Combate às violências obstétrica e doméstica é discutido em seminário na EPM

Especialistas das áreas médica e jurídica expuseram o tema.

 

No último dia 20 foi realizado na EPM o seminário Direito e saúde: diálogo necessário para o combate à violência de gênero nas perspectivas doméstica e obstétrica, com exposições de profissionais das áreas médica e jurídica. Compuseram a mesa de trabalhos o desembargador Francisco Eduardo Loureiro, diretor da Escola, e as juízas Rafaela Caldeira Gonçalves e Teresa Cristina Cabral Santana, coordenadoras do evento e integrantes da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp).

 

Ao abrir os trabalhos, Francisco Loureiro ressaltou a importância do debate e o trabalho realizado pela Comesp não só na área de violência doméstica, mas na área multidisciplinar. “É um trabalho admirável e por isso é uma felicidade que a Escola participe desse evento”, enfatizou.

 

Teresa Cristina Santana ressaltou que a violência obstétrica é uma das mais difíceis de analisar e de lidar porque é silenciosa, há muito preconceito e falta de informação a respeito. “Muitas mulheres passam por esse tipo de situação e não sabem que estão sendo vítimas de violência, por isso a importância de trazer essa discussão. E nós mulheres somos objeto dessa falta de respeito e falta de dignidade que esse tipo de situação aponta”, enfatizou.

 

Rafaela Gonçalves asseverou: “o Direito só será efetivo enquanto instrumento de humanização no tocante aos direitos ligados à cidadania, especificamente da mulher, na medida em que houver diálogo com outras disciplinas, para que busquemos formas de solução de conflitos que efetivamente possam promover transformações sociais”. E ressaltou a importância de se promover a desconstrução dos estereótipos de gêneros.

 

A médica Simone Diniz, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, expôs sobre as situações de violência obstétrica generalizadamente impostas às mulheres como a prática indiscriminada de cesáreas, manobras indevidas durante o parto natural e outros tratamentos que trazem efeitos adversos às mães e aos bebês, embora nem sempre essa relação seja reconhecida (efeitos invisibilizados).

 

Ela discorreu sobre os programas visando a humanização do tratamento no processo de parto desenvolvidos por movimentos femininos a partir da década de 1950. Explicou as definições e as terminologias utilizadas; falou sobre os direitos humanos das mulheres no parto (integridade corporal, privacidade, equidade, escolha informada, usufruto do progresso da ciência); comentou sobre a Lei Estadual nº 17.137/2019, que trata dos direitos da parturiente, apontando contradições; e discorreu sobre necessidade de diálogo para construir políticas públicas e ajudar as mulheres e as famílias a terem uma experiência de parto mais positiva e saudável. “Para mudarmos a realidade devemos ter o direito de descrevê-la. Não apenas aceitar a narrativa médica do que devemos sentir, mas ter direito ao voto de descrença. A narrativa médica nos constrói como mulheres, por isso devemos ser muito críticas. Algumas narrativas podem nos servir e outras nem tanto e não são neutras”, ponderou. E acrescentou: “o setor privado precisa acordar para o setor de parto espontâneo, fisiológico e respeitoso!”

 

A defensora pública Ana Paula Meirelles Lewin observou que a violência obstétrica ainda ocorre de forma sistêmica e explicou que ela é uma forma mais ampla de violação dos direitos das mulheres gestantes, parturientes e em puerpério, não necessariamente relacionada à ocorrência de erro médico. Ela discorreu sobre a violência obstétrica na perspectiva jurídica, conceituando-a como qualquer ação ou omissão culposa ou dolosa praticada por quaisquer profissionais da saúde durante as fases pré-natal, parto, puerpério ou pós-natal ou ainda em casos de procedimentos abortivos autorizados que, violando direito à dignidade da mulher, impliquem em abuso, danos, maus tratos ou desrespeito à autonomia feminina sobre o corpo ou à liberdade na escolha dos processos reprodutivos.

 

A palestrante esclareceu que, segundo o Código de Ética Médica, é vedado ao médico praticar atos desnecessários ou proibidos, deixar de obter consentimento do paciente após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado (salvo em caso de risco iminente de morte), deixar de garantir ao paciente o direito de decidir livremente ou exercer sua autoridade para limitá-lo.

 

Combate à violência de gênero na perspectiva doméstica

 

A médica Rossana Pulcinelli Vieira Francisco, professora da Faculdade de Medicina da USP, ressaltou a importância de se estar atento à violência doméstica, pois ela está em todos os lugares, e de saber se posicionar diante das vítimas. Ela falou sobre os índices de violência doméstica e feminicídio, tipos de violência física, psicológica e sexual e sobre a importância de enfrentamento das barreiras. Discorreu ainda sobre a dinâmica da violência doméstica e seus sinais de controle: medo do companheiro, finanças controladas por ele, impossibilidade de questionar e de se vestir como quer e precisar fornecer senhas e fazer coisas que não quer. E ressaltou que a violência doméstica é associada à depressão, depressão pós-parto, uso de álcool e drogas, suicídio, síndrome do pânico e saúde mental dos filhos.

 

Rossana Pulcinelli expôs os ciclos da violência e os comportamentos que geram dificuldades de rompê-los. Ela explicou sobre o atendimento à mulher vítima, a importância de preparar o ambiente e se preparar para cuidar, estabelecendo relação de confiança e garantindo privacidade, além de saber escutar, respeitar os limites, dar tempo, não julgar e conversar sobre um plano de emergência a ser adotado. “A situação de violência doméstica só mudará quando entendermos que o problema é de todos e não apenas da mulher que sofre a violência doméstica. Por mais que estejamos avançados em leis, se não entendermos tudo o que leva a esse ciclo, o quanto é difícil rompê-lo e a responsabilidade que cada um de nós tem para quebrá-lo, continuaremos nessa mazela”, enfatizou.

 

A advogada Alice Bianchini explanou sobre a Lei Maria da Penha e lembrou que ela foi muito discutida em audiências públicas e é considerada uma das três mais avançadas do mundo. Mencionou estatísticas que mostram o aumento do feminicídio e da violência sexual no Brasil e falou sobre a importância da capacitação dos atores jurídicos para que possam acolher, compreender, se sensibilizar, ter poder de empatia e saber agir.

 

Ela citou relatório de estudo divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “O Poder Judiciário no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres”, que aponta necessidade de mudanças no trato da questão pelos profissionais do Direito. Ela ressaltou a importância de se trabalhar a questão da desigualdade de gênero, pois dela se origina a violência de gênero. E esclareceu que em geral as mulheres têm medo de lutar pelos seus direitos, desistem de seus sonhos e aspirações pelo fato de serem mulheres, desde a infância se acham menos inteligentes que os meninos e desistem de fazer atividades e que parte dos homens (e também das mulheres) acha que as mulheres são inferiores aos homens.

 

Por fim, explanou sobre aspectos jurídicos da Lei Maria da Penha na parte criminal, as medidas protetivas e os efeitos da reconciliação do casal nesse contexto. E ressaltou a importância de encaminhar os homens para centros de reflexão e debater o tema da desigualdade e da violência de gênero nas escolas desde o ensino primário.

 

RF (texto e fotos)


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