Segurança das barragens no Estado de São Paulo é debatida em encontro na EPM
Participaram especialistas de diversas áreas de atuação.
No último dia 25 foi realizado na EPM o encontro Segurança das barragens no Estado de São Paulo – riscos e perspectivas, que reuniu representantes dos setores público, privado e acadêmico, sob a coordenação do desembargador Ricardo Cintra Torres de Carvalho e do juiz Álvaro Luiz Valery Mirra.
Na abertura dos trabalhos, Ricardo Torres de Carvalho explicou que o objetivo do encontro foi propiciar a magistrados e outros profissionais a compreensão sobre o funcionamento do sistema de mineração sobre a realidade dos fatos relacionados às barragens. “Somos surpreendidos por uma série de eventos de largo espectro com consequências econômicas, físicas, humanas e ambientais que nos deixaram perplexos. Precisamos compreender como funciona essa questão da mineração para fazermos uma aplicação coerente do Direito aos fatos reais e não a fatos presumidos”, ressaltou.
O desembargador Paulo Celso Ayrosa Monteiro de Andrade, integrante da Segunda Câmara Reservada ao Meio Ambiente do TJSP também enfatizou a importância do evento, lembrando que no Estado de São Paulo há várias barragens de mineradoras e de água e que há uma série de questionamentos a respeito de sua higidez. “Nós tivemos problemas relacionados ao Vale do Ribeira, no Vale do Paraíba e na Alta Paulista. Precisamos ter a certeza dos fatos para decidirmos adequadamente”, frisou.
O presidente do Conselho Superior de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Eduardo San Martin, destacou o envolvimento cada vez maior da sociedade com a temática ambiental. Ele enfatizou a relevância da atuação do Poder Judiciário e o empenho da FIESP junto ao setor produtivo e aos diversos representantes dos setores relacionados para o cumprimento das leis. “Contem com o setor produtivo paulista como aliado nessa luta por uma melhoria da qualidade de vida de todos nós”, declarou.
Exposições
O diretor de assuntos ambientais do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Rinaldo César Mancin, iniciou as exposições informando que o Instituto conta com cerca de 130 associados que representam 90% do PIB do setor. Ele ressaltou que o impacto da ruptura das barragens de Mariana e Brumadinho trouxe consequências globais. O palestrante salientou que entidades internacionais como o Conselho Mundial de Mineração e Metais, a Comissão Mundial de Grandes Barragens e a Associação de Mineração do Canadá estão liderando movimentos globais para discussão de um padrão internacional de segurança de barragens, sendo que o padrão canadense é referência mundial. E frisou que o Ibram participa desses movimentos e promove eventos voltados para o desenvolvimento sustentável da atividade.
Ele esclareceu que o Brasil produz cerca de 80 substâncias minerais, entre elas nióbio, minério de ferro, bauxita e manganês, mas destacou que os principais produtos minerados são agregados à construção civil e que praticamente em todos os municípios ocorre a busca por pedra, areia, brita e argila. O palestrante discorreu sobre a tecnologia de barragens, métodos utilizados e novas tecnologias, citando ainda métodos alternativos para a disposição de rejeitos, como filtragem com tubos e membranas geotêxteis.
Rinaldo Mancin defendeu uma revisão do regulatório de boas práticas e normas técnicas relacionadas à segurança de barragens e falou sobre as alterações, definições e imposições de procedimentos e fiscalização nas legislações federal e estadual. Mencionou também o cadastro nacional de barragens e o sistema integrado de gestão em segurança e monitoramento periódico. Ele lembrou que após a ruptura da barragem de Brumadinho, foi editada a Resolução nº 4/2019 da Agência Nacional de Mineração (ANM), que proibiu a utilização de construção ou alteamento de barragens de mineração denominados “a montante” e determinou o descomissionamento (esvaziamento) e descaracterização das barragens a montante. Proibiu também qualquer instalação, obra ou serviço na zona de auto salvamento e o barramento para armazenamento de efluente líquido imediatamente a jusante. E ponderou que haverá dificuldades para as empresas atenderem à legislação: “muitas empresas, por dificuldades técnicas e financeiras, podem deixar de operar a partir da descaracterização de suas barragens”.
