EPM promove curso sobre as alterações da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

Foram discutidos reflexos nos direitos Privado e Público.

 

Nos dias 20 e 22 de agosto, a EPM realizou o curso As decisões judiciais conforme as alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Os debates versaram sobre as modificações instituídas pela Lei 13.655/2018, que incluiu na LINDB os artigos 20 a 30, com disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do Direito Público.

 

No primeiro dia, as palestras tiveram enfoque no Direito Privado e estiveram a cargo do desembargador Cláudio Luiz Bueno de Godoy e do professor Luciano Benetti Timm, com a participação do desembargador Francisco Eduardo Loureiro, diretor da EPM; e do juiz Luís Manuel Fonseca Pires, que coordenou o curso, juntamente com o desembargador Enio Santarelli Zuliani e o juiz Hamid Charaf Bdine.

 

Iniciando as exposições, Luciano Timm abordou o tema “Alterações na LINDB sobre a aplicação dos princípios jurídicos”. Ele explicou que a LINDB fornece um guia interpretativo para vários campos do Direito e deve ser interpretada por inteiro. Ele ressaltou que o artigo 20 veda decisões judiciais fundadas em princípios abstratos, sem que as consequências sejam ponderadas, e que o artigo 21 determina que em caso de invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, deverão ser indicadas de modo expresso as consequências jurídicas e administrativas da decisão.

 

O professor discorreu sobre o consequencialismo jurídico, no sentido de que a decisão judicial deve ponderar os possíveis efeitos decisórios, eventualmente preferindo o resultado “A” ao “B”. Mencionou os tipos de consequencialismo: forte e fraco, relacionando ao papel da consequência e das formas tradicionais de decisão; consequencialismo “festivo”, militante” e “malandro”; e consequencialismo interno e externo, com repercussões para a coerência do sistema jurídico e para a sociedade. Discorreu ainda acerca das teorias da decisão judicial e de pesquisas relacionadas à experiência internacional e brasileira. Por fim, forneceu indicações de como mensurar o impacto de determinada decisão.

 

Reflexos da LINDB nas decisões judiciais cíveis

 

Na sequência, Cláudio Godoy discorreu sobre o tema “Reflexos da LINDB nas decisões judiciais cíveis”. Ele destacou que a pretensão do legislador ao introduzir as alterações, conforme a própria mensagem do texto da Lei 13.655/2018, foi estabelecer disposições sobre a segurança jurídica e a eficiência na criação e na aplicação do Direito Público. No entanto, ponderou que, à primeira vista, essas alterações refletem-se no campo do Direito Privado, na medida em que a LINDB é agora uma lei de introdução às normas do Direito brasileiro. “Se a ideia foi definir maior segurança e previsibilidade da decisão atenta às consequências que dela são emanadas, é preciso verificar que artigos podem trazer um reflexo maior no Direito Privado”, observou.

 

Com relação ao artigo 20 (“Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”), observou que hoje o Direito Privado trabalha mais com princípios positivados. E lembrou que os princípios foram historicamente concebidos como diretriz orientadora da interpretação do ordenamento e com o tempo passaram a se positivar, não raro ao lado de regras que confrontam o princípio. 

 

Cláudio Godoy frisou que hoje se quer evitar que a motivação da decisão seja uma simples referência ao princípio, sem que esse princípio torne-se rente à realidade concreta do fato. “A lei impõe que o motivo decisório não seja meramente remissivo a um valor”, esclareceu. Ele ressaltou que se criou ainda a dificuldade de se saber até que ponto e em até que extensão o juiz deverá medir as consequências práticas da decisão, lembrando que consequências práticas são um conceito indeterminado.

 

Ele discorreu ainda a respeito dos artigos 23 e 24, que tratam da modulação de decisões judiciais especialmente quando representem mudança de orientação jurídica, lembrando que no campo do Direito Privado, não raro, a lei já faz modulação. Salientou ainda que, para o Direito Privado, há dúvida se a melhor alternativa foi estabelecer as alterações na LINDB, tal como se encontram, quando o propósito era direcionado ao Direito Público. E ponderou que essa preocupação poderia ter se externado no Direito Privado, de maneira específica nas suas diversas passagens, o que permitiria soluções tópicas mais rentes à realidade de cada ramo do Direito Privado. “A preocupação foi de não universalizar as decisões com base em conceitos que são aprioristicamente amorfos. Mas quando isso é trazido numa Lei de Introdução, fica difícil tornar rente as soluções mais adequadas para ocorrências jurídicas que são muito diferentes”, ponderou.

