Jurista espanhol Jesús-María Silva Sánchez ministra aula na EPM

Evento teve a participação de diversos magistrados.

 

O professor Jesús-María Silva Sánchez, catedrático da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona (Espanha), proferiu a palestra Tipicidad: una revisión de la doctrina del comportamiento penalmente desaprobado” na EPM, no último dia 5. A aula fez parte da programação do 6° Curso de especialização em Direito Penal da EPM e foi aberta à participação presencial e a distância dos magistrados do TJSP.

 

A abertura dos trabalhos foi feita pelo desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, conselheiro da EPM, representando o diretor da Escola, que ressaltou e agradeceu a presença do palestrante.

 

O juiz Ulisses Pascolati, coordenador do curso, agradeceu à direção da Escola pela oportunidade e saudou a participação do palestrante no curso da EPM, salientando a importância de suas obras para os profissionais do Direito brasileiros. A mesa de trabalhos também contou com a presença do professor Renato de Mello Jorge Silveira, vice-diretor da Faculdade de Direito da USP.

 

Em sua exposição, Jesús-María Silva Sánchez discorreu sobre o panorama atual da teoria da tipicidade, que definiu como uma categoria fundamental da teoria do delito. Ele observou que, embora tenha ­tido um tratamento limitado pela doutrina e pela jurisprudência, a teoria da tipicidade apresentou uma enorme evolução nos últimos 30 anos, com o objetivo de facilitar a aplicação justa, igualitária e segura do Direito nos casos concretos. “A teoria da tipicidade, como todas as teorias do Direito Penal, é pensada para facilitar a função judicial. Se não conseguirmos esse efeito prático, de melhorar os instrumentos de que dispõem os juízes para aplicar o Direito, a missão da dogmática estará fracassada”.

 

Ele mencionou inicialmente o conceito de teoria geral da tipicidade, que abrange os elementos comuns a todos os tipos penais, lembrando que as condutas típicas, como roubo, furto e homicídio têm em comum o fato de serem condutas desaprovadas ou não permitidas pelo Direito, que lhes atribui uma valoração negativa, considerando-as condutas “desvaloradas” (injustas ou ofensivas ao preceito legal).

 

“A visão tradicional da teoria do fato típico é causalista, baseada na ideia de que qualquer tipo legal é integrado por um suposto direito, que descreve uma conduta e uma consequência jurídica, cuja aplicação depende do cumprimento, por parte do juiz, de uma norma secundária, presentes os demais requisitos (ausência de causas de justificação e de exclusão da culpabilidade e da punibilidade)”, ensinou Silva Sánchez, acrescentando que os tipos penais descrevem “processos resultativos”, que culminaram com a lesão a um bem jurídico.

 

Nesse sentido, observou que a doutrina e os profissionais do Direito sempre entenderam que a estrutura dos tipos penais não é “puramente hipotética alternativa”. “Se inferirmos que há uma norma primária, que é não matar, os tipos penais não descrevem neutralmente duas opções de conduta (‘não matar’ e ‘matar’ e pagar um preço’, que é pena), porque pretendem uma finalidade social, de evitar o crime”, explicou.

 

Teoria do comportamento jurídico penalmente desaprovado

 

O professor lembrou que a descrição da conduta típica estabelece um resultado, a partir do qual serão consideradas penalmente típicas as condutas que estabelecerem uma relação de causalidade. “A conduta típica caracteriza-se, na parte objetiva, por ser o fator causal da produção de um resultado. E temos o tipo subjetivo, que é a relação de dolo (culpa ou imprudência), que pode ser entendida como finalidade”, esclareceu.

 

Silva Sánchez apontou como problema inicial dessa concepção que ela não guarda relação com a existência de uma norma primária que diga “não mate”. “É impossível construir uma norma primária que diga ‘não cause a morte de outra pessoa’, porque não poderíamos determinar como evitar a geração de um curso causal que provoque a morte de alguém. Em segundo lugar, o mundo se move por leis causais”, ressaltou.

 

Nesse contexto, ponderou que “a única forma de reconfigurar a teoria do tipo penal de forma coerente com a teoria da norma primária, da norma de conduta, e, portanto com a função do Direito Penal de influir na conduta dos indivíduos, é pensar de uma forma distinta”, citando, nesse sentido, a teoria do comportamento jurídico penalmente desaprovado.

 

Para ilustrar a teoria, mencionou a questão da delimitação da liberdade de ação do indivíduo, determinada pela relação de causalidade. “Necessitamos de uma tradução da norma ‘não matar’ que permita delimitar o espaço de conduta lícita e ilícita do indivíduo, por meio de considerações que determinem qual o comportamento lícito e ilícito em uma situação que lhe seja possível realizar uma conduta típica”, observou.

 

O professor revelou que a evolução da doutrina tem sido no sentido de não centrar-se especialmente na teoria do comportamento desaprovado, mas considerar que deve ser sobreposta à relação de causalidade a uma relação de imputação objetiva, como garantia adicional, que tem requisitos valorativos orientados em primeiro lugar à advertência de que deve haver um perigo (adequação). “Nem toda conduta que causa um resultado é típica, devendo ser uma conduta adequada para a produção de um resultado”, ensinou, lembrando que a produção imprevisível de um resultado não é típica, apesar da existência da relação de causalidade.

 

Silva Sánchez explicou que o perigo e a previsibilidade objetiva constituem requisitos quantitativos da teoria do comportamento desaprovado.

 

A seguir, discorreu sobre os requisitos qualitativos, salientando que eles permitem diferenciar as sociedades, porque neles se manifestam as normas de cultura de cada sociedade.

 

Ele citou como um dos critérios qualitativos mais polêmicos a adequação social, que conceituou como um “mecanismo de adaptação do Direito às mudanças temporais”, classificando-a como “um dos pontos mais complexos em uma sociedade plural na determinação do comportamento típico e na orientação de condutas por meio de normas primárias”.

 

Mencionou também o risco permitido, citando como exemplo as atividades industrial e comercial, como a de medicamentos. “Em uma análise de custo-benefício, os benefícios sociais são superiores aos custos”, observou. Entretanto, ponderou que o risco permitido é um critério do passado, que eventualmente será substituído pelo princípio da precaução, porque cada vez mais as práticas sanitárias são orientadas para a precaução.

 

O outro critério qualitativo analisado pelo professor foi o princípio da insignificância, segundo o qual, "quando a lesão a bens jurídicos é muito pequena, pode-se afirmar a tipicidade da conduta por relação de insignificância”. Ele observou que a insignificância pode ser um critério para determinar a ausência de desvalor ou desaprovação jurídica para a conduta correspondente, mas ponderou que se a conduta insignificante é realizada por muita gente, haverá um problema social.


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