Inadimplemento das obrigações e suas consequências são discutidos no curso de Direito Civil Patrimonial

Judith Martins Costa foi a expositora.

 

O tema “Inadimplemento das obrigações e suas consequências” foi debatido no último dia 22 no Curso de especialização em Direito Civil Patrimonial da EPM, com exposição da advogada e professora Judith Hofmeister Martins Costa. Também compuseram a mesa de trabalhos os desembargadores Francisco Eduardo Loureiro, diretor da Escola; e Claudia Grieco Tabosa Pessoa, coordenadora do curso; o juiz Enéas Costa Garcia, coordenador adjunto; e o advogado Rafael Branco Xavier. O evento teve ainda a participação dos desembargadores Roque Antônio Mesquita de Oliveira, professor assistente do curso; e Edgard Silva Rosa, entre outros convidados.

 

Judith Martins Costa abordou a noção de inadimplemento, a partir do estudo dos artigos 389 e seguintes do Código Civil, e suas espécies: inadimplemento relativo, absoluto, fundamental, antecipado e violação positiva do contrato. E explanou sobre as consequências do inadimplemento: cumprimento e indenização substitutiva, resolução e indenização por perdas e danos.

 

Ela esclareceu inicialmente que o Código Civil não traz o conceito de inadimplemento, mas trata dele a partir dos seus efeitos, de modo que os artigos 389 e 394 devem ser compatibilizados com outras regras. Segundo a noção descritiva, o termo inadimplemento (incumprimento ou inexecução) indica o não cumprimento pelo devedor das normas que impõem o dever de prestar ao credor no tempo, lugar e forma o que a lei ou a convenção determina – ou o não cumprimento pelo credor das normas que impõem o recebimento da prestação no tempo, lugar e forma determinados.

 

Observou, entretanto, que essa descrição reúne na mesma fórmula as mais diversas hipóteses de não cumprimento da prestação, incluindo aquelas que tecnicamente não são inadimplemento, pois abarca qualquer meio extintivo da obrigação, como a incidência da prescrição, efeito da nulidade e substituição por dação em pagamento, entre outras. Por isso, a primeira distinção a fazer é entre o meio extintivo e o inadimplemento, para extrair do meio extintivo (genérico) o inadimplemento. E destacou a noção normativa de inadimplemento em um sentido amplo, que é a situação objetiva de não realização da prestação devida e da insatisfação do interesse do credor, independentemente da causa do qual esse fato procede.

 

A palestrante ressaltou que, embora aprimorada, ao introduzir a questão do interesse do credor, essa noção não discerne o inadimplemento da impossibilidade de prestar. Explicou que o inadimplemento não é a simples ausência de cumprimento ou a não realização da prestação devida. A noção normativa de inadimplemento em sentido próprio ou estrito constitui a não realização da prestação devida, na medida em que esta não prestação corresponda a uma violação de uma norma dirigida ao devedor cominando o dever de prestar ou ao credor cominando o dever de receber. Esclareceu que esse é o inadimplemento que leva ao efeito previsto no artigo 389 (pagamento de perdas e danos, juros, correção monetária e honorários de advogado), que pode ser imputável ao devedor, como previsto no artigo 396, lembrando que “imputável” se relaciona à atribuição de responsabilidade e não de culpa.

 

Nesse sentido, frisou que somente quando há não cumprimento imputável ao devedor que há um verdadeiro inadimplemento para os efeitos do artigo 389 do Código Civil. Portanto, quando o inadimplemento decorrer de impossibilidade, é preciso distinguir se ela é anterior, concomitante ou posterior. E se for superveniente, se é ou não imputável ao devedor, porque os efeitos serão completamente diferentes.

 

Judith Martins Costa elucidou ainda a respeito da interpretação do artigo 396 (“Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.”) que imputar é atribuir um dever e uma responsabilidade (e não culpa). Ou seja, não importa quem é o culpado pelo inadimplemento e sim quem responde por ele. “Com isso, estabelecemos a distinção entre o nexo de imputação informado pelo princípio da culpa e o nexo de imputação informado pelo princípio do risco e aquele informado pelo princípio da garantia, que nos levará às obrigações de garantia, por exemplo”, explicou, acrescentando que essa noção está em consonância com a atribuição de responsabilidade objetiva. E concluiu que “o inadimplemento constitui, nos termos do Título IV do Código Civil, não apenas o incumprimento decorrente de uma imputação culposa, mas também os casos em que há um inadimplemento imputável regido por fator de imputação objetiva, nos termos da responsabilidade fundada no risco ou na garantia”.

