Prevenção à lavagem de dinheiro é debatida no curso ‘Governança e compliance: combate à corrupção pelo Poder Judiciário’
Maria Balbina Martins de Rizzo foi a expositora.
O tema “Compliance em prevenção à lavagem de dinheiro (PLD)” foi debatido na aula do último dia 9 do curso Governança e compliance: combate à corrupção pelo Poder Judiciário da EPM. A exposição foi ministrada pela professora Maria Balbina Martins de Rizzo e teve a participação dos coordenadores do curso, desembargadora Mônica de Almeida Magalhães Serrano e juiz Eurípedes Gomes Faim Filho.
Inicialmente, Maria Balbina Rizzo observou que a prevenção à lavagem de dinheiro é uma cooperação do setor privado com o setor público. Ela ressaltou que são processadas pelos bancos 17 milhões de mensagens financeiras (ordens de pagamento) ao dia no planeta e que se trata de um mercado muito avançado tecnologicamente para se efetuar o rastreamento. E salientou que uma vez que os bancos são prioritariamente o alvo dos criminosos para lavar o dinheiro, as instituições financeiras têm a obrigação de ajudar os órgãos públicos a evitar e a combater esses crimes.
Ela informou que, embora não existam estatísticas oficiais mundiais, o FMI estimou que o volume de dinheiro “lavado” está entre 2% a 5% do PIB mundial, algo entre 1,5 e 3,5 trilhões de dólares ao ano, e que esse valor tem crescido muito com a venda de órgãos e tráfico de pessoas. Observou ainda que a maior parte do dinheiro lavado no mundo é proveniente do narcotráfico, mas no Brasil tem origem na corrupção.
A palestrante explicou que lavagem de dinheiro significa transformar recursos obtidos em ações criminosas em recursos lícitos por meio de um processo de dissimulação e acobertamento da origem ilícita. E apontou os três requisitos para que ocorra o crime de lavagem de dinheiro: infração penal antecedente; ocultação ou dissimulação da sua origem; e inserção dos recursos na atividade econômica como se fossem lícitos. Ela salientou que se trata de crime autônomo e explicou as técnicas comumente utilizadas pelos criminosos.
A professora destacou a Lei nº 9.613/98, que instituiu o crime de lavagem de dinheiro e dispôs sobre o combate e a prevenção. Esclareceu que a lei especifica um rol de 26 atividades ligadas ao mercado financeiro e de movimentação de bens e valores, em geral comercialização de imóveis, títulos e bens móveis de alto valor, como joias e obras de arte. E observou que as pessoas físicas ou jurídicas envolvidas em tais atividades devem cumprir todas as obrigações impostas pela lei, sob a forma de políticas e medidas protetivas e preventivas que devem adotar. Em caso de não observância, estão sujeitas a multas, que podem chegar a 20 milhões de reais, inabilitação temporária, cassação ou suspensão da autorização para o exercício da atividade.
Ela citou caso de joalheria famosa que recebeu multa monumental por não ter efetuado as ações de prevenção. E ponderou que só o fato de alguém pagar elevada quantia de dinheiro em espécie gera suspeição. Salientou que a sanção mais importante é o prejuízo à reputação, que é a percepção que o público tem da instituição, ainda que não seja baseada em fatos reais. E lembrou que reputação não é sinônimo de imagem. “Imagem é o corpo, reputação é a alma. Quando o banco avalia o cliente, essa avaliação não é a respeito do crédito que ele tem, mas da sua reputação”, afirmou.
Maria Balbina Rizzo ressaltou que a lavagem de dinheiro utiliza diversos instrumentos, como os “laranjas” e “testas-de-ferro”, que têm o seu nome utilizado como se proprietários fossem; as empresas “de fachada”, que, embora legalmente constituídas e com atividades lícitas funcionam para lavar dinheiro; os paraísos fiscais e até ONGs.
Em relação aos paraísos fiscais, lembrou que são países com legislação flexível, recolhimento mínimo de tributos e rigoroso sigilo quanto ao nome do detentor do dinheiro. Esclareceu que no Brasil considera-se paraíso fiscal qualquer país que aplique um imposto inferior a 20% da renda ou que permita o sigilo de informação de empresas e sociedades financeiras. Ela observou que as Ilhas Cayman são o quinto maior centro bancário do mundo, com US$ 1,5 trilhão em ativos. E que as Ilhas Virgens Britânicas, sem nenhuma indústria e com aproximadamente 700 mil empresas offshore, são o segundo maior investidor estrangeiro no Brasil. “Isso é principalmente a questão do dinheiro ‘sujo’ que vai e volta como investimento no Brasil”, afirmou.
Quanto às ONGs, ressaltou que aquelas bem organizadas e corretas prestam grande serviço à sociedade, mas há muitas envolvidas em falsas licitações, corrupção e desvio de verbas. Ela observou que no Brasil, há pouco tempo, havia cerca de 500 mil ONGs, mas hoje há cerca de 300 mil porque muitas foram descredenciadas e outras não foram autorizadas.
