Representatividade da mulher e diversidade são discutidas em palestra na EPM
Adriana Alves dos Santos Cruz foi a expositora.
A EPM promoveu no último dia 28 de junho a palestra A mulher no espaço público, ministrada pela juíza federal do Rio de Janeiro Adriana Alves dos Santos Cruz.
A abertura dos trabalhos foi feita pelo diretor da EPM, desembargador Francisco Eduardo Loureiro que agradeceu a presença de todos, em especial da palestrante e da desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida, coordenadora da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário (Comesp), bem como o trabalho das coordenadoras do evento, juízas Teresa Cristina Cabral Santana e Rafaela Caldeira Gonçalves, também integrantes da Comesp.
Tereza Santana explicou que o objetivo do evento é ressaltar a importância da diversidade e da representatividade, “que podem colaborar para a construção de um país mais digno, democrático e igualitário”.
Adriana Cruz discorreu inicialmente sobre a questão da permeabilidade entre o público e o privado, salientando que no âmbito do Direito essa divisão é clara, entendendo-se que existe um campo que deve ser respaldado pela atividade do Estado e o espaço que deve ser de plena autonomia do indivíduo. Ela explicou que essa forma de ver o mundo e perceber o Direito parte do pressuposto da teoria liberal. E observou que a teoria feminista faz uma crítica a essa perspectiva, considerando que um indivíduo necessita muitas vezes da interferência estatal em espaços privados para garantir seu pleno desenvolvimento. Mencionou como exemplo o espaço familiar, ponderando que há estruturas que estabelecem menos autonomia para algumas pessoas nesse grupo, sendo a violência doméstica o exemplo mais emblemático.
Em relação à necessidade de atuação estatal em prol da igualdade, recordou o vetor constitucional que destaca em seu artigo 3º tal competência do Estado, assim como a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher da qual o Brasil é signatário, e a Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial.
Em seguida, falou sobre a ideia da discriminação racial múltipla ou agravada, definindo-a como “qualquer preferência, restrição, distinção ou exclusão baseada, de modo concomitante, em dois ou mais critérios (...) cujo objetivo ou resultado seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais”.
Nesse contexto, mencionou o conceito de interseccionalidade, lembrando que do ponto de vista jurídico ele foi abordado pela primeira vez pela professora norte-americana Kimberlé Williams Crenshaw, que relatou em artigo caso ocorrido na empresa General Motors, onde eram oferecidas vagas de chão de fábrica para homens negros e de secretariado para mulheres brancas. Impossibilitadas de se candidatarem, mulheres negras acionaram a Justiça, que rejeitou a pretensão alegando que deveriam definir se o processo seria por discriminação racial ou de gênero. Kimberlé Crenshaw também mencionou situação que envolvia fraude matrimonial e a lei de imigração dos Estados Unidos, na qual, devido a uma regra de temporalidade necessária para validar o casamento e conseguir o visto, imigrantes que sofriam violência doméstica sentiam-se coagidas a não denunciarem os maridos antes do tempo necessário para conseguir o visto, pois seriam deportadas e muitas vinham de países periféricos em que viviam situações de fragilidade econômica.
Adriana Cruz também discorreu sobre o racismo no Brasil, caracterizando-o como estruturante e institucionalizado e ressaltando que existe uma naturalização no tratamento diferenciado de determinados grupos. Ela lembrou que o termo racismo institucional foi cunhado no âmbito do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, na década de 1960, e se caracteriza por ser velado, indefinido, mas não menos destrutivo, e perpetrado por toda uma comunidade em detrimento de outra.
Ao falar sobre a origem do racismo no Brasil, exibiu uma foto do Cais do Valongo no Rio de Janeiro, declarado patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na categoria ‘Lugar de memória e verdade’. Esclareceu que foi o porto onde houve o maior número de desembarques de escravos nas Américas, em torno de um milhão, de acordo com o Dicionário da escravidão e da liberdade, de Luiz Felipe Alencastro.
Em relação ao papel das mulheres na política, Adriana Cruz apresentou dados do Relatório ONU e União Interparlamentar, evidenciando que o Brasil ocupa a 32ª posição em um ranking de 33 países latino-americanos e caribenhos; que 10% dos parlamentares brasileiros são mulheres, contra a média mundial de 20,73%; e que o País ocupa a 148ª posição em um ranking que contempla 188 países. E informou que 15% do Congresso Nacional é composto por mulheres, com 77 deputadas e 12 senadoras.
A expositora também discorreu sobre as diferenças de gênero no Poder Judiciário, salientando que, de acordo com o Censo Demográfico da Magistratura Brasileira, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2018, 38% dos magistrados são mulheres. Ela ressaltou ainda pesquisa realizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) em 2017, que apontou os principais motivos destacados pelas magistradas pela baixa representatividade feminina na Justiça Federal: 93,66% citaram a dupla jornada; 83,88% disseram não serem acompanhadas pelos esposos ou companheiros quando precisam se mudar em razão do trabalho; e 81,08% consideraram que a vida pessoal da mulher é mais afetada pelo exercício da magistratura que a dos colegas homens.
Adriana Cruz ressaltou que o desafio é encarar essas diferenças como um problema e desnaturalizar esse quadro. “Em um país com mais de 54% da população composta de mulheres, entramos nos espaços de poder e só vemos homens, não há estranhamento em nosso olhar”, concluiu.
LS (texto) / MA (fotos)