III Congresso Internacional de Responsabilidade Civil do IBERC é realizado na EPM
Evento reuniu especialistas nacionais e estrangeiros.
Nos dias 10 e 11 de outubro, foi realizado na EPM o III Congresso Internacional de Responsabilidade Civil, promovido pelo Instituto Brasileiro de Estudos em Responsabilidade Civil (IBERC), com o apoio da Escola. O evento teve como tema “Responsabilidade civil e novas tecnologias” e foi coordenado pelo procurador de Justiça Nelson Rosenvald, presidente do IBERC.
Ao abrir os trabalhos, o desembargador Francisco Eduardo Loureiro, diretor da EPM, deu as boas vindas aos participantes e destacou a importância do tema: “é uma honra ouvir palestras sobre um tema tão instigante como é a responsabilidade civil e as novas tecnologias”.
Nelson Rosenvald agradeceu aos palestrantes e participantes e agradeceu à direção da Escola pela confiança e parceria, em facultar o acesso do IBERC a um público tão qualificado. “É uma honra ter a EPM como palco do congresso e reunir um grupo tão qualificado em uma instituição notoriamente reconhecida como é a Escola”, frisou.
O primeiro dia contou com um painel introdutório e duas palestras inaugurais. O painel, sob a moderação do juiz do TJSP Tom Alexandre Brandão, destacou o tema “Responsabilidade civil: o futuro é hoje”. O juiz do TJSP Marco Fábio Morsello expôs sobre o tema “Responsabilidade civil e drones”; a professora Fernanda Ivo Pires explanou sobre “Responsabilidade civil e o ‘advogado robô’”; e o desembargador do TJSP Hamid Charaf Bdine Júnior discorreu sobre “A responsabilidade civil dos aplicativos”.
A seguir, a professora da Universidade de Salerno (Itália) Virginia Zambrano proferiu palestra sobre o tema “Tratamento algorítmico dos dados e responsabilidade civil”, trazendo as questões dos algoritmos utilizados em grandes bases de dados para filtrar, selecionar e direcionar informações. O professor da Universidade de Coimbra (Portugal) Paulo Mota Pinto fez a exposição “Responsabilidade civil em acidentes com veículos autônomos”, explicando os múltiplos intervenientes e a necessidade de definir a responsabilidade e as consequências para o futuro, além de trazer questões ético-jurídicas nas escolhas de alternativas em caso de acidente iminente.
Participaram também da abertura do congresso os desembargadores Luís Francisco Aguilar Cortez, vice-diretor da EPM; Fernando Antonio Maia da Cunha, ex-diretor da Escola; e Roque Antonio Mesquita de Oliveira e as juízas Ana Rita de Figueiredo Nery e Maria Cláudia Bedotti, entre outros magistrados, advogados, servidores e outros profissionais.
O segundo dia teve quatro painéis. O primeiro foi dedicado ao tema “A responsabilidade civil e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”, sob a moderação do professor Antonio Carlos Morato. Foram expositores o desembargador do TJSP Cláudio Luiz Bueno de Godoy (“A responsabilidade civil na Era Digital”), a professora Gisela Sampaio da Cruz (“Responsabilidade civil da Lei de Proteção de Dados Pessoais”), o promotor de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro Guilherme Martins (“O confronto entre Marco Civil e a LGPD na responsabilidade civil por tratamento de dados pessoais”) e o professor Marcos Augusto de Albuquerque Ehrhardt Júnior (“Responsabilidade civil por inobservância da LGPD no uso de aplicações de inteligência artificial”).
O segundo painel foi dedicado ao tema “Responsabilidade civil e desafios na área médica”, sob a moderação da professora Renata Domingues Balbino Munhoz Soares, com os seguintes expositores: professora Maria de Fátima Freire de Sá (“Responsabilidade civil e novas tecnologias aplicadas à reprodução humana assistida”), o desembargador do TJPR Miguel Kfouri Neto (“Responsabilidade Civil em Medicina Robótica”), o juiz do TJSP Alexandre Dartanhan de Mello Guerra (“Responsabilidade civil do médico na prestação de serviços por telemedicina à luz do Código de Ética Médica brasileiro”) e a juíza do TJSP Ana Rita de Figueiredo Nery (“Responsabilidade civil do Estado pela obrigação de sigilo de prontuário”).
Na parte da tarde, o terceiro painel foi dedicado ao tema “A tutela privada em face das novas tecnologias”, sob a moderação da professora Roberta Densa, com exposições da advogada Renata Steiner (“Tutelas de obrigações de fazer e não fazer e novas tecnologias”), do procurador do Estado do Rio de Janeiro Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho (“Os impactos das novas tecnologias no tempo da lesão”) e do advogado Rogerio Donnini (“Prevenção de danos e novas tecnologias”).
