EPM inicia o módulo ‘Recuperação de empresas e falência’ do curso de Direito Empresarial
Aula inaugural foi ministrada pelo presidente do TJSP.
Com a aula “Direito falimentar e recuperacional – evolução do Direito Concursal no Brasil”, proferida pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, teve início hoje (21), o módulo II, “Recuperação de empresas e falência”, do 9º Curso de especialização em Direito Empresarial da EPM, também oferecido como extensão universitária.
A abertura dos trabalhos foi feita pelo diretor da EPM, desembargador Francisco Eduardo Loureiro, que agradeceu a presença de todos e destacou a carreira acadêmica do palestrante e sua atuação na magistratura, salientando que aprendeu muito com ele durante o período em que trabalharam juntos na 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.
Também coordenador do curso, Pereira Calças observou inicialmente que o mais difícil na Justiça é concretizar o comando da sentença ou do título de crédito, tornar realidade a obrigação reconhecida, fazendo com que o crédito não adimplido espontaneamente o seja coercitivamente, com base na soberania do Judiciário.
Ele esclareceu que inadimplência é uma situação pontual. É o não cumprimento de uma determinada obrigação no prazo ajustado, que pode ser causada por diversos motivos. Em relação à insolvência, esclareceu que se trata de um estado econômico, patrimonial: “é aquela situação em que o patrimônio do devedor não tem força financeira para honrar a totalidade dos compromissos que oneram aquele patrimônio, ou seja, o passivo é superior ao ativo”.
Quanto à separação dos conceitos de empresa e empresário, explicou que a empresa é a organização constituída pelo empresário (dono da empresa). “A organização é o objeto de tutela do direito empresarial. É ela que interessa aos valores sociais e à economia do país”, observou.
O presidente apresentou um retrospecto da evolução do Direito Falimentar, desde o Direito Romano até a atualidade, com destaque para o advento da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falência). Recordou inicialmente como a inadimplência era tratada pelo Direito Romano: o devedor inadimplente era submetido à condição de escravo. A partir da edição da Lex Poetelia Papiria (cerca de 326 a.C.), aquele instituto foi abolido e a dívida patrimonial passou a ser vinculada exclusivamente ao patrimônio do devedor. Discorreu também sobre a evolução do direito de realizar o crédito em face do devedor em situação de insolvência, com o concurso de credores e a distribuição pro rata do valor satisfeito na execução.
Ele esclareceu porque a Lei de Falências é também chamada de lei das quebras: a quebra advém de um ritual observado nas feiras medievais, onde surgiu o Direito Comercial atual, as corporações de mercadores, as origens das juntas comerciais, do registro do comércio, da mercancia e de todos os códigos comerciais que hoje disciplinam a vida do mercado. Conforme explicou, as corporações de mercadores em número máximo de mil mercadores eram política e economicamente muito fortes, tinham exército ao seu dispor e justiça própria, chamada Justiça Consular, cujo costume era o seguinte: se o comerciante ou mercador inscrito numa corporação não pagasse os seus credores nas datas mencionadas e se se tornasse insolvente, a banca onde expunha seus produtos era quebrada a pauladas, daí a palavra quebra, ou bancarrota, que em italiano significa banca quebrada.
Sobre a história da evolução do Direito Comercial no Brasil, lembrou que antes da edição do Código Comercial de 1850, o Direito brasileiro era o Direito francês por força da Lei da Boa Razão (1769), quando o Brasil, sem ter leis locais, obedecia às leis estabelecidas pelas nações amigas e cristãs. “Por muito tempo tivemos o Código Comercial francês sendo o código dos brasileiros e, antes disso, tivemos as Ordenações Manuelinas, Afonsinas e as demais ordenações portuguesas que regeram o nosso país”, esclareceu.
O palestrante recordou que em alteração posterior, o Código Comercial de 1850 passou a disciplinar três institutos: a concordata, a falência e a moratória. E explicou acerca dos procedimentos adotados nesses institutos. “Tudo que existe na Lei 11.101/2005 já existia no passado. Nada se inventou de novo, mas apenas se tenta, dentro das possibilidades, fazer com que os credores recebam os seus créditos. Esse é o grande objetivo do processo de falência e recuperação”, frisou.
Novos paradigmas
Pereira Calças chamou a atenção para a nova visão da falência, presente nos princípios da Lei nº 11.101/05, em especial o da preservação da empresa. Lembrou que antigamente a falência era uma punição e chegou até mesmo a ser tratada como crime por alguns ordenamentos jurídicos, como o francês. No entanto, houve uma mudança de paradigma e aquele que está em situação de insolvência passou a ser digno de proteção do Estado, seja o falido ou o recuperável. “Você exclui do mercado o empresário que não conseguiu cumprir suas obrigações, mas salva a organização, para que ela possa prosseguir como uma célula econômica em prol do País”, ressaltou.
O presidente salientou que infelizmente nota-se que poucas são as empresas que efetivamente se recuperaram depois da Lei 11.101/2005. Observou que isso ocorre porque o empresário, talvez por orgulho, tende a retardar ao máximo o ingresso da empresa em um processo de recuperação judicial, somente o fazendo quando já se encontra falido.
Ele ponderou que para salvar o instituto da recuperação judicial a lei tem que ser reescrita, para estabelecer valores mínimos, sem os quais deve ser decretada a quebra. “A falência não é uma pena, mas a solução natural de mercado para quem exerce atividade de risco, que é a atividade empresarial, e não tem sucesso”, observou, ponderando que para que o mercado tenha higidez e segurança, é preciso que aquele que não tenha condições de cumprir os contratos e sobreviver no mercado, seja por falta de expertise ou de ética, seja excluído.
Pereira Calças destacou assim o princípio da recuperação das sociedades e empresários recuperáveis. Segundo observou, aprovam-se planos de recuperação inviáveis, que se arrastam por mais de dez anos. E apontou a necessidade de se modificar a Lei 11.101/2005 no sentido de melhorar a sua efetividade para dar poder ao Judiciário para, quando verificar que a empresa é irrecuperável, decretar a quebra imediatamente, evitando assim perda de tempo, energia e dinheiro.
A mesa de trabalhos foi composta também pela juíza Renata Mota Maciel Madeira Dezem, coordenadora adjunta do curso. O evento teve a participação do desembargador aposentado Manoel Justino Bezerra Filho, palestrante do curso.
RF (texto e fotos)