Relação entre acordos incentivados e acesso à Justiça é debatida no Núcleo de Estudos em Litigiosidade e Demandas Repetitivas
Ricardo Silveira foi o expositor convidado.
O tema “Acordos incentivados e o acesso à Justiça” foi objeto de estudo dos magistrados integrantes do Núcleo de Estudos em Litigiosidade e Demandas Repetitivas da EPM. O debate foi realizado na sexta-feira (24), com exposição do juiz do TRF da 3ª Região Ricardo Geraldo Rezende Silveira.
Ricardo Silveira apresentou inicialmente as razões pelas quais as pessoas fazem ou deixam de fazer acordos. Ele ressaltou que é uma opção racional que envolve o peso de dois fatores: a expectativa de ganho e de perda e os custos com o processo e com o acordo. Esses dois fatores se desequilibram mutuamente fazendo a opção pender pelo litígio judicial ou pelo acordo.
Ele observou que a experiência mostra que mesmo que a probabilidade de uma decisão favorável seja remota, há um viés de otimismo que, somado a um custo processual baixo ou nulo para a parte, a conduz a optar por não realizar o acordo. Explicou que por esse motivo o número de acordos no Brasil é baixo e o número de demandas judiciais é elevado. E apontou a assistência judiciária gratuita concedida pelo Estado como um dos fatores que pesam nessa equação, acrescentando que pesquisas indicam que países mais pobres fornecem mais acesso à Justiça que os mais ricos.
O expositor comparou o sistema brasileiro com o do Reino Unido, onde o custo com o processo é tão caro que o acordo se torna, muitas das vezes, a única opção viável. Por isso, o sistema inglês apresenta elevados índices de acordos, com reduzido número de demandas ingressando no Poder Judiciário.
Ricardo Silveira informou que pesquisas e estudos internacionais a partir da década de 1980 promoveram sérias críticas a esse sistema de acordos incentivados, com prejuízo ao direito de acesso à Justiça, quando o sistema impõe um panorama para as partes tão difícil que a opção racional que sobra é o acordo. Ou seja, o Estado não protege os direitos.
Ele expôs um panorama sobre as circunstâncias e particularidades dos acordos incentivados no Brasil e a maneira como se aborda o acesso à Justiça, constitucionalmente garantido no artigo 5º, inciso XXXV (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”). Ponderou que não é preciso chegar ao extremo do modelo inglês, mas é preciso convergir para o modelo de acordos incentivados para reduzir o elevado número de demandas que ingressam no sistema de justiça brasileiro (um dos mais elevados do mundo), cujo aparelhamento não comporta ampliação. “É preciso convergir nossos números para estar mais próximo de médias mundiais”, frisou.
Ricardo Silveira explicou que no Brasil se entende que toda e qualquer restrição ou dificuldade do acesso à Justiça é inconstitucional, decorrendo daí a dificuldade de implementar medidas tais como a exigência de prévia sessão de conciliação como condição para o ajuizamento de demandas – tida por inconstitucional.
“O nosso problema está antes de o processo entrar, tanto é que há o ingresso de um número elevado de demandas judiciais. O nosso sistema não incentiva adequadamente a realização do acordo. Se o acordo é uma opção racional, precisamos mexer nessas variáveis para que seja racional celebrar o acordo e não seguir com o litígio. Ampliar a estrutura não podemos mais. É preciso flexibilização do que se entende por acesso à Justiça. Talvez tenhamos exagerado na configuração do nosso modelo”, observou.
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