EPM promove curso sobre Jurisprudência Ambiental Brasileira
EPM promove curso sobre Direito Ambiental
Foi realizado nos últimos dias 23 e 30 de setembro, no auditório do prédio do Gabinete Unificado dos Desembargadores, o curso “Jurisprudência Ambiental Brasileira e Prática do Direito Ambiental à Luz do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”, promovido pela Escola Paulista da Magistratura. Na platéia estavam presentes funcionários do Judiciário, advogados, juízes e desembargadores, além de outros interessados. O evento foi aberto com a presença à mesa dos desembargadores José Geraldo de Jacobina Rabello e Paulo Miguel de Campos Petroni, da advogada Flavia Witkowski Frangetto e do mestre em filosofia José de Ávila Coimbra.
Cubatão anos 80
Na abertura do encontro, a dra. Flávia Witkowski Frangetto apresentou os palestrantes e citou a poluição ambiental existente no município de Cubatão, na década de 80, como um “divisor de águas” para o surgimento das discussões ambientais no âmbito do Poder Judiciário.
A filosofia aplicada ao Meio Ambiente
Em seguida, foi passada a palavra ao filósofo José de Ávila Coimbra, que lembrou o fato de que o Direito e a Filosofia, apesar dos campos distintos de atuação, possuem muito em comum, quando se trata da questão ambiental. Ele falou sobre o tema “A Questão Ambiental Hoje”, ressaltando que a problemática ambiental é muito vasta e que, por isso mesmo, o Direito se ocupa atualmente tanto com a questão. Aliás, a respeito do assunto, Ávila fez uma ressalva sobre a diferença entre problemas ambientais e questões ambientais, afirmando que os primeiros referem-se à individualidade, à localidade, e que as questões ambientais são relacionadas à totalidade, ao Planeta, e, por isso mesmo, têm maior afinidade ao Direito. Filosoficamente, ele dividiu a questão ambiental em três etapas: os tempos geológicos, quando da formação das rochas, dos gases e da terra, com ausência de vida; em seguida, os tempos biológicos, com o surgimento da vida, a formação das espécies, enfim, a diversidade das manifestações de vida; e, finalmente, os tempos históricos, com o surgimento do homem e dos registros dos fatos, que marcam a fase atual. O que os tempos geológicos e biológicos demoraram anos para formar pode ser destruído em segundos pelo homem.
A necessidade de uma legislação mais rápida e eficaz
Em seguida, foi a vez do desembargador Lineu Bonora Peinado, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que falou sobre o tema “Ações Coletivas Ambientais”. Ele destacou a importância da legitimidade do Ministério Público para mover as ações ambientais, classificando essa legitimidade como uma grande evolução, no sentido de que decorre da lei e não do fato concreto, ou seja, da jurisprudência formada a respeito. Citando diversos exemplos de crimes ambientais, o desembargador lembrou também que a responsabilidade do poluidor é objetiva e ele deve pagar por isso. Ele disse que a indenização por crime ambiental deve ter como objetivo fazer o agente poluidor perceber que fica mais barato proteger o meio ambiente do que pagar a multa. Ele terminou sua fala lembrando um provérbio africano, que diz: “Este planeta nos foi emprestado pelos nossos netos; cumpre a nós preservá-lo, para devolvê-lo”.
Na seqüência, falou a desembargadora Vera Jucovsky, do Tribunal Regional Federal, abordando o tema "Medidas Processuais com Fundamento Ambiental". Ela defendeu a necessidade de uma justiça mais célere, eficaz e justa no que se refere às questões ambientais e cujo objetivo deveria ser de uma tutela preventiva e não reparatória do ponto de vista indenizatório. Ela creditou a morosidade da justiça federal atual ao grande volume de pedidos de indenizações provocadas pelos sucessivos planos econômicos do governo desde a década de 80 (Bresser, Collor, Verão, etc). E ressaltou também o papel relevante atual do juiz e do Judiciário, que passou a examinar ações transindividuais ou metroindividuais, ligadas ao Direito do Consumidor e ao Direito Ambiental, que exigem uma maior criatividade do juiz. Essa criatividade está relacionada a uma maior clarividência do juiz quanto ao dano ambiental que pode não representar apenas o dano observado inicialmente, desencadeando outros, possivelmente de maior gravidade. Nesse sentido, ela defendeu ainda que alguns ramos do Direito, como o Administrativo e o Processual Civil, muitas vezes têm que se adaptar à legislação ambiental.
