EPM conclui o seminário ‘Drogas: políticas públicas, sociedade, saúde, segurança pública e legislação’

Seminário teve cinco encontros.

 

Com a palestra “Aspectos polêmicos e práticos da Lei de Drogas”, ministrada pelo professor Vicente Greco Filho, foi encerrado no último dia 6 o seminário Drogas: políticas públicas, sociedade, saúde, segurança pública e legislação da EPM. Coordenado pelo desembargador Hermann Herschander, com coordenação adjunta dos juízes Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira e Elaine Cristina Monteiro Cavalcante, o seminário consistiu de cinco aulas.

 

Os debates tiveram início no dia 8 de fevereiro, com o tema “Políticas públicas e o papel do Poder Executivo na questão envolvendo as drogas ilícitas”, apresentado pela procuradora de Justiça Eloísa de Souza Arruda, secretária de Direitos Humanos e Cidadania do Município de São Paulo.

 

Eloísa Arruda fez uma retrospectiva histórica sobre as mudanças na legislação relacionada às drogas no Brasil. Recordou que na década de 1970 foi elaborada a Lei 6.368/76 (Lei de Entorpecentes), que previa punição, inclusive de encarceramento, para o usuário de drogas ilícitas. E lembrou que somente em 1984, com a reforma do Código Penal e a criação da Lei de Execução Penal, foi possível ter a progressão do regime prisional, surgindo a possibilidade de um regime aberto para o início de cumprimento de pena.

 

A professora lembrou ainda o advento da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), que substituiu a Lei 6.368/76 e imprimiu outro regime de tratativa, principalmente ao usuário de drogas. Ela destacou o artigo 28, que determinou a impossibilidade de encarceramento do usuário. “Esta estrutura também estabeleceu que União, Estados e Município devem incumbir-se de políticas públicas para coibir e combater o tráfico e o uso de drogas”, acrescentou.

 

Nesse sentido, recordou que já havia sido criada, em 1998, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), que desde 2011 integra o Ministério da Justiça. Dentre suas competências está a de articular as atividades de prevenção do uso de entorpecentes, de reinserir socialmente os usuários e dependentes, capacitar e treinar os agentes do sistema nacional de políticas sobre drogas e gerir o Fundo Nacional Antidrogas.

 

Eloísa Arruda destacou também o crescimento exponencial do consumo de crack no País a partir da década de 1980, hoje considerado uma epidemia. “O Brasil é o maior país consumidor de cocaína do mundo. E quando eu falo de cocaína, estou falando do crack, que é um subproduto da cocaína”, frisou. Ela ressaltou que a maior população da Fundação Casa é de jovens envolvidos com o tráfico de drogas, assim como ocorre com a população carcerária. “O tráfico de drogas impactou a Justiça Criminal”, asseverou.

 

A expositora lembrou também a criação da Coordenadoria de Políticas sobre Drogas (Coed), em São Paulo, em 2011, durante sua gestão à frente da Secretária da Justiça e da Defesa da Cidadania. E explicou que a Coed atua como articuladora de projetos desenvolvidos em diversos âmbitos do governo, estabelecendo uma rede entre secretarias estaduais, conselhos e órgãos de pesquisa. Ela destacou ainda a criação do Programa Estadual de Enfrentamento ao Crack, também conhecido como programa Recomeço, que envolve as áreas da Saúde, Justiça, Desenvolvimento Social, Emprego e Relações do Trabalho e Segurança Pública.

 

Eloisa Arruda recordou também a busca por um espaço onde o Sistema de Justiça pudesse participar e a necessidade de se alcançar a esfera municipal, que motivaram a utilização do espaço do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), que existia desde 2002 apenas para tratamento de fumantes. “O Cratod foi pensado para ser um espaço com estrutura de Justiça, de assistência social e de saúde, para dar atendimento integral à pessoa no momento em que ela precisasse. Ela poderia chegar lá com as próprias pernas e ser encaminhada para uma vaga de internação voluntária”, elucidou.

 

A palestrante esclareceu ainda a diferença entre internação involuntária e compulsória. Na primeira, há alguém que pede a internação pelo dependente. Já na compulsória, o usuário não possui ninguém que possa interceder por ele e o juiz, após uma avaliação médica, determina a internação.

 

Tratamento da dependência às drogas

 

O seminário teve continuidade no dia 15 de fevereiro, com a palestra “Efeitos da drogadição. Tratamento da dependência às drogas. Questão da inimputabilidade e da semi-imputabilidade penal do dependente químico”, ministrada pelo médico psiquiatra Ronaldo Laranjeiras, coordenador do programa Recomeço.

