EPM e CIJ concluem curso sobre depoimento especial de crianças e adolescentes para magistrados
Capacitação foi ministrada a cerca de 600 juízes.
Com a aula “O depoimento especial na sistemática processual brasileira”, proferida pelo desembargador José Antônio Daltoé Cezar, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi encerrado no último dia 25 o curso Depoimento especial e a garantia de direitos da criança e do adolescente, vítimas ou testemunhas de violência, promovido pela EPM e pela Coordenadoria da Infância e da Juventude (CIJ) do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a coordenação do desembargador Reinaldo Cintra Torres de Carvalho e do juiz Eduardo Rezende Melo.
Com três encontros, o curso foi ministrado na EPM para cerca de 600 magistrados que atuam nas varas criminais, do Júri, de Violência Doméstica e da Infância e Juventude Infracional em todo o Estado e no Serviço de Atendimento de Crimes da Violência contra o Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas (Sanctvs). O objetivo foi capacitá-los para a realização do depoimento especial, conforme estabelecido pela Lei 13.431/2017.
Pioneiro na utilização do depoimento especial no Brasil, Daltoé Cezar explanou sobre a história da implantação do procedimento em Porto Alegre, a partir de 2013. Ele informou que essa forma de inquirição desenvolveu-se nos países do sistema Common Law e esclareceu como o modelo norte-americano foi adaptado para o sistema jurídico brasileiro. Ele salientou que o Brasil está na dianteira, pois países como a Alemanha, França, Espanha e Portugal ainda não implementaram o depoimento especial. “Nos países que adotaram o sistema jurídico romano-germânico, a implementação ainda está no início”, observou, citando países que já adotam o procedimento, como Estados Unidos, Inglaterra, Argentina, Chile e Cuba. Mencionou ainda algumas peculiaridades dos modelos adotados em outros países.
O palestrante asseverou que é direito da criança e do adolescente falar e lembrou que apenas 10% das violências sexuais contra essas pessoas são reveladas. Ele enfatizou o direito delas serem protegidas do sofrimento durante o processo judicial e citou as principais vantagens do depoimento especial: o registro rigoroso da entrevista, documentação visual dos gestos e expressões faciais que acompanham os enunciados verbais da criança, registro visual e verbal, que pode ser revisto muito tempo depois por outros profissionais e, principalmente, a redução do número de entrevistas por parte de outros profissionais. E frisou que o depoimento integral não deve ser reduzido a termo por determinação legal.
Ele evidenciou ainda as diferenças de tratamento: no depoimento tradicional, temos um ambiente formal e solene, com o qual a criança/adolescente não criará empatia; diversas pessoas presenciam o depoimento que, em regra, trata de questões íntimas e causam desconforto; não há técnica de entrevista, as perguntas são diretas e objetivas, para que respostas diretas e objetivas sejam obtidas; embora o juiz possa determinar que determinada pergunta não seja respondida por ser inapropriada, não há como evitar que a criança ou adolescente ouça e fique constrangida.
Já no depoimento especial o ambiente é acolhedor, projetado especialmente para que a criança sinta-se bem recebida pelo Sistema de Justiça; apenas uma pessoa acompanha o depoimento; há técnica de entrevista, que observa conteúdos científicos e acadêmicos; o relato é livre, para que a criança ou adolescente relate os fatos com maior fidedignidade e ela não ouve perguntas inapropriadas.
Daltoé Cezar discorreu também sobre o Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense com Crianças e Adolescentes Vítimas e Testemunhas de Violência Sexual, ressaltando a necessidade de receber com tempo, fazer rapport, ouvir o relato livre, não fazer perguntas diretas para não induzir a resposta. Ele lembrou que o depoimento especial é facultativo para vítimas entre 18 e 21 anos. E discorreu sobre a escuta especializada e a produção antecipada de provas, ressaltando a importância da criança ou adolescente ser ouvido no menor tempo possível e do melhor embasamento para o oferecimento da denúncia.
Em seguida, o juiz Eduardo Rezende Melo, que já atua com o depoimento especial em São Caetano do Sul, apresentou a perspectiva de tudo o que foi trabalhado nos três dias de encontro. Ele falou sobre a implementação prática, mencionou os desafios e estratégias de intervenção na implementação do depoimento especial e apresentou relatos de experiência. Por fim, adiantou que até agosto todas as comarcas devem estar em condições de implementar o depoimento especial.
Complementando as explanações, a psicóloga judiciária Patrícia Vendramim esclareceu a diferença entre escuta especializada, que acontece antes do ajuizamento do processo judicial, e o depoimento especial, que ocorre no processo judicial. Ela discorreu sobre as etapas do depoimento especial, procedimentos e recomendações técnicas e apresentou relatos de experiência com a equipe interdisciplinar.
RF (texto e fotos)