Curso de Direito Civil Patrimonial tem aula sobre desconsideração da personalidade jurídica

Exposição foi ministrada por Carlos Alberto Garbi.

 

O tema “Desconsideração da personalidade jurídica” foi debatido na aula do último dia 20 do 1º Curso de especialização em Direito Civil Patrimonial da EPM. A palestra foi proferida pelo desembargador aposentado Carlos Alberto Garbi, com a participação do juiz Enéas Costa Garcia, coordenador adjunto do curso.

 

Carlos Garbi discorreu inicialmente sobre a origem da pessoa jurídica e sobre os fundamentos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Ele explicou que a personalidade jurídica é uma técnica jurídica que se empregou especialmente em favor do desenvolvimento da atividade empresária, constituindo um meio muito eficiente de separar o patrimônio e a responsabilidade societária do empresário e da pessoa natural. Ele recordou que antes de surgir efetivamente a ideia de uma pessoa jurídica, já se reconhecia em favor das atividades empresárias ou do negócio uma separação informal, que era reconhecida no mercado pelos credores e pelas pessoas em geral. A técnica jurídica aplicada na separação levou à criação da pessoa jurídica.

 

O palestrante salientou que o empresário pode eventualmente abusar da pessoa jurídica e, como reação contra esses abusos, surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no sistema anglo-americano, italiano e alemão, sendo adotada no Brasil no final da década de 1970. Ela visa superar o véu da pessoa jurídica e encontrar o sócio como o verdadeiro devedor responsável efetivamente pela dívida.

 

O professor elucidou que a livre iniciativa, assegurada na Constituição Federal, tem como um dos seus fundamentos a possibilidade de se limitar a responsabilidade. Há portanto a obrigação de a lei oferecer ao empresário tipos societários que possibilitem limitar o risco ao patrimônio pessoal. “Por isso que não se deve desconsiderar a personalidade jurídica contrariando aquilo que a lei ofereceu ao empresário. No entanto, quando houver motivos, não devemos encontrar nessa pessoa jurídica uma barreira intransponível”, ponderou.  

 

Carlos Garbi enfatizou que essa separação patrimonial não é respeitada efetivamente no Brasil, especialmente nas pequenas e médias empresas. Salientou que há uma falta evidente de cultura, de compromisso com a separação patrimonial, e que não se tem ainda bem definida a ideia de que uma vez constituída a pessoa jurídica, ela tem vida e capital próprios e que o sócio só pode tirar dinheiro da sociedade pelo pró-labore ou quando se apura o resultado e se faz a distribuição de lucros. E ressaltou que isso não é o que ocorre comumente. “As pessoas vivem efetivamente a vida empresarial como se fosse uma extensão da sua vida privada e depois se queixam quando se desconsidera a personalidade jurídica”, observou.

 

O palestrante ponderou ainda que as dificuldades da desconsideração da personalidade jurídica decorrem em boa medida da falta de reflexão sobre os fins e funções das pessoas jurídicas em geral e que o tecnicismo continua a ser um obstáculo para que se possa encontrar o verdadeiro devedor por baixo desse véu.

 

Ele citou as fontes legislativas que cuidam da desconsideração: artigo 135 do Código Tributário Nacional, aplicado por analogia; Lei 6.024/74, artigo 36, que regula a liquidação extrajudicial de instituições de crédito; Lei 8.884/94, artigo 18 e Lei 2.529/2011, artigo 34; Lei de Defesa da Concorrência; Lei 9.605/98, artigo 4º; Lei de Proteção ao Meio Ambiente; Código de Defesa do Consumidor, artigo 28; e Código Civil, artigo 50.

 

O professor discorreu também a respeito da teoria maior e da teoria menor da desconsideração. Explicou que para a teoria menor, basta insolvência, ela é simplesmente a negação da pessoa jurídica. Para a teoria maior, além da insolvência deve haver abuso da personalidade jurídica para que se possa alcançar o patrimônio do sócio. Ele ponderou que, se de um lado a teoria menor anula a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, por outro, a teoria maior não atende a certas situações de credores de pequeno valor e credores involuntários (vítimas de atos ilícitos), tidos por credores mais fracos em relação aos credores profissionais ou institucionais que sempre defendem seus créditos com garantias.

 

Sobre a desconsideração inversa da personalidade jurídica, ele esclareceu que ela ocorre quando é a sociedade que esconde o patrimônio do sócio. E salientou que hoje isso está acontecendo com maior frequência, surgindo na jurisprudência essa ideia para combater o abuso da pessoa natural em face de seus credores pessoais.

 

O expositor ressaltou ainda que a fraude ou abuso de direito não é a única causa de desconsideração da personalidade jurídica. Ele explicou que, além dos casos de responsabilidade por abuso da pessoa jurídica, pode ocorrer também a desconsideração em caso de imputação, quando se imputa à sociedade ou sócios certa qualidade ou comportamento, como o sócio que não respeita a obrigação de não concorrer, no caso de trespasse, usando outra pessoa jurídica; venda de participação que equivale à venda da própria empresa para fim de concorrência; venda a descendentes; e pessoa impedida de voto que não pode usar pessoa jurídica para esse fim.

 

Citando Calixto Salomão Filho, salientou que para o empresário assegurar-se de não ver seu patrimônio pessoal envolvido no insucesso do seu negócio ele deve dotar a sociedade do mínimo de capital necessário ao exercício da sua atividade; observar a rigorosa separação de sua esfera patrimonial pessoal da esfera social; e não usar da forma societária para benefício próprio.

 

A seguir, Carlos Garbi discorreu a respeito de questões controvertidas envolvendo a desconsideração da personalidade jurídica, entre elas a dissolução irregular da empresa; as hipóteses de subcapitalização ou descapitalização; a natureza da responsabilidade dos sócios e administradores em caso de desconsideração; a extensão da desconsideração; e desconsideração em benefício da pessoa jurídica ou do sócio. Por fim, explanou a respeito das diversas hipóteses de desconsideração em casos de grupos de sociedades e as dificuldades de constatação.

 

RF (texto) MA (fotos)


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