EPM e Emag promovem o seminário ‘A judicialização da saúde’
Foi destacada a necessidade de conhecimento interdisciplinar.
Nos dias 26 e 28 de novembro, foi realizado na EPM o seminário A judicialização da saúde, promovido em parceria com a Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região (Emag), sob a coordenação da juíza Cynthia Thomé, da juíza federal Raquel Fernandez Perrini, do TRF da 3ª Região, e da professora Alessandra Gotti, do Instituto Articule.
Ao abrir os trabalhos, o desembargador Francisco Eduardo Loureiro, diretor da EPM, ressaltou que o Judiciário enfrenta dezenas de milhares de ações relacionadas ao tema. “Para nós é uma questão de suma importância”, salientou.
O desembargador Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa, conselheiro da Escola, também salientou a frequência com que a cidadania se socorre do Judiciário para resolver problemas ligados à saúde. “O Judiciário precisa discutir muito a matéria para realizar a prestação jurisdicional a contento, de maneira rápida, precisa e sem gastos desnecessários”, ponderou.
Cynthia Thomé esclareceu que a proposta do seminário foi trazer a perspectiva de todos os atores na questão da judicialização da saúde a respeito de suas implicações. “O juiz não pode ver apenas um lado das decisões. É preciso ver as consequências da decisão judicial e tudo o que isso implica”, observou.
No primeiro dia, foram discutidas a realidade do sistema de saúde, questões orçamentárias e o impacto das decisões judiciais; questões envolvendo medicamentos não regulamentados e o uso de decisões judiciais para tentar burlar o processo necessário à sua regularização. Também foram estudadas maneiras adequadas de atuação em caso de descumprimento das decisões e o prazo que se entende razoável para o fornecimento de medicamentos nos casos de produção nacional e estrangeira. Foi destacada a importância de incluir a União no polo passivo das demandas sempre que for dela a responsabilidade final pelo fornecimento.
No primeiro painel, o juiz José Maurício Conti expôs o tema “Orçamento da saúde”, analisando questões jurídicas e sociais relativas às ações envolvendo a saúde, para melhor compreensão do papel do juiz e do Poder Judiciário no julgamento das ações, frente aos anseios sociais. Ele explicou como se organiza a política pública de saúde, a legislação e os impactos orçamentários da seguridade social.
A procuradora do Ministério Público de Contas Élida Graziane Pinto apontou o retraimento da União nos gastos com saúde ao longo dos últimos anos e destacou a realidade orçamentária dos municípios e a desproporcionalidade dos gastos com a saúde. “Alguns municípios chegam a aplicar 40% de toda a sua arrecadação em saúde”, informou, ponderando que isso gera grande prejuízo frente a outras despesas, principalmente educação.
A seguir, Paula Suê Facundo de Siqueira, da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, explanou sobre o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela ponderou que há uma relação causal inversa da judicialização da saúde com o subdesenvolvimento. “As áreas mais judicializadas são aquelas em que há mais expertise em medicina, mais equipamentos de ponta”, observou. E expôs o perfil da judicialização em saúde no Estado, classificando-a em própria (o fornecimento que está ordenado na letra da lei), imprópria e fraudulenta. Ela esclareceu que medicamentos caros são de responsabilidade da União, mas os estados acabam ficando responsáveis pela compra, em cumprimento da decisão judicial. “A falta do repasse de um único medicamento pela União acarretou uma judicialização de janeiro a agosto de cinco milhões de reais”, salientou, entre outros exemplos.
No segundo painel, o juiz federal da 4ª Região Clênio Jair Schulze discorreu sobre o tema “Cumprimento de decisões judiciais em ações de saúde”. Ele analisou porque o descumprimento acontece, as causas e consequências e o que se pode fazer para tentar minimizar essas dificuldades, especialmente na perspectiva do Poder Judiciário de efetivar o cumprimento das decisões judiciais. Ele destacou o que fazer e discutiu quais medidas o Poder Judiciário pode ou não adotar para forçar o cumprimento.
O palestrante ressaltou que prescrição médica não é título executivo judicial. “Esse é o ponto central”, frisou, ponderando que não se pode dar um poder absoluto ao médico. Ele lembrou que o código de ética estabelece que o médico tem o dever de prescrever aquilo que está cientificamente reconhecido, acrescentando que deve haver evidência científica e custo-efetividade, conforme determina a lei. “Se dermos fé absoluta à prescrição médica, é o mesmo que dizer que o que vale não é o texto da Constituição Federal, mas a portaria”, ponderou.
A defensora pública Daniela Batalha Trettel enfatizou que a judicialização da saúde traz muitas questões que passam por uma construção social errada do próprio conceito de saúde, pelos problemas de estruturação do Sistema Único de Saúde e principalmente pela falta de prevenção em saúde. “As pessoas não fazem saúde preventiva e confiam muito e olham para a saúde centrada somente na figura do médico, da prescrição, dos exames, do hospital. Temos problemas sérios de não estruturação da saúde básica, de desmonte do que foi estruturado e há um problema sério de cultura médica no Brasil, de dificuldades de interação com outras áreas do conhecimento e do que é necessário para o médico que quer construir uma saúde que não seja baseada na prescrição e na presença de doenças”, ponderou. Ela também esclareceu sobre o perfil da atuação da Defensoria Pública na Capital e nas comarcas do interior relacionadas às ações de saúde.
O médico do Município de São Paulo Paulo Kron apresentou um panorama e os resultados da judicialização da saúde no Município. Ele explicou as estratégias adotadas para enfrentar o problema da judicialização da saúde no sistema municipal, tais como melhor instrução das demandas, com apoio técnico, aprimoramento dos pareceres técnicos e acompanhamento de audiências e perícias, manutenção de banco de pareceres e notas técnicas à semelhança do NatJus e com linguagem acessível; implantação do programa Acessa SUS sobre medicamentos não padronizados e alternativas terapêuticas; atendimento a pessoa com deficiência e home care.
Ele salientou que as ações adotadas no Município de São Paulo receberam menção honrosa no Congresso Internacional de Qualidade em Serviços e Sistemas de Saúde, realizado em março. E discorreu sobre o cumprimento de decisões judiciais em ações de saúde em relação ao objeto (medicamentos, insumos e procedimentos), prazo e competência. Em relação ao prazo, explicou que o tempo judicial concedido deve levar em conta o tempo médico e o tempo administrativo (para aquisição do medicamento), que é diferente do tempo médico. Ele explicou a competência legal no âmbito do SUS para fornecimento de insumos, medicamentos e procedimentos. Por fim, esclareceu situações frequentes vinculadas a tratamento não respaldado cientificamente e abordou questões de ética médica.
No segundo dia foram debatidos os temas “Medicina baseada em evidência”, com exposição do professor Álvaro Nagib Atallah e participação como debatedores do conselheiro do CNJ Arnaldo Hossepian e do procurador do Estado Luiz Duarte; e “A jurisprudência nas ações de saúde”, com exposição da juíza Maria Isabel Romero Rodrigues Henriques e participação como debatedores da juíza federal do TRF da 4ª Região Luciana da Veiga Oliveira e do promotor de Justiça Arthur Pinto Filho.
RF (texto e fotos)