Debate sobre prisão cautelar conclui o curso ‘Sistema carcerário brasileiro e Execução Penal’
Guilherme Dezem foi o palestrante.
Com a aula “Prisão cautelar no ordenamento jurídico brasileiro: presos provisórios no país”, foi encerrado, no último dia 28, o curso Sistema carcerário brasileiro e Execução Penal da EPM. A exposição foi ministrada pelo juiz Guilherme Madeira Dezem e teve a participação do juiz Jamil Chaim Alves, coordenador do curso.
Guilherme Dezem comentou inicialmente o problema fundamental do debate em torno do instituto da prisão provisória, que é o paradoxo de, por vezes, acharem-se soltos réus acusados de crimes graves e presas pessoas acusadas dos chamados crimes de menor potencial ofensivo. “Esse dilema da prisão provisória assombra qualquer um, especialmente os juízes, que têm a caneta e o poder de decretar essas prisões”, observou. Adiante, ele apresentou dados oriundos do último censo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) relativos aos presos provisórios no Brasil e aos tipos de crimes que cometem. De acordo com o levantamento, 29% responde por tráfico ou outros crimes relacionados à Lei de Drogas; 26% por roubo; 13% por homicídio; 8% pelos crimes previstos no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003); e 4% por furto.
Ele também discorreu sobre o tempo médio das prisões provisórias. De acordo com o levantamento, o estado com maior duração do tempo de prisão é o Pernambuco (média de 974 dias), contra a média menor, de 172 dias, verificada no Estado de Rondônia. Em São Paulo, a prisão provisória média é de 234 dias.
O expositor lembrou a situação de encarceramento em massa no sistema penitenciário brasileiro e, diante desse fato, a formulação recorrente da proposta de descriminalização do uso de drogas, e a permissão da venda pelo Estado para sufocar o tráfico, principal razão do encarceramento. Na perspectiva da necessidade urgente de ação do Estado para a redução da criminalidade e, consequentemente, da superlotação das prisões, ele advertiu para o elevado custo do sistema prisional: “de acordo com a ministra do STF Cármen Lúcia, cada preso custa ao Estado R$ 2.400,00 por mês, ao passo que o custo de um estudante do Ensino Médio é de R$ 2.200,00 por ano”.
Controle de convencionalidade e medidas cautelares
Em prosseguimento, o professor falou sobre o conceito de controle de convencionalidade em matéria prisional, isto é, a verificação necessária da compatibilidade entre o ordenamento jurídico interno e as convenções ou, em outras palavras, a análise da decisão proferida pelo juiz à luz da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. De acordo com Guilherme Dezem, o controle de convencionalidade ainda é um assunto espinhoso para a maioria das pessoas, por não ser um padrão de pensamento ao qual os operadores jurídicos brasileiros estejam acostumados.
Ele chamou a atenção para a importância do alinhamento das decisões com os princípios e decisões da corte internacional e para os reflexos econômicos de sua inobservância. “Esse controle de convencionalidade precisa ser feito obrigatoriamente de ofício pelos juízes. E cada vez que o Brasil descumpre uma decisão da Corte Interamericana, fica exposto a uma ação perante a Corte, que vai redundar, no mínimo, numa condenação em dinheiro”, alertou.
Nesse contexto, apresentou casos exemplares de condenação da Corte Interamericana ao longo do último ano. Citou, por exemplo, a vizinha Argentina, condenada em uma ação por não realizar audiências de custódia, fato que induziu o Brasil a acelerar a legislação sobre a matéria e sua efetivação intra-fronteiras; o caso Chinchila Sandoval versus Guatemala, cuja sentença, de fevereiro de 2016, diante da ausência de acessibilidade para presos com deficiência física, responsabilizou o país pela obrigação de garantia dos direitos à integridade pessoal, à vida, às garantias e à proteção judicial. “Diante da crise econômica brasileira, em que a prioridade não é o atendimento de demandas dessa natureza, há o risco de entrarmos em um círculo vicioso, com aumento de demandas indenizatórias perante a Corte Interamericana”, sustentou o expositor.
A seguir, assinalou o que considera “a grande mudança ou giro copernicano do sistema de prisão provisória brasileiro”. De acordo com o palestrante, com a edição da Lei nº 12.403/2011, que trata da prisão, medidas cautelares e liberdade provisória, o sistema foi completamente alterado e adequado ao texto constitucional. Ele lembrou que, até esse ano, o preso em flagrante permanecia nessa condição até a sentença e, se condenado, o juiz decidia se ele poderia apelar ou não em liberdade. Além da prisão em flagrante, havia a temporária e a preventiva, e a única medida diversa da prisão, cabível à época apenas para prisão em flagrante, era a liberdade provisória.
O palestrante explicou que, com o sistema atual, há os extremos da liberdade e da prisão preventiva, e entre esses extremos, um extenso rol de medidas diversas da prisão. Além disso, decretada a prisão preventiva, esta pode ser substituída pela prisão domiciliar. “A prisão preventiva é a última hipótese. Devemos levar em conta as alternativas propostas pelo legislador e fazer a escolha mais justa”, defendeu.
Guilherme Dezem comentou, finalmente, aspectos práticos da aplicação das medidas cautelares elencadas no artigo 319 da normativa, e apresentou algumas propostas, sob o argumento de melhor administração da Justiça. Entre as cautelares discutidas, destacou aquela que tem sido utilizada nos processos atuais contra detentores de cargos públicos investigados por supostos crimes cometidos contra a ordem pública: “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”, prevista no inciso VI da Lei. Ele ponderou que, diante da indefinição do prazo para a prática dessa medida, seu uso prolongado pode impedir, em alguns casos, o exercício da função pública durante toda a vigência do mandato.
“Vivemos agora uma fase de demonização da política. Se, por exemplo, aplicarmos a medida em um processo penal contra vereador com seis meses de mandato neste momento, sem delimitação de tempo, significaria, na prática, a cassação do mandato do vereador eleito. Isso não me parece democrático. Por isso entendo que deve haver uma limitação temporal, e o parâmetro que proponho como limite para aplicação dessa medida cautelar nessa situação hipotética é aquele previsto para o afastamento do presidente da República nos casos de pedido de impeachment, isto é, 180 dias”, ponderou o professor.
ES (texto)