EPM promove seminário sobre a Lei do Depoimento Especial no Gade II da Seção de Direito Criminal
Evento teve a participação de integrantes do CSM.
Foi realizado ontem (26) o Seminário sobre a Lei nº 13.431/2017 – Lei do Depoimento Especial, promovido pela EPM no auditório do Gade II da Seção de Direito Criminal para magistrados, assistentes jurídicos e delegados de Polícia, sob a coordenação do desembargador Reinaldo Cintra Torres de Carvalho.
A abertura dos trabalhos foi feita pelo presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, que destacou a importância do tema e agradeceu o empenho do coordenador do evento e a presença dos integrantes do Conselho Superior da Magistratura e da Câmara Especial, bem como dos demais participantes. “Estamos irmanados para discutir essa nova forma de colher o depoimento pessoal de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes, sobretudo daqueles de violência sexual”.
O vice-presidente do TJSP, desembargador Artur Marques da Silva Filho, recordou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preconiza que crianças com mais de oito anos de idade obrigatoriamente devem ser ouvidas pelo juiz nas hipóteses de cometimento de infrações e nas questões relacionadas a guarda, a visita, extinção ou suspensão do poder familiar, sendo facultada ao juiz a possibilidade de ouvir o depoimento de crianças com idade inferior a oito anos, em especial quando forem vítimas. “A Lei 13.431/2017 tornou obrigatório que a criança e o adolescente sejam ouvidos em um espaço adequado, para que se sintam bem e possam traduzir o que efetivamente ocorreu e qualquer aperfeiçoamento do depoimento especial é de grande utilidade, sobretudo para nós da Câmara Especial”, ressaltou, chamando a atenção para o aumento dos casos de estupro de vulneráveis.
O corregedor-geral da Justiça, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, ressaltou que a Corregedoria vem implantando as inovações que envolvem a escuta e o depoimento especial e ponderou que a primeira materialização do princípio da proteção integral presente no ECA é a previsão legal da escuta e do depoimento especial, frisando que isso representa uma novidade para os magistrados e demais profissionais envolvidos. “Precisamos ter muita humildade para entender esse novo procedimento e mudar nossa cultura. O legislador estabeleceu, com muita propriedade, a importância de que o menor vitimado ou testemunha seja acompanhado por um técnico especial, que é o psicólogo, que tem a capacidade para colher o depoimento, sob a supervisão do magistrado, ou fazer a escuta, com o acompanhamento do delegado, para que possamos evitar a revitimização do menor e responsabilizar o autor”, asseverou.
O desembargador Reinaldo Cintra Torres de Carvalho agradeceu o apoio dos integrantes do CSM e da EPM para a realização do seminário e afirmou que a Lei 13.431/2017 é um marco no processo criminal e talvez seja a primeira resposta da Justiça Criminal com relação ao tratamento que deve ser dispensado às vítimas, observando que em geral são tratadas como meras testemunhas ou peças de um processo criminal. “Para alguns, a punição do agressor ou do criminoso seria a resposta estatal para a pessoa que sofreu essa violência. Na minha visão, quando o Poder Judiciário e a legislação penal se abrem para acolher a vítima e entender a situação que ela passou e vivencia, está dando uma resposta muito mais produtiva do que a mera punição do criminoso”, asseverou.
Exposições
O desembargador Carlos Vico Mañas iniciou as exposições com uma abordagem dos princípios que fundam a nova legislação. Ele recordou como era o procedimento de colheita do depoimento de crianças e adolescentes antes do advento da Lei 13.431/17, salientando que muitas vezes eram submetidos a sucessivas inquirições, que podiam chegar a dez, por diferentes profissionais, reavivando a experiência traumática. “A busca da punição do abusador muitas vezes negligencia a defesa dos direitos das vítimas e familiares envolvidos”, ponderou, destacando o objetivo da nova lei de minimizar no desenvolvimento da criança e do adolescente os malefícios sofridos, evitando a revitimização.
O palestrante explicou que o abuso sexual configura a chamada “Síndrome do segredo” para as crianças e a “Síndrome da adição” para o adulto. Lembrou que é o segredo que mantém fechado o ciclo do abuso e que, para manter esse segredo, o adulto se vale de inúmeras estratégias, como atribuir à criança a responsabilidade pelo abuso ou ameaçá-la, daí a importância dos cuidados no trato com crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas. “Sem especialização e um sistema eficiente, a busca singela de responsabilização do autor do fato pode levar a consequências altamente indesejáveis”, frisou.
Na sequência, o juiz Eduardo Rezende Melo discutiu algumas questões práticas acerca da forma de tomada do depoimento e do fluxo para sua realização. Ele falou sobre a natureza e a obrigatoriedade da utilização do depoimento especial, lembrando que se trata de um direito da criança e do adolescente presente não apenas na Lei 13.431/17, mas também em normas e tratados internacionais, como o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do qual o Brasil faz parte, que prevê em seu artigo 8º que os “Estados-Parte adotarão as medidas apropriadas para proteger os direitos das crianças vítimas de práticas proibidas pelo presente protocolo, reconhecendo a vulnerabilidade das crianças e adotando procedimentos para reconhecer suas necessidades especiais, inclusive como testemunhas”.
Ele mencionou também a Diretriz da Justiça em Assuntos Concernentes a Crianças Vítimas e Testemunhas que prevê em seu artigo 11 o direito à proteção contra os sofrimentos no curso do processo. Destacou ainda aspectos que podem ter relação com a violência institucional, como a recusa da criança em prestar depoimento. O palestrante explicou que a criança passa por uma entrevista inicial com o técnico para uma avaliação preliminar sobre sua capacidade de relato e memória. Ele observou que nesse momento a criança pode dizer que não quer depor e lembrou que a Lei 13.431/17 estabelece, em seu artigo 5, inciso VI, que é um direito da criança e do adolescente “ser ouvido e expressar seus desejos e opiniões, assim como permanecer em silêncio”.
Encerrando as exposições, a psicóloga Irene Pires Antônio, supervisora do Serviço de Depoimento Especial da Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJSP, discorreu sobre a forma da colheita do depoimento por técnico do Poder Judiciário e sobre importância da interação com o magistrado que preside a audiência. Ela apresentou as etapas do depoimento especial e metodologias de entrevista, enfatizando que cada fase da infância demanda uma abordagem específica. E ressaltou que crianças e adolescentes testemunhas de violência sofrem tanto quanto as vítimas, sendo necessário igual cuidado durante o depoimento.
Ela chamou a atenção para a experiência da dor psíquica em relação ao fato vivido. Explicou que quando ocorre um trauma, é possível que o indivíduo recorde do ocorrido com detalhes exagerados ou incorpore momentos que não aconteceram às memórias da situação experimentada. Nesse sentido, observou que a criança ou o adolescente podem confundir datas ou relatar momentos do abuso que não ocorreram, o que de maneira alguma invalida o relato como um todo. Apontou também alguns cuidados que devem ser tomados, como não hostilizar a criança que volta atrás em seu depoimento, mas atentar às possíveis causas dessa mudança, como sentimento de culpa, ameaças e pressão de adultos próximos.
O seminário também teve a participação do desembargador José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino, decano do TJSP, entre outras autoridades.
LS e MA (texto) / RF (fotos)