 

Ele salientou inicialmente que todos os problemas da dependência química passam por uma parceria com o Sistema Judiciário. Ele explicou que o programa Recomeço é uma iniciativa do governo do Estado de São Paulo, em parceria com o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a OAB/SP para ajudar os dependentes químicos, principalmente os usuários de crack, oferecendo tratamento e acompanhamento multiprofissional ao paciente e aos seus familiares.

 

Ele informou que em média são internados de 30 a 40 usuários por dia, sendo que a maioria das pessoas é levada voluntariamente ao Cratod. Apenas 8% são internadas involuntariamente. O psiquiatra também alertou para a recorrência de dependentes grávidas, lembrando que na região da cracolândia, em São Paulo, cerca de 25% das usuárias possuem algum tipo de DST.

 

Ronaldo Laranjeiras salientou as consequências para as famílias dos dependentes, que, em determinados casos não podem lidar sozinhas com o usuário. Em relação às consequências neurológicas, mencionou distorções cognitivas como psicose, incluindo a ilusão de ser perseguido.

 

O psiquiatra também abordou a questão da legalização de entorpecentes. Esclareceu que, em lugares como Denver (EUA), onde a maconha é legalizada, o tráfico aumentou, assim como o número de usuários, que passou de 12% para mais de 20%, ao passo que caiu consideravelmente o desempenho escolar dos jovens. “Precisamos refletir sobre o custo de achar que a legalização vai resolver um problema complexo”, alertou.

 

O juiz Carlos Alberto Oliveira observou que, judicialmente, a droga gera dois problemas graves, o primeiro na figura do traficante e o segundo na figura do viciado criminoso, que ao mesmo tempo é vítima e algoz. Ele mencionou o artigo 28 da Lei 11.343/06, que ao não penalizar criminalmente o uso de entorpecentes, torna este um problema prioritariamente salutar. No entanto, advertiu que do uso decorrem muitas consequências criminais, como latrocínios e homicídios. “Hoje, na maioria dos casos que chegam à vara criminal, a droga está envolvida, direta ou indiretamente”, destacou, chamando a atenção para o risco para os menores de idade.

 

Segurança pública e Justiça em face do tráfico de drogas

 

No dia 22 de fevereiro, foi analisado o tema “Segurança pública e Justiça em face do tráfico de drogas”, com exposição do procurador de Justiça e professor Mário Sérgio Sobrinho.

 

O palestrante apresentou estatísticas a respeito da influência do tráfico e consumo de drogas na segurança pública brasileira. Mencionou dados da Polícia Federal que revelam que em dez anos a quantidade de drogas apreendidas subiu consideravelmente: de 14.243 kg de cocaína em 2006 para 39.311 kg em 2016. Com a maconha o total de apreensões em 2006 somou 167.653 kg contra 224.829 kg em 2016. O ecstasy cresceu exponencialmente, de 11.828 kg em 2006 para 490.270 kg em 2016.

 

Outro dado alarmante revelado pelo professor é que somente em São Paulo o número de ocorrências sobre tráfico de drogas cresceu de 4.742 em 2007 para 9.173 em 2017, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

 

Ele destacou também o impacto das drogas no sistema prisional brasileiro. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), com dados de junho de 2014, dentre a distribuição de crimes tentados/consumados pelas pessoas privadas de liberdade 27% são de tráfico.

 

Mário Sérgio Sobrinho salientou também o impacto no Sistema Nacional Socioeducativo, que abrange os adolescentes infratores. Dentre os atos infracionais pelos quais respondem estes jovens, 24,24% são por tráfico. Ele mencionou ainda dados do CNJ que apontam que 75% dos jovens infratores no Brasil são usuários de drogas.

 

Em relação a padrões de consumo, o palestrante lembrou que o vício já chegou a ser considerado algo de total responsabilidade do indivíduo. Também já foi definido como desvio de caráter. Atualmente, é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença. O Código Internacional de Doenças também prevê classificação apropriada para os transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substâncias psicoativas.

 

Por fim, o professor enfatizou que não se deve esquecer que o álcool, ainda que lícito, também é considerado droga. “A droga que mais traz problemas para saúde, segurança, educação é o álcool, altamente popular, facilmente disponível e tem um impacto muito negativo em nossa sociedade”, concluiu.

