EPM promove debate sobre as patentes de medicamentos
Correlação entre as patentes de medicamentos
e o interesse público é debatida na EPM
Encerrando os eventos de 2006, a EPM promoveu, em 19 de dezembro, o debate “Patentes de Medicamentos X Interesse Público”. O evento, presidido pelo diretor da EPM, des. Marcus Vinicius dos Santos Andrade, foi coordenado pelo juiz José Paulo Camargo Magano e mediado pelo advogado Rubens Decoussau Tilkian, tendo como debatedores: o presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Jorge de Paula Costa Ávila; o coordenador da área de propriedade intelectual da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Luiz Carlos Wanderley; o advogado José Roberto D´Affonseca Gusmão, ex-presidente do INPI; e o presidente do conselho consultivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Jorge Raimundo.
Iniciando o debate, Luiz Carlos Wanderley discorreu sobre a função da Anvisa, lembrando que, desde 2001, quando o Congresso Nacional aprovou a criação do artigo 229-C, a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos depende da anuência prévia da Anvisa. Ele explicou que a Agência avalia os pedidos a partir do “olhar e do entendimento da saúde”, levando em consideração o acesso aos medicamentos. “Do ponto de vista do interesse público, a concessão de uma patente representa uma restrição ao acesso daqueles que não dispõem de recursos. E todos sabemos a importância que o medicamento tem em nossas vidas, pois é algo de que não podemos abrir mão, adiar o uso ou substituir por outro mais barato”, afirmou.
Ele recordou que a concessão de patentes de medicamentos é uma atividade recente no País, uma vez que, até 1996, não eram passíveis de proteção os medicamentos e alimentos. “A inclusão da Anvisa nesse processo buscou reforçar o interesse público no sistema de propriedade intelectual, que, a meu ver, é desequilibrado, pois existe muito mais defesa dos interesses dos inventores do que daqueles que irão sofrer as conseqüências de um possível monopólio”, afirmou, acrescentando que o Ministério da Saúde tem uma área responsável pela segurança e qualidade dos medicamentos e, portanto, pode agregar seu conhecimento e sua visão ao processo. “Se a criação do artigo 229-C foi correta ou não, isso pode ser discutido no Legislativo ou no Judiciário, mas, enquanto esses Poderes não mudarem seu entendimento, cabe à Anvisa participar do processo de concessão de patentes de medicamentos”, concluiu.
Em seguida, o advogado Jorge Raimundo traçou um panorama histórico da questão das patentes no Brasil e lembrou que o País tem larga tradição na área de propriedade industrial. “Na minha concepção, o interesse público e as patentes de medicamentos caminham juntos, porque, embora a Lei da Propriedade Industrial tenha apenas dez anos, isso não é um assunto novo, pois a primeira Carta de Patentes brasileira provém do Alvará de D. João VI, de 1809.” O advogado citou vários benefícios advindos da criação da Lei 9.279/96: “Após a criação desta lei, aumentaram os investimentos estrangeiros no Brasil e houve transferência de tecnologia para empresas nacionais, permitindo o acesso imediato a novos e importantes medicamentos”. Ele também destacou como benefícios da Lei da Propriedade Industrial: o estabelecimento de parcerias entre as universidades e as empresas e entre as próprias empresas; a fixação de pesquisadores no País; o combate à pirataria; o aumento das pesquisas clínicas; a transformação do conceito de publicação científica, de “curiosidade acadêmica” para “agregação de valor”; e o incremento da pesquisa nas empresas nacionais, com grande número de patentes pedidas. Na seqüência, Jorge Ávila discorreu sobre o impacto das patentes sobre as condições de oferta de medicamentos: “É óbvio que a patente aumenta o preço do medicamento, mas, dificilmente, ele será abusivo, se houver produtos substitutos. Se não houver, criam-se condições para o monopólio e para a prática de preços abusivos, mas, para combater isso, temos a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)”, afirmou, frisando que essas possibilidades não devem nortear a concessão de patentes. Ele ressaltou que a política brasileira de inovação simboliza um