Jurisprudências de Direito Ambiental da França e do Brasil são debatidas na EPM
Participaram magistrados da Corte de Cassação da França.
Com exposições dos magistrados da Corte de Cassação da França Christian Pers e Denis Jardel e do desembargador Ricardo Cintra Torres de Carvalho, coordenador da Área de Direito Urbanístico e Meio Ambiente da EPM, foi realizada no último dia 25 na Escola a palestra Análise comparativa entre a jurisprudência de Direito Ambiental da França e do Brasil. O evento teve a participação do diretor da EPM, desembargador Francisco Eduardo Loureiro; e do juiz Álvaro Luiz Valery Mirra, também coordenador da Área de Direito Urbanístico e Meio Ambiente da EPM.
Na abertura dos trabalhos, Francisco Loureiro agradeceu a presença de todos, em especial dos palestrantes e dos coordenadores. “É fundamental essa troca de experiências entre a jurisprudência francesa e a do Brasil sobre esse tema tão relevante”, ressaltou.
Ricardo Cintra Torres de Carvalho lembrou que a organização judiciária da França não corresponde exatamente à do Brasil e esclareceu que a Corte de Cassação francesa equivale ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele salientou que o evento teve como objetivo analisar de que maneira os problemas ambientais são resolvidos e permitir uma comparação acerca do desenvolvimento do Direito Ambiental no Brasil e na França.
Denis Jardel iniciou as exposições com um panorama histórico da evolução do Direito Ambiental na França, até se tornar uma área autônoma do Direito, com a codificação das leis ambientais em 2000, para proteção dos espaços naturais, paisagens, espécies animais e vegetais e do equilíbrio biológico e dos recursos naturais, bem como para regulamentação sobre Biotecnologia e segurança nuclear, entre outras questões.
Ele explicou a organização da Justiça na França e salientou que em matéria de Direito Ambiental é muito importante a influência do Direito Internacional, das convenções e tratados que fazem parte do corpo jurídico francês e das diretivas adotadas pela União Europeia. Ele explanou ainda sobre a jurisprudência civil da Corte Penal em matéria de Direito Ambiental.
Denis Jardel discorreu sobre os requisitos para a atividade industrial que envolve riscos ambientais, frisando que se o risco for grave é necessário obter autorização legislativa. Quando a atividade impõe menos perigo, é preciso apenas autorização municipal. Ele explicou que a legislação ambiental francesa inclui atividades agrícolas e outras que possam causar dano. Enfatizou que um dos princípios é a despoluição: quando é encerrada uma atividade industrial, o último encarregado dessa atividade deve despoluir o terreno. E acrescentou que não se trata necessariamente de uma obrigação integral. Não existe a obrigação de despoluir para permitir a construção de uma casa, por exemplo. O comprador pode obrigar o último explorador a despoluir o terreno quaisquer que sejam os termos do contrato de venda.
O palestrante destacou que em 2016 foram introduzidos no Código Civil francês os artigos 1.246 a 1.249, que tratam da reparação do dano ambiental, incluindo a noção de dano ecológico puro. E informou que o artigo 1.246 estabelece que toda pessoa responsável por um prejuízo ecológico deve repará-lo. Ele ensinou que no Direito francês existe a teoria do risco anormal de vizinhança, que é um direito jurisprudencial. Se o transtorno provocado for anormal, basta provar que vem do vizinho para obter uma reparação. E não é necessário provar um erro ou a violação das regras. “Isso repousa essencialmente sobre uma regra de imputabilidade sem erro. Será essa a responsabilidade civil que atribuiremos em matéria ambiental? Teremos a resposta em alguns anos”, ponderou.
Jurisprudência da Corte Penal
Na sequência, Christian Pers explanou sobre a jurisprudência da Corte Penal. Ele explicou que o Código Penal de 1994 não integrou nenhum delito ao Direito Ambiental, mas reconheceu o crime de terrorismo ecológico, relacionado à liberação na atmosfera, no solo e na natureza de substância que coloca em perigo a saúde do homem ou o meio natural.
Ele explicou que para o juiz penal também é muito importante o código comunitário, no caso, as diretivas penais da União Europeia, principalmente a de 19 de novembro de 2008, relativa à proteção do meio ambiente pelo Direito Penal. “Essa diretiva é muito interessante, pois diz que o respeito às diretivas europeias pode ser reforçado pela existência de sanções penais que refletem a desaprovação da sociedade. Ela tem como objetivo harmonizar a legislação dos países europeus para evitar que os autores de infrações joguem com as diferentes legislações e tirem proveito de paraísos penais”, esclareceu. Ele ressaltou que as sanções penais devem ser dissuasivas e que os estados membros também devem estar de acordo para que as pessoas jurídicas também possam ser acionadas.
