Núcleo de Estudos em Direito Tributário retoma atividades com debate sobre conexão entre tributação e direitos fundamentais

Ministra Regina Helena Costa foi a expositora.

 

No último dia 15 teve início a segunda edição do Núcleo de Estudos em Direito Tributário da EPM, sob a coordenação da desembargadora Mônica de Almeida Magalhães Serrano e do juizEurípedes Gomes Faim Filho. Foi discutido o tema “Tributação e direitos fundamentais", com exposição da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Regina Helena Costa.

 

A abertura do encontro foi feita pelo diretor da EPM, desembargador Francisco Eduardo Loureiro, que agradeceu a participação da ministra e dos magistrados integrantes do núcleo, realizado presencialmente e a distância, bem como o empenho dos coordenadores do núcleo.

 

Regina Helena Costa iniciou a exposição citando o professor Geraldo Ataliba, que dizia que o sistema tributário brasileiro é único, pois é delineado na própria Constituição Federal. “A Constituição traz regramentos específicos de tributos e vai muito além do que estabelecer meras diretrizes, o que significa dizer que o constituinte avocou um regramento e limitou a liberdade do legislador infraconstitucional”, salientou.

 

Ela ponderou que antes de entender o Direito Tributário, é preciso entender a Constituição. “A tributação é uma matéria extremamente constitucionalizada e por isso o papel do Código Tributário Nacional é secundário e ele não ostenta a mesma importância que a legislação codificada de outras áreas. É dessa percepção que vai depender a correta compreensão de uma série de institutos e a interpretação e aplicação de outras normas do Direito Tributário”, frisou.

 

A expositora recordou ainda que o conceito de tributação compreende três atividades estatais amplas, sendo uma delas consubstanciada em atividade legislativa, que é a instituição de tributos, e duas administrativas, que são arrecadação e a fiscalização.

 

A respeito dos direitos fundamentais, lembrou que receberam proteção máxima do ordenamento jurídico brasileiro, sendo caracterizados por um regime jurídico próprio, que lhes outorga a condição de cláusulas pétreas da Constituição Federal, impossibilitando assim que se delibere sobre uma emenda que vá atingir direitos e garantias, além de terem aplicação imediata de suas normas. “As disciplinas dos direitos fundamentais e da tributação estão na Constituição Federal, o que torna mais fácil entender que a tributação precisa se harmonizar com o exercício dos direitos fundamentais”, ponderou.

 

Nesse sentido, chamou a atenção para o conceito de “visão humanista da tributação”, uma visão universal, já presente em alguns países, segundo a qual o foco não é apenas a arrecadação, mas a utilização da tributação como instrumento para proteger os direitos e garantir o seu exercício, jamais sendo utilizada para amesquinhá-los ou até mesmo eliminá-los. “A tributação é o meio mais eficiente e mais importante para o Estado gerar receita, mas esse não é o seu único propósito e nem deve ser a única preocupação do poder público quando exerce essa atividade. Estamos falando em custeio de serviços públicos de um lado e asseguramento do exercício dos direitos individuais e dos direitos fundamentais de outro”, asseverou, acrescentando que a atividade tributária deve ser vista como “um meio para dar suporte ao exercício de direitos fundamentais e, no mínimo, de não ser um instrumento para interferir ou obstar o exercício desses direitos”.

 

A seguir, enfatizou a necessidade de conectar a atividade tributária aos objetivos fundamentais da República, conforme estabelecido no artigo 3º da Constituição Federal. “A tributação se presta para viabilizar esses objetivos, em especial buscar minimizar desigualdades. A ‘sociedade livre, justa e solidária’ é uma verdadeira diretriz para a tributação, que abrange não apenas a exigência de tributos, mas uma gama de outros instrumentos, como incentivos fiscais, isenções, benefícios e exonerações parciais”, ressaltou, frisando que os objetivos do artigo 3º não são inalcançáveis e devem estar na mente daqueles que dirigem a tributação.

 

Regina Helena Costa destacou também a “faceta tributária” da cidadania, observando que ser cidadão do ponto de vista tributário significa poder ser contribuinte. “Isso está ligado à própria voz do cidadão, que pode dizer ‘eu sustento o Estado, eu contribuo para as despesas do Estado, eu posso exigir do Estado’, mas quantos milhões de brasileiros não podem dizer isso? Uma grande parcela da população brasileira não é cidadã do ponto de vista tributário”, ressaltou.

 

Reforma tributária e acesso a direitos

 

Por fim, Regina Helena Costa discorreu sobre a relação entre tributação e direitos fundamentais sob os aspectos do acesso a direitos sociais e da reforma tributária.

 

A respeito do acesso a direitos sociais, observou que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou em dezembro de 2017, por meio do relatório Síntese de Indicadores Sociais (SIS), uma análise com base na “pobreza multidimensional”, conceito que não leva em consideração apenas a renda da população, mas mede também o acesso a bens e serviços que estão relacionados aos direitos sociais definidos no artigo 6º da Constituição Federal. Segundo o relatório, 64,9% da população brasileira tinha, em 2017, restrição a pelo menos um dos direitos analisados. Nesse contexto, asseverou que a tributação é um instrumento para reduzir desigualdades e construir uma sociedade mais justa, ponderando que devem ser utilizados recursos provenientes da arrecadação e redução da carga tributária para determinados grupos.

 

Em relação à reforma tributária, lembrou que um dos entraves para a reforma é o fato de o sistema tributário ser altamente delineado na Constituição, fazendo com que seja preciso uma mudança na Constituição para “se falar em uma verdadeira reforma”. Ela também destacou as dificuldades decorrentes da estrutura e da divisão política brasileira: “estamos em uma federação, com tríplice ordem jurídico-política. Estados como Alemanha e Estados Unidos têm dúplice ordem jurídico-política. Aqui, temos mais uma pessoa política, os municípios, que também tem sua competência tributária própria”.

 

A ministra chamou a atenção para a necessidade de se discutir a questão sob o ponto de vista social, lembrando que os direitos fundamentais nunca foram pauta nas discussões sobre a reforma. E ponderou que uma tributação mais justa, sobretudo das pessoas físicas, é uma questão que prescinde de mudança constitucional, pois significa alterar a maneira como a tributação é realizada atualmente – a maior parte é taxada sobre o consumo. Ela salientou que em seu estudo mais recente sobre a carga tributária, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) concluiu que dois terços da carga brasileira recaem sobre o consumo, ficando assim apenas um terço sobre renda e patrimônio. “Quando o sistema opta por uma carga tributária que se concentra em dois terços no consumo e alivia patrimônio e renda, está se tributando indistintamente os mais pobres”, ressaltou.

 

Os magistrados podem assistir a gravação do encontro na Central de vídeos.

 

LS e MA (texto) / RF (fotos)


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