 

Âmbito de incidência e justificação das alterações da LINDB

 

No dia 22, o curso enfocou as alterações no Direito Público, com exposições dos professores Carlos Ari Sundfeld e Irene Nohara.

 

Carlos Sundfeld analisou o tema “Interpretação de normas sobre gestão pública: segurança jurídica x efetividade dos controles administrativo e judicial”. Inicialmente, falou sobre a razão das alterações na LINDB, ponderando que o objetivo da lei de disciplinar as grandes bases de aplicação e de produção do Direito vinha sendo cumprido de maneira insatisfatória, tendo em vista as características do Direito Público contemporâneo, sendo preciso abordar novos temas para resolver problemas que a lei de introdução não tratou especificamente.

 

Ele elucidou que no Brasil não há unificação da competência em matéria de Direito Público, porque há autonomia administrativa entre os entes da federação, havendo assim normas provenientes de diversas fontes (federal e entes estaduais e municipais). Observou que isso gera discrepância ao trazer soluções completamente diferentes para situações equivalentes, daí a necessidade de unificação das normas de sobredireito no campo do Direito Público. E esclareceu que os dispositivos inseridos na lei procuraram dar uma resposta unificada para problemas que são comuns à administração pública, aos órgãos de controle e ao próprio Judiciário, na medida em que estejam tratando de processos de controle ou processos judiciais que tenham por objeto matéria primariamente administrativa.

 

O professor esclareceu que a Lei 13.655/2018 diz expressamente na sua ementa que ela contém normas sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do Direito Público. Explicou que isso significa normas sobre a criação e aplicação daquilo que cabe à administração pública primariamente criar ou aplicar, que eventualmente suscita o controle de órgãos como o Tribunal de Contas ou o Judiciário e eventualmente a criação em substituição pelo Judiciário ou pelos órgãos de controle. “Isso se procurou deixar claro nos vários dispositivos quando eles se referem sempre nessa ordem ‘nas esferas administrativa, controladora e judicial’. Ou seja, está se estabelecendo normas para aplicação ou criação do Direito que se faz na esfera administrativa e em situações equivalentes na esfera controladora e judicial”, elucidou.

 

Em seguida, discorreu acerca das alterações da LINDB, especialmente no que se refere à interpretação, motivação das decisões, produção normativa e os efeitos da produção normativa, invalidação de atos, sanção e acordo. E apresentou suas conclusões a respeito do conteúdo normativo das alterações na lei.

 

Encerrando as exposições, Irene Nohara discorreu sobre o tema “Consequencialismo, responsabilidade de agentes públicos e controle judicial das decisões administrativas”. Ela observou que o consequencialismo já deveria estar pressuposto na interpretação do Direito. Explicou que tanto o intérprete gestor público quanto o intérprete juiz, ao aplicarem o ordenamento jurídico, não fazem uma mera subsunção do texto normativo e não se utilizam do fato só como premissa menor para uma conclusão logicamente derivada dessa situação, pois, na hermenêutica jurídica, dentro de uma vertente mais pós-positivista, percebe-se que existe um fator de subjetividade, de criatividade do intérprete quando da criação da norma individual.

 

A professora ponderou que às vezes o intérprete exercitando mentalmente quais serão as consequências da aplicação do texto normativo, se perceber que os efeitos seriam contrários àquilo que se deseja quando criado o texto normativo e a principiologia daí decorrente, pode se considerar diante de uma lacuna em relação àquela norma individual. “Isso porque o Direito não serve a descrever a realidade perfeitamente e sim a regular relações jurídicas e comportamentos tendo em vista algumas finalidades previstas, ou seja, o Direito não é uma ciência natural, é a ciência social aplicada,  daí porque o ordenamento tem uma faceta teleológica e não simplesmente lógica”, ponderou.

 

Irene Nohara discorreu ainda a respeito da responsabilidade de agentes públicos e do controle judicial das decisões administrativas. “A linha do ponto de vista da hermenêutica é muito tênue. A aplicação da norma pelo Poder Judiciário é criativa. Então, esse limite não é dado tão somente pela interpretação do texto normativo, ou seja, se o texto normativo contempla um conceito jurídico indeterminado, não existiria necessariamente uma discricionariedade. A aptidão de cada caso concreto deve ser analisada porque ele pode recair sobre a zona de certeza negativa ou sobre a zona de certeza positiva e isso legitima o controle judicial”, ponderou.

 

RF (texto) / MA (fotos)


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