A expositora acrescentou que a lavagem de dinheiro também ocorre em organizações religiosas, que são muito atraentes porque são fáceis de abrir, são beneficiadas com proteção constitucional e imunidade fiscal, não prestam contas nem sofrem fiscalização e sobrevivem basicamente de doações. Ela lembrou que embora sejam organizações sem fins lucrativos, cuja finalidade é a caridade, existe muito desvio de finalidade e enriquecimento ilícito. E ponderou que, diante de um histórico de abuso e desvio de finalidade, deveria haver fiscalização.
Origem da lavagem de dinheiro
Maria Balbina Rizzo explicou que a versão mais aceita para a origem do termo lavagem de dinheiro (money laudering) foi o fato de que na década de 1920 e 1930, época da Lei Seca nos Estados Unidos, o produto do crime, o dinheiro “sujo”, vinha da produção de bebidas, contrabando e jogos. Al Capone, o conhecido gangster de Chicago, comprou uma rede de lavanderias e misturava os recursos de pequeno valor da lavanderia com os recursos obtidos com o crime para simular uma origem lícita. Daí teria surgido a expressão de que dinheiro “sujo” precisa ser “lavado”. Ela acrescentou que os demais países de língua portuguesa e os espanhóis adotaram “branqueamento de capitais”, mas no Brasil entendeu-se que poderia ter conotação racista e preferiu-se adotar “lavagem de dinheiro”.
A professora lembrou que no contexto jornalístico essa expressão apareceu pela primeira vez no escândalo Watergate, em que pessoas ligadas ao presidente Richard Nixon promoveram uma grande operação de lavagem de dinheiro e invadiram o escritório do Partido Democrata para espioná-los, antes da vitória de Nixon na eleição. Dois repórteres do Washington Post investigaram se Nixon sabia dessas operações e da espionagem no escritório que ficava no edifício Watergate. E uma fonte do FBI dizia para eles “siga o dinheiro”. Por fim, ficou provado que o presidente sabia de tudo e que ganhou as eleições por causa dos subterfúgios utilizados. Com isso, ele teve de renunciar.
A palestrante expôs que depois do término da Lei Seca os criminosos buscaram alternativas de negócios e se concentraram na exploração dos jogos, prostituição e principalmente o tráfico de drogas, que se tornou um crime transnacional. Ela lembrou que vários órgãos começaram a se preocupar com essa situação até que houve a Convenção de Viena em 1988, marco principal para a criminalização da lavagem de dinheiro. A partir daí os países começaram a editar leis nesse sentido. A professora frisou que a preocupação principal não era a lavagem de dinheiro em si, mas asfixiar a atividade do narcotráfico. E que em um segundo momento, outros países a criminalizaram de acordo com um rol taxativo de oito crimes antecedentes, como foi o caso do Brasil em 1998. A terceira geração de leis veio em 2012 quando se passou a criminalizar a lavagem de dinheiro oriunda de qualquer tipo de infração penal.
Atuação do Gafi e do Coaf
A professora explicou que na sequência, em 1989, o G7 (grupo dos sete países mais ricos) criou o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi/FATF), que é o mais importante órgão formulador de políticas e padrões de ações de aplicação global para combater a lavagem de dinheiro. O Gafi publicou as 40 recomendações que formam o padrão internacional de combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa. Ela acrescentou que após os atentados de 2001 o Gafi passou também a combater o financiamento do terrorismo. E observou que embora o Brasil não tenha histórico de terrorismo, os órgãos internacionais tratam esses dois assuntos de maneira conjunta, então todos os tratados, convenções, acordos que o Brasil assina internacionalmente trazem a obrigação de introduzir essas diretrizes na legislação.
A palestrante esclareceu que o Gafi monitora periodicamente o progresso dos países na implementação das recomendações e o seu fiel cumprimento, inclusive por avaliações presenciais. Ele também identifica as jurisdições com alto risco de envolvimento com lavagem de dinheiro e os países considerados não-cooperantes e promove declarações públicas em relação a eles. Se um país não adere às recomendações, os países membros do Gafi não podem operar comercialmente com esse país. Ela acrescentou que se trata de uma ferramenta de trabalho para os países se relacionarem comercialmente.
A professora salientou que o Brasil é membro efetivo do Gafi desde junho de 2000 e precisa estar adequado às recomendações exigidas. Esclareceu que o Brasil ainda não cumpre as 40 recomendações mas tem procurado sanar essa questão com a sua implementação gradativa, encontrando-se numa situação considerada boa.
Maria Balbina Rizzo falou ainda sobre as políticas e procedimentos específicos contra a lavagem de dinheiro no âmbito das instituições financeiras; sobre a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que possui duas vertentes de atuação, uma como inteligência do setor financeiro do Brasil e outra como órgão de supervisão. É o órgão que recebe as mensagens das operações financeiras e hierarquiza as suspeitas. “O Coaf pega toda essa matéria prima e comunica às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis quando concluir pela existência de indícios da prática desse crime ou de qualquer outro ilícito”, enfatizou. Por fim, ponderou que, sem dúvida, todo o trabalho preventivo é menos custoso que uma ação reparadora.
RF (texto)