 

Drogas ilícitas

 

No dia 1º de março, o juiz Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira discorreu sobre o tema “Drogas ilícitas: conceito, classificação, aspectos práticos e sociológicos”. Ele observou inicialmente que a luta contra as drogas não é uma demanda contra os usuários, mas sim “contra a droga e contra aqueles que vivem e ganham dinheiro com elas – e que muitas vezes não as usam”.

 

Em seguida, o palestrante explanou como os entorpecentes afetam diversas áreas da sociedade. “Indiscutivelmente, a droga atinge a área política, tanto o comando interno quanto as relações externas de um país”, afirmou, recordando a invasão das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) na região norte do Brasil, com a intenção de roubar armas, o que resultou na morte de ao menos três militares.

 

Ele também salientou os efeitos na área da saúde, chamando a atenção para as comorbidades – doenças que surgem como consequência de outra, neste caso, do uso de entorpecentes. “Pessoas que estão nas ruas usando crack, por exemplo, além do próprio malefício da droga, têm HIV, pneumonia. Essa pessoa será recolhida, socorrida, o que gerará uma demanda econômica para o Estado”.

 

O palestrante destacou também as consequências para a segurança pública interna e externa. “Eu não tenho nenhum caso em andamento de questão patrimonial que não envolva uma questão com drogas”, frisou.

 

Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira mencionou também uma divisão das drogas em três categorias: aquelas que deprimem o sistema nervoso central (aumentam a sensação de relaxamento, causam sonolência e diminuem os reflexos); a que estimulam o sistema nervoso central (diminuem o sono e o apetite e aumentam a euforia); e as que perturbam a atividade mental (podendo acarretar a perda da noção de tempo, de localização, prejuízos à memória e podem causar alucinações).

 

Lei de Drogas

 

No encerramento do seminário, o professor Vicente Greco Filho analisou os aspectos polêmicos e práticos da Lei de Drogas (Lei 11.343/06). Ele observou inicialmente que há algumas questões relacionadas ao tema que não englobam somente a Psicologia ou a Sociologia, porque se encontram judicializadas, como a descriminalização das drogas para uso próprio, atualmente submetida ao Supremo Tribunal Federal.

 

Vicente Greco Filho observou que, em algumas localidades dos Estados Unidos da América, como a Califórnia e Washington, e em países como Uruguai e Holanda houve uma regulamentação ligada à política de drogas. Ele ponderou que não é possível apenas liberar o uso: “deve haver uma regularização e neste sentido deve-se pautar o debate. Não se trata apenas de legalizar. É preciso regulamentar toda a cadeia produtiva e consumidora”.

 

O professor ressaltou ainda que a questão deveria estar em amplo debate nos poderes Legislativo e Executivo para a instituição de uma política nacional antidrogas. “Não há a menor dúvida na área médica que se trata de uma questão de saúde pública”, frisou.

 

Em seguida, apresentou um panorama sobre a Lei 11.343/06. Ele observou que, ao substituir a antiga Lei 6.368/76, a nova lei estabeleceu sete níveis para o trafico ou formas ligadas a ele.

 

O primeiro, presente no artigo 36, refere-se ao crime de financiamento de qualquer ponto da cadeia produtiva de drogas, relacionado à atividade daquele que se oculta e não participa, mas fornece dinheiro para que o tráfico se movimente. Ele observou que há uma discussão no sentido de que o crime de financiar o tráfico também está presente no artigo 33, como agravante. E explicou é que o crime descrito no artigo 33 engloba quem participa e também é o caixa da organização criminosa.

 

Em relação às atividades descritas no artigo 33 (importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar), observou que a prática, ainda que de mais de uma destas condutas juntas, pode ser crime único se houver uma consequencialidade entre elas, como no caso de se importar uma quantidade de drogas e posteriormente vendê-la, o que compõe um crime único. Porém, se o réu importou cocaína e plantou maconha, por exemplo, são dois crimes diferentes.

 

Em relação às condutas previstas no artigo 34 (fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar), Vicente Greco Filho esclareceu que é preciso uma conexão subjetiva e objetiva do equipamento com a droga. “A transformação da pasta de cocaína em cloridrato de cocaína usa equipamentos que qualquer laboratório ou farmácia de manipulação usa”, esclareceu, acrescentando que o mesmo vale para o transporte.

 

O professor mencionou ainda as condutas previstas no artigo 37 (colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º, e 34), observando que inicialmente o foco não eram os agentes públicos ligados ao mecanismo de repressão, o informante da batida da operação policial. E sugeriu como solução o concurso material, se houver corrupção do funcionário público.

 

LS (texto) / MA (fotos)


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