momento de superação de uma lógica que existiu durante muito tempo: a de que o Brasil era uma economia tecnológica atrasada e incapaz de atuar no mercado internacional de conhecimento. “A questão da saúde, representada pelos fármacos, é central na política industrial brasileira e muitos enxergam os setores da Química e da Biotecnologia como as principais possibilidades de inserção do Brasil na nova economia mundial.” Ao final de sua exposição, Jorge Ávila defendeu a eliminação da anuência prévia. “A minha tese é que o dispositivo da anuência prévia não só não adianta nada, do ponto de vista do acesso aos medicamentos, como é prejudicial para todo o sistema. Se os critérios utilizados pela Anvisa são os mesmos usados pelo INPI, não se pode entender sua utilidade. Se não são, é preciso esclarecer quais são esses critérios”, afirmou, ressaltando que a ampliação do acesso aos medicamentos também é um dos objetivos do INPI. “A palavra chave, que nos permite argüir da conveniência da anuência prévia da Anvisa, é a previsibilidade, pois o sistema de propriedade intelectual tem que ser claro, compreensível e previsível”, concluiu. A seguir, o advogado José Roberto Gusmão lembrou que, além de ter a função de remunerar o inventor ou o empresário que investe em pesquisa, o sistema de patentes visa revelar a invenção: “A patente é um documento de registro de uma determinada tecnologia, que serve para difundir o conhecimento presente na invenção, e não, meramente, se apropriar dele, pois permite que todos possam tirar suas conclusões e ir além do que foi feito, impulsionando, assim, o desenvolvimento tecnológico. Essa é a virtude do sistema de patentes”, afirmou, ponderando que as patentes de medicamentos devem ser particularmente estimuladas. “Trata-se de uma atividade nobre, que merece ser estimulada. Da mesma forma, deve-se estimular o combate aos abusos, mas isso deve ser feito por uma via adequada de combate ao abuso de poder econômico, uma vez que o governo dispõe de diversos mecanismos, como o controle de preços de medicamentos e até a desapropriação de uma patente, quando necessário.” Ele afirmou não ser contra a existência da Anvisa, mas declarou-se preocupado quanto à interpretação que a Agência faz do artigo 229-C, levando em conta que a Lei não diz qual o critério que ela deve utilizar. “A Anvisa tem um poder de César. Se ela atuasse na fiscalização de patentes de produtos que poderiam ser nocivos à saúde publica, sua atuação se justificaria, mas o problema é que a Anvisa se vê como um órgão de fiscalização do INPI, revisando sua interpretação e discordando dela. Falta clareza nessa discussão e sobra ideologia, desinformação e preconceito contra a indústria de medicamentos. Sendo a Anvisa um órgão público, ela tem que se pautar pelo princípio da legalidade, que diz que nenhum agente público pode fazer o que quiser: só pode fazer o que a Lei manda, diferentemente da relação privada, onde o agente privado pode fazer tudo o que a lei não proíbe”, concluiu.
No encerramento do evento, o des. Marcus Andrade lembrou que, para o Judiciário, o que importa na discussão sobre a concessão ou não de uma patente é a fundamentação, pois a função do Judiciário é encontrar a melhor solução, do ponto de vista social. “A Anvisa tem a finalidade precípua da tutela da saúde pública e é aí que está o interesse público, que, muitas vezes, é difícil de discernir em cada caso concreto. Se a negativa de anuência da Anvisa tiver fundamentação sólida, o Judiciário a acatará. Se não tiver, não a acataremos, pois o Judiciário exerce também seu poder de interpretação e de entendimento, residindo aí a segurança jurídica”, afirmou. O des. Marcus Andrade também ressaltou que o que dificulta a formação da convicção do magistrado é o fato de que a matéria, além de complexa, é nova e ainda está em fase de criação, até mesmo do pensamento jurídico. “Nossa missão é buscar, no caso concreto, de acordo com a fundamentação, o interesse final, que é a proteção da saúde pública. Essa é a preocupação do Judiciário, que, acima de tudo, pretende ser um fator de tranqüilidade social, pois estamos empenhados na busca da efetividade, de realmente resolver as questões”, concluiu o diretor da EPM.