O palestrante explicou que o juiz pode adotar um raciocínio dedutivo no que diz respeito à causalidade, que o elemento relacionado à infração também pode se mostrar inventivo e precursor e que o legislador consagra essa evolução. “No que diz respeito à causalidade, nos demos conta da atividade nos acidentes industriais geradores de prejuízo tanto para certas vítimas quanto para a coletividade e isso é ainda mais delicado pelo fato de que alguns prejuízos podem ocorrer tardiamente. Entre a causa e o prejuízo podem se passar dez ou quinze anos”, asseverou.
Em relação à causalidade, esclareceu que a pluralidade de causas é admitida tratando-se de uma situação em que se coloca outrem em perigo de homicídio ou de ferimentos involuntários. “A noção de causa direta e certa evoluiu para a noção de probabilidade causal, que parece mais adaptada à responsabilidade ambiental”, explicou. Citou como exemplo um processo chamado AZF, nome de uma substância química que explodiu em 2001, matando duas mil pessoas e ferindo oito mil. A empresa acusada fabricava ao mesmo tempo nitratos e produtos clorados, mas, após diversas perícias, os detidos foram libertados, com a justificativa de que não havia certeza absoluta de que a reunião dos dois produtos químicos teria causado a explosão. “Contrariamente, o Tribunal decidiu pela condenação, pois, tendo examinado as causas possíveis, por meio de eliminação, concluiu que sem dúvida a causa da explosão era a mistura do nitrato com o produto clorado. Nós nos pronunciamos em 2015 sobre essa questão e com relação a esse ponto o raciocínio da Corte Penal nos pareceu correto”, elucidou.
O expositor informou que em 2010 houve um raciocínio análogo no caso de um produtor de chumbo proveniente de reciclagem de baterias usadas, que havia sido acionado por colocar outrem em perigo. A Corte Penal admitiu a causalidade por eliminação. As perícias provaram que havia poluição do solo por chumbo e poluição atmosférica, mas havia dificuldade em se provar os danos causados à vítima por essa poluição. A Corte manteve esse vínculo de causalidade em vista de estudos científicos que demonstravam a nocividade do chumbo, assim como estudos da seguridade social que mostravam doenças infantis causadas pelo metal. “O juiz penal pode se manifestar também em relação aos elementos dedutivos e aos intencionais da infração. Em alguns casos considerou-se que esse elemento intencional poderia vir da materialidade dos fatos”, explicou.
Christian Pers ressaltou que o juiz penal mostrou-se inventivo e precursor, pois em matéria de poluição marítima ele interpretou de modo extensivo a noção de temeridade para permitir uma indenização mais ampla possível. E ressaltou que foi o legislador que consagrou a evolução dessa jurisprudência. Ele citou caso envolvendo o navio petroleiro Erika, que se chocou e espalhou quase 15 mil toneladas de óleo puro. Foram reconhecidas infrações penais contra o fretador do navio, a sociedade de certificação do navio e todas as pessoas que participaram do ato de transporte. Ele explicou que na França o juiz penal também estatui sobre os prejuízos civis resultantes das infrações. “A sentença do caso do petroleiro Erika foi muito comentada porque pela primeira vez foi admitida a existência de um prejuízo ecológico puro e dada uma definição no nível Judiciário: todo ataque ao ambiente natural – o ar, a atmosfera, os sítios naturais, a biodiversidade e as interações entre esses elementos – que não tem repercussão sobre um interesse particular, mas que tornou-se um interesse coletivo.
Ele enfatizou que é reclamado por alguns autores o estabelecimento de um arsenal repressivo no plano internacional, na medida em que se pode considerar uma alta da criminalidade ambiental transnacional, das chamadas “ecomáfias”, grandes empresas multinacionais que atuam no tráfico de dejetos tóxicos e de recursos de alumínio ou de produtos de espécies protegidas. Encerrando sua exposição, lembrou que o Direito Ambiental está em constante evolução. “Eu considero que o juiz penal que souber se mostrar precursor em alguns domínios tem seu lugar na continuação dessa evolução”, concluiu.
Ricardo Torres de Carvalho apresentou o contexto em que o Direito Ambiental se desenvolve no Brasil e a razão das dificuldades encontradas para sua implantação e desenvolvimento e principalmente para a execução das sentenças. E destacou a dificuldade de coordenar os fatores social, econômico e ambiental nos empreendimentos humanos. “A afirmação de um fator envolve o sacrifício do outro em maior ou menor proporção. Ou partimos da vertente ambiental, ou da econômica, ou da social”, observou.
Ele recordou que a Constituição Federal de 1988 cuidou desses três aspectos. E observou que o artigo 170 trata do desenvolvimento econômico e apenas menciona que ele levará em consideração a questão ambiental, enquanto que o artigo 182 não menciona a questão ambiental. Ele citou as leis criadas para proteção do meio ambiente e ressaltou que o juiz precisa fazer a ponderação entre a autonomia legislativa e a definição do que seria o retrocesso ambiental, ou seja, até que ponto o legislador pode modificar uma determinada proteção, quando uma redução da proteção ambiental implica em um dano constitucional e ofensa ao artigo 225.
RF (texto e fotos)