Finalmente falou outra desembargadora federal, Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, sobre o tema "Conflitos de Competência Jurisdicional em Matéria Ambiental". Ela concentrou-se principalmente nos âmbitos federal e estadual, destacando a abrangência da legislação federal para estabelecer normas gerais, embora tenha ressaltado o igualmente relevante papel da legislação estadual para legislar segundo critérios regionais. A desembargadora fez questão também de ressaltar que essa competência não significa uma questão de hierarquia, lembrando que normas estaduais ou até mesmo municipais podem até prevalecer sobre as normas gerais, desde que atendam às particularidades locais. Ela citou o exemplo de uma região no estado do Mato Grosso, que possui características de mata amazônica e também do cerrado do Planalto Central.
O meio ambiente na Constituição Federal
O segundo dia do encontro foi aberto pelo desembargador José Geraldo de Jacobina Rabello e começou tratando do tema “Acesso à Justiça Ambiental”. Ele deu início à sua fala, citando um termo criado por ele próprio, denominado "justiça comunitária prévia”, como uma vertente essencial para o trato das questões ambientais. Seria aquela justiça que dispensa a presença do Estado-Juiz, ou seja, a importância da atuação das entidades e associações não governamentais na defesa do meio ambiente. Essas entidades mais o Ministério Público conseguem, por meio de suas manifestações, fazer com que muitas vezes os problemas de desrespeito ao meio ambiente não cheguem até o Poder Judiciário. O desembargador Jacobina Rabelo citou como exemplos dessa atuação o impedimento na construção do trecho do Rodoanel na zona norte da Grande São Paulo porque afetaria área de proteção de mananciais, já que não havia sido feito um estudo de impacto ambiental a respeito. Ele citou também o artigo 225 da Constituição, que diz o seguinte: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Além de citar este e outros artigos da Constituição que fazem menção ao meio ambiente, como o 170 e o 129, o desembargador Jacobina Rabelo revelou que em breve o Tribunal de Justiça deverá instalar a Câmara de Direito Ambiental, uma iniciativa pioneira em todo o País, para abrigar somente ações ambientais.
O Ministério Público
Em seguida, foi a vez do representante do Ministério Público, Marcos Destefenni, tratar do assunto. Ele lembrou que os chamados novos Direitos, como o Ambiental e o do Consumidor, são grandes exemplos dos Direitos de terceira geração, relacionados com as necessidades humanas. Esses novos Direitos têm como marca a negociação, a transação, a composição, em que o homem seja colocado em primeiro plano. Ele citou algumas tragédias recentes como exemplos de resultados provocados por danos ambientais, como o tsunami e os furacões na América do Norte e Ásia, e terminou afirmando que está em estudo um Código de Processo Civil Coletivo.
Políticas Ambientais
Na seqüência, tomou a palavra o advogado especialista em Direito Ambiental, Antônio Fernando Pinheiro Pedro, um dos responsáveis pela implementação da cadeira de Direito Ambiental na Academia da Polícia Militar do Barro Branco, em 1994. Segundo ele, essa iniciativa trouxe, entre outros frutos, a mudança no nome da polícia florestal para polícia ambiental. Falou também sobre a importância dessa terceira geração do Direito, marcada pela participação e pela resolução de conflitos. Pinheiro Pedro, candidato do Partido Verde ao governo do Estado de São Paulo nas eleições de 2002, disse ainda que quando se fala em preservação do meio ambiente o objetivo é a qualidade de vida, citando como exemplos e objetivos a serem alcançados o projeto favela-bairro no morro da Rocinha, no Rio de Janeiro, e a urbanização da favela do Pantanal, aqui em São Paulo.
A segunda parte deste segundo dia do encontro foi aberta pelo desembargador Gilberto Passos de Freitas, que discorreu sobre a “Evolução da Jurisprudência em Matéria Ambiental”. Ele passou a palavra ao juiz Álvaro Luiz Valery Mirra, que focou sua palestra na questão do impacto ambiental. Após citar o parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição, ele lembrou que a legislação ambiental brasileira foi introduzida pela resolução 86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama. Essa resolução, em seu artigo 1º, define o impacto ambiental como uma alteração grave, uma degradação significativa do meio ambiente, e que cabe ao órgão público delimitar a gravidade do impacto ambiental. O artigo 2º estabelece quais as atividades potencialmente impactantes (estradas de rodagem, ferrovias, portos, aeroportos, gasodutos, oleodutos, linhas de transmissão de energia elétrica, barragens hidrelétricas, aterros sanitários, etc). Quanto à jurisprudência, o Tribunal de Justiça tem entendido que o rol citado pelo artigo 2º é meramente explicativo quanto à realização de estudos de impacto ambiental previstos pela legislação infra-constitucional. Ele citou como exemplos a construção do Shopping Higienópolis e do túnel da Rebouças sob a avenida Faria Lima.