 

Interesses de prestação e interesses de proteção

 

A professora explicou que na relação obrigacional há fundamentalmente dois tipos de interesses a serem tutelados: o do credor à prestação e o interesse de proteção, que diz respeito ao modo de ser dessa prestação.

 

Quanto ao interesse do credor à prestação – que define o que é adimplemento ou inadimplemento – esclareceu que a ele correspondem os deveres de prestação, que se subdividem em três espécies: o dever principal de prestação, que define o tipo contratual, independentemente da nomenclatura dada ao contrato (espécie de contrato); os deveres secundários relacionados aos interesses secundários, ligados à prestação ou autônomos ou com caráter substitutivo à prestação principal; e os deveres anexos ou instrumentais, ligados ao modo como a prestação deve ser feita, onde se aplicam os deveres decorrentes do princípio da boa-fé.

 

Em relação ao interesse de proteção, lembrou que o contrato não é só um negócio jurídico, é também um fato social: “o contrato pode provocar danos não ligados ao seu não cumprimento (interesses de prestação), mas ligados ao fato de que ele aproxima as pessoas e essa aproximação pode gerar danos”. Citou como exemplo contrato para executar serviço em casa de pessoa famosa, no qual, apesar de cumprir a prestação no tempo, modo e lugar e devidos, o prestador viola o dever de proteção correspondente ao revelar ao público situações pessoais do contratante das quais teve conhecimento em decorrência de sua aproximação pelo contrato.

 

Nesse contexto, observou que há duas espécies de deveres: prestação e proteção, sendo que os interesses e deveres de prestação decorrem do negócio jurídico contrato e os de proteção decorrem propriamente do fato contrato.

 

Mora (ou inadimplemento relativo)

 

Judith Martins Costa lembrou que no sistema brasileiro mora consiste no fato de que a prestação não foi cumprida no tempo, modo e lugar devidos, mas ainda pode ser, com a satisfação do interesse do credor. Observou que a redação do artigo 394 tem a vantagem de abarcar todos os modos de ser da prestação (tempo, lugar e forma). E esclareceu que no conceito comum a mora se identifica apenas com o retardo na prestação. Essa equiparação existe na maioria dos sistemas jurídicos, que precisarão de outros conceitos para tratar dos casos em que a prestação não é realizada do modo devido. No entanto, esclareceu que o conceito de mora no ordenamento jurídico brasileiro é suficientemente amplo para abranger não apenas o retardo na prestação, mas qualquer desconformidade do que é devido com relação ao tempo, modo e lugar da prestação. Portanto, não é só o retardo que está no núcleo conceitual da mora, mas fundamentalmente o não cumprimento de qualquer interesse na prestação.

 

Ela ressaltou que o inadimplemento que enseja a mora é o inadimplemento de deveres voltados à implementação dos interesses de prestação e, residualmente, dos interesses de proteção. “Nós tendemos a ver no contrato apenas a obrigação principal e a pensar que apenas o inadimplemento da obrigação principal leva à mora”, observou. Acrescentou que especialmente nos contratos duradouros não apenas os deveres principais de prestação podem ser violados, como os secundários, os anexos e até os deveres de proteção, levando ao efeito previsto no artigo 389 do Código Civil.

 

A professora enfatizou que a principal característica da mora é o fato de que a prestação não foi cumprida, mas ainda o pode ser, com a satisfação do interesse do credor, e que essa possibilidade de cumprimento não está relacionada só com esses critérios naturalistas. Nesse caso, há a mora e há a purga da mora, com o pagamento de perdas e danos pela mora, que se acresce à persistência do interesse ao cumprimento, porque subsiste a utilidade daquele bem ao credor. Ela acrescentou que há ainda outros efeitos: o devedor em mora atrai para si todos os riscos, inclusive os decorrentes de impossibilidade superveniente (caso fortuito e força maior).

 

Judith Martins Costa discorreu também sobre os efeitos da mora do credor. A seguir, explicou outras espécies de inadimplemento: absoluto, fundamental, antecipado e violação positiva do contrato. Por fim, discorreu sobre os efeitos (consequências) do inadimplemento, cuja solução é disponibilizada pelo ordenamento jurídico: cumprimento e indenização substitutiva, resolução e indenização por perdas e danos.

 

RF (texto e fotos)


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