No último dia 4, foi concluída a programação de curso Democracia e razões de Estado da EPM, com palestras dos professores Lilia Moritz Schwarcz e Vladmir Safatle. As exposições tiveram a participação dos coordenadores do curso, desembargadores Paulo Magalhães da Costa Coelho e Dimas Borelli Thomaz Júnior e juiz Luis Manuel Fonseca Pires.

 

O debate foi iniciado pela professora Lilia Moritz, que abordou o tema  “Servidão voluntária e violências simbólicas”, embasando sua argumentação na teoria do filósofo e humanista francês Étienne de La Boétie (1530-1563). Ele afirmava que o homem possui uma natureza livre e só pode subjugar-se à servidão por meio da coerção, ainda que esta não se apresente  diretamente. A professora exemplificou com situações que tornam essa coerção possível, citando o hábito, a perda do desejo de autonomia por meio do medo e a ideia de participação no sistema ao qual o indivíduo está inserido.

 

Em seguida, a palestrante mencionou o antropólogo e filósofo belga Claude Lévi-Strauss (1908-2009), que, em seus textos "A eficácia simbólica” e “O feiticeiro e sua magia", associa o êxito de um curandeiro à imagem e fé que o povo possui em seus métodos. Para Lilia Moritz, é dessa maneira  que se estabiliza o governo de um tirano: enquanto as pessoas subjugarem-se voluntariamente a seu poder (e, por conseguinte, enquanto durarem as razões que permitem tal servidão), ele poderá manter-se em sua posição.

 

Lilia Moritz observou também que "racionalizamos a violência simbólica por meio de um discurso de naturalidade", citando a escravidão no Brasil colonial como maior exemplo. E complementou ponderando que uma das maneiras mais contundentes de se perpetuar tal violência é o silenciamento daqueles que a sofrem.

 

Afetos políticos

 

Na sequência, Vladmir Safatle discorreu sobre o tema “Afetos políticos”, lembrando, inicialmente, que as sociedades não se organizam somente com base na produção de bens e distribuição e redistribuição de riquezas, mas também a partir de “um modo de circulação e produção de afetos”.

 

Nesse sentido, ressaltou que uma análise da sociedade pautada na compreensão da vida social como um sistema de normas, de regras e de leis, embora possuam poder de coerção, não é suficiente para descrever o funcionamento “da estrutura libidinal da sociedade, ou seja, da maneira como produzimos um espaço de partilha da sensibilidade, e isso é o que define, em última instância, as condições de visibilidade fenômeno-sociais”. E é essa dimensão, socialmente construída por um regime de afecção mutável, que permite a criação de condições para que percebamos ou nos sensibilizemos com algo ou com alguma situação social. Como exemplo desse modo de afecção, citou as situações de invisibilidade social que tem como principal característica o não percebimento de um indivíduo, o que ele chamou de regime social de afecção. “Que tipo de sociedade é essa que, normalmente, faz com que não se enxerguem certos sujeitos, que se seja insensível a certos fenômenos?”, questionou.

 

Vladmir Safatle afirmou que a invisibilização de setores sociais só pode estar presente em uma sociedade com certa patologia. Citou como exemplo a cidade Stellenbosch (África do Sul), onde, durante o período do Apartheid, setores da sociedade eram totalmente ignorados por uma conveniência política.

 

Ampliando a discussão, ele ponderou que esse regime social de afecção acaba por determinar o sistema de urgência com o qual as políticas sociais terão que lidar. “De que maneira, em uma sociedade que aprendeu a se afetar, de uma maneira forte, pela presença de refugiados, por exemplo, um refugiado a mais na rua é visto como excessivo. Trata-se de um problema de regime de afecção?”. E ponderou que “quem controla o que é visível ou invisível, sensível ou insensível, perceptível ou imperceptível, controla o sistema de reprodução material da vida social”.

 

Diante desse quadro, o professor revelou a importância de se analisar quais são os afetos que norteiam a vida social de cada pessoa como ferramenta para a possibilidade da desconstituição desse modelo de percepção estabelecido. “Um ponto de partida bastante sugestivo é a reflexão sobre o que significa o medo como afeto social, condição imanente à vida social”, ou seja, a estrutura das relações sociais é baseada na noção de se ver o outro como um invasor em potencial, resultando daí “a base de uma racionalidade política”, concluiu.

 

LS e FB (texto) / FB (fotos)


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