O Brasil
Após o juiz Álvaro Mirra, chegou a vez do desembargador Paulo Miguel de Campos Petroni, que destacou a necessidade de elevar a auto-estima brasileira, pois o País é o mais rico do mundo em termos de megadiversidade (mais que biodiversidade, tamanha a riqueza dos nossos recursos naturais). Ao mesmo tempo lembrou do perigo representado pela biopiratria existente hoje na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado. Ele mencionou em especial a riquezas das águas, e especificamente do aqüífero Guarani, a maior reserva de água doce do mundo, em que 70% está localizada em território brasileiro, parte na região oeste do Estado de São Paulo, que pode ser vítima de futuras cobiças, como as que ocorrem hoje em dia em relação ao petróleo. Paradoxalmente a essa riqueza natural, somos muito pobres quando se fala em administração pública dessa riqueza, lembrou o desembargador Petroni. Ele também citou o artigo 225 da Constituição para afirmar que possuímos a legislação ambiental mais desenvolvida do mundo. E pediu que a sociedade provoque mais o Poder Judiciário em relação às questões ambientais, propondo a adoção em nossa legislação do jargão “in dúbio pro natura" ou "in dúbio pró meio ambiente”.
Na seqüência, falou o desembargador Carlos Biasotti, que começou por uma análise sobre a jurisprudência, definida por ele como “a aplicação do Direito com sabedoria; é a sabedoria dos experientes ou o conselho precavido dos mais velhos que inspira no povo a confiança na Justiça”. Para o desembargador, nos casos sujeitos à aplicação da lei 9605/90, não apenas a lógica do Direito deve ser aplicada, mas também os primores da natureza devem ser observados. Ele defendeu a importância e a necessidade de se dar mais e melhor educação ao povo, para que as pessoas saibam distinguir o certo do errado. E terminou sua explanação citando uma idéia do cartunista Ziraldo, que sugere o acréscimo de um 11º aos 10 mandamentos de Moisés: contrapondo-se ao 5º mandamento, que diz “Não Matarás”, o 11º diria “Não Desmatarás”.
Direito Penal Clássico X Direito Penal Ambiental
Após abrir a segunda parte do encontro, o desembargador Gilberto Passos de Freitas retomou os trabalhos, falando sobre as diferenças entre o Direito Penal Clássico e o Direito Penal Ambiental. Segundo ele, muitas coisas que normalmente não seriam aceitas pelo primeiro são perfeitamente aplicáveis pelo segundo. Como exemplos, ele citou a idéia de se prevenir antes que ocorra o dano e a maioria dos crimes culposos. Estes últimos ficam claros quando se fala da utilização de agrotóxicos, por exemplo. As penas a serem aplicadas devem ter uma visão mais ampla. Ele concluiu sua fala, dizendo que “todos nós somos responsáveis”, e explicou também um dos motivos que o levaram a organizar o livro “A Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo em Matéria Ambiental”. Segundo o desembargador, em duas das oportunidades (na Assembléia Legislativa e no Ministério Público) em que foi debater questões relativas ao meio ambiente, houve críticas indiretas à ausência do Tribunal de Justiça em questões ambientais. O livro vem para desmentir e ratificar a atuação do TJ no campo da defesa da preservação do meio ambiente.
Encerramento
O encerramento do curso ficou por conta dos juízes Roberto Maia Filho e Eliane Cavalcante, ao lado da advogada Flávia Witkowski Frangetto, que antes de mais nada deixaram a proposta da realização de um novo curso sobre Direito Ambiental, tal a importância e o enorme interesse do tema.
Eles levantaram questões jurisprudenciais para que os participantes debatessem. Foram citados casos de prejuízos causados ao meio ambiente que foram examinados e, apesar dos danos provocados à fauna e à flora, não chegaram à segunda instância, bem como o papel representado pelas partes envolvidas nessas questões e do pagamento dos honorários por parte do Ministério Público nos casos de ação civil pública.