Na sequência, o engenheiro Alexandre Orlandi Passos, pesquisador do Núcleo de Pesquisa para a Mineração Responsável da Universidade de São Paulo (NAP.Mineração/USP), apresentou informações técnicas sobre a atividade mineradora e propôs mudança filosófica para fomentar o desenvolvimento social, o desenvolvimento regional e o respeito ao meio ambiente. “A mineração não será excluída da vida em sociedade, pois tudo que consumimos tem a participação da mineração. Ela é essencial, mas não pode ser obtida a qualquer custo”, ponderou.
Ele ressaltou que há três pilares de atuação da sustentabilidade – social, econômica e ambiental – e que eles devem estar alinhados para a mineração sustentável. “Os três pilares devem ser atendidos. Não se pode onerar só a mineração”, ponderou. E observou que isso será possível com a introdução de inovações e que há uma série de mecanismos de financiamentos para facilitar a sua introdução. Acrescentou que a sustentabilidade da mineração requer licença social, pois a sociedade deve querer a mineração naquele local; a atividade não deve ser tida como atividade fim, mas como atividade meio para a construção de algo maior; o relevo deve ser melhorado e a área deve ser trabalhada para torná-la melhor do que era no passado; deve haver fomento do desenvolvimento regional; resíduo zero, com a utilização do rejeito; eficiência energética; e otimização do patrimônio mineral, pois a empresa deve ser eficiente na transformação desse bem para a sociedade. “Se tudo isso for feito, a mineração será sustentável”, afirmou.
Alexandre Passos apontou os riscos das barragens e observou que foi dificultada a construção de barragem a jusante, mas facilitada “a montante”. Ele enfatizou que o principal problema no Brasil não é a barragem, mas a estagnação da produtividade na indústria de transformação, que se mantém nos mesmos patamares, enquanto que nos Estados Unidos a produtividade foi mais do que triplicada e na Coréia chegou a ser duplicada desde 1965. “A desindustrialização que vemos no Brasil tem muito a ver com isso”, observou, destacando também a necessidade de maior efetividade na gestão das empresas, que não é integrada. Ele falou sobre as três grandes barragens de Embu, da Mosaic, em Cajatí, e da CBA, em Alumínio CBA, informando que estão com um nível de segurança bem melhor do que as de Minas Gerais. Identificou os desafios a serem enfrentados e citou exemplos de inovações para a mineração sustentável e de projetos mais baratos, até com custo negativo. “Oportunidades existem, estruturas existem, mas falta visão sistêmica, maior espírito de cooperação e até mesmo vontade”, ponderou.
A seguir, o major da Polícia Militar Marcelo Vieira dos Santos, diretor da Divisão de Resposta da Defesa Civil Estadual, explicou a organização do Sistema Nacional de Defesa Civil, relatou o trabalho realizado pela Defesa Civil estadual e o preparo para atuação em caso de emergência e ruptura. Esclareceu que a Defesa Civil é o link entre o empreendedor e o trabalho de percepção do risco à comunidade envolvida. E enfatizou que no Brasil o sistema de Defesa Civil participa da prevenção e da preparação. Explicou como funciona uma ação efetiva, conforme a Lei nº 12.608/12, e a atuação da União, estados e municípios. Esclareceu a diferença entre risco e dano potencial associável e falou sobre os planos de contingência e de atendimento de emergência (PAE). Marcelo dos Santos ressaltou que uma das preocupações é o planejamento elaborado, que estabelece procedimentos para ações de monitoramento, alarme, alerta, fuga, socorro e assistência e planos de evacuamento, enfatizando a importância do preparo e do treinamento. “Os planos já estão sistematizados. Mais de 200 municípios foram convocados para trabalharem e treinarem”, informou.