O quarto e último painel, “O Direito de Danos e os novos riscos”, foi moderado pelo promotor de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul Felipe Teixeira Neto e teve como expositores a professora Caitlin Mulholland (“Responsabilidade civil e Inteligência Artificial: danos causados em processos de decisão totalmente automatizados”), o advogado Diogo Machado de Melo (“A reavaliação das excludentes de responsabilidade nos danos em redes sociais”), a professora Tula Wesendonck (“Responsabilidade civil por riscos do desenvolvimento no uso de nanotecnologias”) e o registrador Christiano Cassettari (“Responsabilidade civil dos registradores e notários pela prática de atos nas centrais eletrônicas”).
Palestra de encerramento
Nelson Rosenvald encerrou as exposições com o tema “A restituição do lucro ilícito por utilização indevida de imagem e vida privada”. Ele expôs as limitações do ordenamento jurídico brasileiro quando restringe a responsabilidade civil à função compensatória, com a simples (e muitas vezes insuficiente) reparação dos danos causados à vítima. O professor demonstrou a necessidade de a demanda judicial alcançar os lucros obtidos pelo ofensor em razão do ilícito cometido. E explicou quatro vias ou diferentes raciocínios jurídicos que admitem essa pretensão. Citou recente precedente do STJ que se utilizou de uma dessas vias e o enunciado nº 620 da última Jornada de Direito Civil, além de expor as movimentações nesse sentido no cenário internacional.
“Estamos numa fase de novos riscos onde fica muito claro que o Direito Civil contemporâneo brasileiro fica ‘perdido’. Um dos grandes objetivos do Direito Civil brasileiro é transformar o indivíduo em pessoa e torná-lo protagonista do ordenamento jurídico. No entanto, a realidade tecnológica desmente isso. Não passamos de um conjunto de algoritmos passíveis de comercialização no mercado. Diante dessa realidade que nos coisifica e nos converte de pessoas em indivíduos abstratos imersos nessa situação, não é mais correto falar em “risco” da atividade, mas “elevado risco” da atividade, como faz o regulamento europeu sobre proteção de dados. A ideia é que chegamos em um momento em que a tecnologia se tornou letal para os direitos fundamentais da pessoa humana. O Direito não pode se contrapor à ciência, mas devemos pensar quais as respostas que o ordenamento jurídico pode dar a essas circunstâncias”, explicou.
Ele ressaltou que “mais do que um cenário de brutal elevação de riscos, o que temos hoje é uma situação clara de ilícitos lucrativos, ou seja, com base na tecnologia, proliferam possibilidades de agentes econômicos praticarem comportamentos antijurídicos extremamente lucrativos, sabendo que as respostas do Judiciário com o simples paradigma compensatório são extremamente débeis e tênues. No Direito brasileiro o ato ilícito hoje em dia remunera muito bem. Nos direitos da personalidade somos vulnerados em nossa imagem em nossa privacidade e honra por agentes econômicos que obtém lucros muito maiores do que o valor dos danos que pagarão em uma demanda judicial”. Observou e citou exemplos da Vale do Rio Doce e Samarco, que continuaram utilizando métodos arcaicos de exploração de minérios, sabendo que os danos causados a interesses metaindividuais seriam muito inferiores ao ganho obtido.
O palestrante defendeu a ideia da desnecessidade de migrar para a teoria do enriquecimento injustificado para buscar os lucros obtidos pelo ofensor. “Podemos encontrar possibilidades dentro da responsabilidade civil”, afirmou e citou o estudo de Peter Birks que desvincula os remédios (pretensões ou respostas: compensação, punição e restituição) dos fatos jurídicos (eventos que dão causa às obrigações: o contrato, o ilícito e o enriquecimento injustificado), de modo que um fato jurídico pode admitir qualquer um dos remédios ou pretensões. “Quando são praticados atos ilícitos lucrativos e a vítima percebe que os danos que ela sofreu são bem menores que os lucros obtidos pelo ofensor ela pode optar pela restituição pelo lucro obtido com os ilícitos”, explicou.
“Se o objetivo da responsabilidade civil para o futuro não é apenas conter danos, mas conter comportamentos, a responsabilidade civil deve servir para prevenir ilícitos, punir ou restituir ganhos ilícitos. Mas só se abre essa possibilidade se além de olharmos para a vítima, olharmos para o ofensor”, ponderou e ressaltou a necessidade de requalificação do princípio da reparação integral.
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