Regime jurídico dos partidos políticos é analisado no curso de Direito Eleitoral e Processual Eleitoral

Rafael Morgental Soares foi o palestrante.

 

Os temas “Regime jurídico dos partidos políticos, fidelidade partidária, noções de reforma e minirreforma política” foram discutidos na aula do último dia 10 do 4º Curso de especialização em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral, promovido em parceria com a Escola Judicial Eleitoral Paulista (EJEP). A palestra foi feita pelo advogado Rafael Morgental Soares e teve a participação da juíza do TRE-SP Claudia Lúcia Fonseca Fanucchi, professora assistente do curso.

 

Rafael Morgental iniciou a preleção assinalando o papel nuclear dos partidos políticos na constituição das democracias contemporâneas. De acordo com ele, essa forma de agremiação política é ainda mais importante que os parlamentos, por exercer a função de porta de entrada da democracia. “Os partidos políticos foram criados para resolver um problema operacional. Não é possível­ juntar todo mundo ao mesmo tempo para decidir tudo a toda hora, ainda mais numa sociedade com esse grau de complexidade”, ponderou.

 

O palestrante sustentou que não dá para pensar a democracia sem partidos políticos hoje, a despeito das possibilidades que a tecnologia coloca, de democracia direta ou semidireta. Mas não obstante a centralidade da figura ou o absurdo de sua ausência, mencionou os movimentos orgânicos de resistência às bandeiras ideológico-partidárias, como aquele que teve curso na Avenida Paulista em 2013, portador de certa raiva contra a instituição partido político.

 

O expositor lembrou que, embora considerados imprescindíveis na contemporaneidade, os partidos políticos sofreram uma forte rejeição em sua origem histórica. “Eles eram vistos como algo pernicioso, porque desagregavam a ideia de formação de uma suposta soberania ou unidade nacional. Ora, a ideia de pluralismo é completamente antagônica a esse conceito”, comentou o palestrante. Mas aduziu que a ideia de imprescindibilidade dos partidos na democracia não significa que sejam suficientes, “haja vista o surgimento da ideia de entidades mais permeáveis à cidadania de base”.

 

Outro aspecto abordado foi a função do partido político na disputa eleitoral. Para Rafael Morgental, ao contrário do senso comum, os partidos não existem apenas para disputar eleições e, eventualmente, exercer o poder. Eles têm uma função agregadora. Sob este prisma, propôs a saída de um paradigma de protagonismo do partido político para trazer o foco para aquele que é o verdadeiro protagonista da democracia: o cidadão. “O partido político não é superior ao cidadão: é veículo; é um espaço de articulação da cidadania, cujo primeiro compromisso é a defesa dos direitos fundamentais”, redefiniu.

 

Nesse sentido, ressaltou como principal atributo do partido político constituir-se um lugar privilegiado de articulações em defesa da cidadania. E comentou os instrumentos de que o partido dispõe para esse desiderato, do ponto de vista normativo e para além de sua plena liberdade existencial consagrada no regime jurídico, citando o manejo da ação civil pública, o mandado de segurança coletivo e a faculdade de denúncia ao TCU em caso de malversação de recursos públicos.

 

Contradições do partido político

 

Apesar da centralidade do partido no cenário democrático das decisões políticas, o palestrante comentou as contradições aparentemente insolúveis dessa instituição enquanto representação da vontade popular.

 

O primeiro elemento de sua reflexão crítica foi a pulverização ideológica. Na opinião de Rafael Morgental, não é por falta de instrumentos que os partidos não têm cumprido a sua finalidade. “Há um excesso de proteção a eles, uma blindagem que cria o ambiente privilegiado”, sustentou. Contudo, o diagnóstico do palestrante para a ineficácia do regime partidário, é justamente o excesso, que pulverizaria as opções e dificultaria a escolha. Afinal, são 35 partidos registrados e 61 em gestação no TSE.

 

“Todas as bandeiras hoje parece que de alguma forma podem ter um espaço de representação política. Os partidos acabaram se constituindo numa espécie de bloqueio à cidadania, porque concentram o poder, e o que era para ser uma representação a favor das pessoas vira uma representação contra elas, a ponto de determinados autores afirmarem a existência de um totalitarismo democrático”.

 

Nesse sentido, ele citou o teórico francês Jacques Rancière, para quem as pessoas acabam odiando a democracia por ser ela excessivamente tolerante. A democracia, assim, muitas vezes torna-se ingovernável. Em favor dessa tese, o palestrante argumentou que não se conquista apoio parlamentar hoje com adesão ideológica, e sim pela distribuição de verbas, negociação de cargos, “tanto é que a governabilidade no país degenerou em corrupção”. E aduziu que toda essa realidade é a resposta ao totalitarismo democrático, composto pelo excesso de legendas e bandeiras. “São tantos atores e lideranças com os quais se tem que negociar que a formação de um consenso é quase impossível, e isso é um risco, porque convida a soluções simplistas. Como lidar com isso é algo que não sabemos, mas precisamos começar a meditar para tentar uma democracia que permita o exercício do governo”, propôs expositor.

 

Além da dificuldade de governo no ambiente político pluralista, Rafael Morgental falou sobre “os fatores do ódio à democracia”, entre os quais o senso comum de que o governo pode ser exercido por qualquer um, na medida em que se consagrou o sufrágio universal. “Temos que ter muito cuidado, porque o sufrágio universal é uma conquista civilizatória, faz parte do jogo; muito pior seria estabelecer um governo de iluminados, uma tecnocracia”, advertiu.

 

Outro problema assinalado pelo palestrante foi a indução emocional do eleitor contra a racionalidade da escolha do candidato: “ainda não se venceu a batalha de se afirmar a verdade eleitoral. Saímos de uma experiência de 21 anos da urna eletrônica e nos demos conta de ainda não alcançamos o paraíso, porque a verdade eleitoral agora tem um outro inimigo, que é justamente o marketing político”.

 

Por fim, ele apontou um problema da autonomia interna dos partidos, que veio a permitir “verdadeiras ditaduras intrapartidárias”. E sustentou que, no Brasil, “o partido tem dono e este faz o que quer; nada mais antidemocrático que um partido político autocrático”.

 

ES (texto)


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