O promotor de Justiça do Meio Ambiente Geraldo Rangel de França Neto ressaltou que a Lei 12.334/2010 é essencial porque traz os requisitos pelos quais as barragens são efetivamente enquadradas e exigirá uma série de documentos, ações para garantir a segurança e adoção de medidas emergenciais em caso de rompimento. Ele falou sobre a importância da classificação do risco e do dano potencial associado para adoção de um plano de ação de emergência. Explicou que o Ministério Público atua a partir das comarcas locais e dos Grupos de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) e da promotoria especializada da Capital. Esclareceu que a promotoria do meio ambiente pode pedir informações preliminares e instaurar e arquivar inquérito civil para apurar a segurança da barragem, celebrar termo de ajustamento de conduta e promover medidas judiciais. Ele relatou que em São Paulo há 159 barragens, 81 delas com dano potencial associado alto, sendo que 70 têm plano de ação de emergência. Informou ainda que o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) contratou uma empresa que detectará e identificará por meio de imagens de satélite corpos d’agua com mais de quatro hectares. E ressaltou que foram identificadas 76 barragens e que uma das funções do inquérito é exigir que os órgãos prestem informações à sociedade sobre a segurança das barragens no Estado.
Atuação da Cetesb
O gerente do Setor de Operações de Emergência da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Jorge Luiz Nobre Gouveia, explicou como a agência atua em relação à segurança das barragens, com foco em barragens de acúmulo de rejeitos industriais, e falou sobre as dificuldades encontradas. Ele observou que a Lei nº 12.334/2010 é de complexa implantação porque imputa a fiscalização para os órgãos ambientais, mas há necessidade de capacitação dos agentes fiscalizadores. Esclareceu também sobre o processo de fiscalização das barragens. “Um dos aspectos é o relatório de segurança de barragens de 2017 publicado pela Agência Nacional de Águas (ANA), que revela que houve aumento do número de barragens com baixo grau de conservação. A Cetesb regulamentou isso no âmbito estadual com base na legislação federal”, explicou.
Ele relatou que após o evento de Brumadinho, o Governo do Estado criou um grupo formado pela Casa Militar e pela Secretaria do Meio Ambiente para mostrar o diagnóstico das barragens no Estado, que está em fase de finalização. O relatório deverá ser apresentado por um grupo multi-institucional que envolve a Cetesb, a Defesa Civil, o DAEE, a Cesp, a ANA, a ANEEL e a USP, entre outras instituições convidadas.
Jorge Gouveia citou a barragem da companhia de alumínio CBA na região de Sorocaba que abrange os municípios de Sorocaba, Itu e Alumínio e que está sob fiscalização da Cetesb. Informou que ela não contém um resíduo perigoso, mas tem uma altura maior de 15 metros, com alta capacidade de acúmulo de rejeitos e tem uma classificação de dano potencial associado alto. Ele observou que está no processo de licenciamento de equipamentos para deixar a barragem a seco e acrescentou que um dos interesses da lama vermelha é a produção de cimento. Informou ainda que a empresa realiza uma série de medições para acompanhar a estabilidade da barragem da CBA.
Encerrando as exposições, a presidente da Cetesb, Patrícia Faga Iglecias Lemos, ressaltou a necessidade de se avançar nas questões que envolvem as barragens. Ela observou que toda a avaliação é feita sem que se considere a atividade em si sendo desenvolvida pela empresa. Informou que por essa razão a Cetesb acompanha o desenvolvimento da atividade da empresa e pode haver modulação ou mais exigências. E ponderou que isso demonstra uma limitação na atividade de quem está fiscalizando e licenciando. “No entanto, essa mensuração de atribuição de responsabilidade precisa ser mantida no âmbito de quem desenvolve a atividade. E o que percebemos após esses dois eventos foi uma tentativa de se discutir a aceitabilidade dos relatórios que são produzidos pelo empreendedor. Esse tipo de questionamento não é salutar para que tenhamos uma boa condição de operabilidade dessas atividades. Até pelo posicionamento dos nossos tribunais, o que percebemos é que o risco é de quem desenvolve a atividade”, salientou.
Patrícia Lemos ressaltou ainda a necessidade de inovação e enfatizou que os órgãos ambientais devem estar abertos a isso. “As câmaras ambientais na Cetesb estão abertas inclusive para novos temas nesse trabalho conjunto para que possamos equacionar o que é sustentabilidade, que é considerar as questões ambientais e econômicas e a necessidade que nós temos dessas atividades”, concluiu.
RF (texto e fotos)