Controle de políticas públicas pelo Judiciário na pandemia é debatido em curso da EPM

Mudanças de paradigma foram analisadas.

 

A Escola Paulista da Magistratura (EPM) realizou ontem (10) o curso Controle de políticas públicas pelo Judiciário no âmbito da pandemia de Covid-19.

 

Na abertura dos trabalhos, o diretor da Escola, desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, agradeceu ao coordenador, aos palestrantes e aos participantes. “É importante refletir a respeito do que está acontecendo e do que podemos fazer para reduzir um pouco os problemas causados por essa pandemia e que não são novos, mas se tornaram mais agudos, como a desigualdade crônica no país”, salientou.

 

O juiz Swarai Cervone de Oliveira, coordenador e mediador do evento, agradeceu à Escola, na pessoa do diretor, e aos palestrantes e participantes. Ele destacou algumas mudanças de perspectivas em decisões que implicam no controle do ato administrativo, já não mais limitado ao aspecto da legalidade, mas ingressando no mérito do ato administrativo, nas razões de oportunidade e conveniência do administrador. Ele discutiu com os debatedores essas mudanças e as diretrizes a serem adotadas quanto à forma, a pertinência e os limites da intervenção do Poder Judiciário no controle das políticas públicas implementadas durante a pandemia.

 

O presidente da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Paulo Magalhães da Costa Coelho, iniciou as exposições discorrendo sobre o atual estágio do controle dos atos administrativos pelo Judiciário. Ele lembrou o avanço ocorrido nos últimos 20 ou 30 anos, que hoje não se restringe ao controle de legalidade. E ressaltou a importância de o modelo de ensino jurídico não ser meramente reprodutivo e sim conduzir às reflexões necessárias ao progresso.

 

“A doutrina elaborada em algumas instituições contribuiu para esse avanço e o advento da Constituição Federal de 1988 também ajudou nesse processo concedendo ao Poder Judiciário certos mecanismos de controle substancial do ato administrativo por aqueles setores que conhecemos, não só legalidade, mas moralidade, razoabilidade, proporcionalidade e tudo o mais. Em alguma medida, até em função da reação a esse movimento, verifica-se excesso em alguns momentos, ou seja, uma judicialização quase completa da vida, o que também não é muito bom. A cidadania tem de ter outros meios de realização e não só as vias institucionais”, ponderou Paulo Magalhães.

 

O juiz Luis Manuel Fonseca Pires apresentou um panorama histórico, contextualizando a evolução do controle dos atos discricionários. Ele salientou que a noção de mérito não foi abandonada para que o Judiciário faça as vezes do Poder Executivo, mas os critérios que começam a substituir a ideia de mérito administrativo seria o critério sobre racionalidade da decisão administrativa e tempo de omissão. Ele observou que o paradigma que  norteará o controle jurisdicional está em construção e deve envolver o seguinte questionamento: “a decisão da administração pública apresenta uma racionalidade? Se sim, deve ser respeitada. Se não tem racionalidade, é preciso haver uma intervenção”, observou.

 

O procurador do município Ricardo Ferrari Nogueira, ex-procurador-geral do Município de São Paulo, salientou que a Constituição não trouxe limites para análise do ato administrativo, de forma que a jurisdição não é inafastável e a complementação doutrinária fala sobre os limites meritórios do ato administrativo e os seus elementos básicos que seriam submetidos a controle, que são a competência, o sujeito, a forma e o objeto. “Não existe uma regra para além da construção doutrinária e jurisprudencial que defina quais são os limites desse controle, mas essas atuações poderiam ser um pouco calibradas”, observou.

 

Ele ressaltou a importância de se ouvir previamente a Fazenda Pública. “O que se faz na maioria das vezes é suspender o ato administrativo para depois se discutir. O que seria interessante é que fosse analisada essa racionalidade dentro de uma presunção de veracidade, de legalidade do ato administrativo, devidamente registrado pela formalidade inerente a todo e qualquer ato”, salientou.  Ele observou que o que está acontecendo em relação às políticas públicas nessa pandemia é que os atos que estão sendo adotados são urgentes, necessários e muitas vezes têm que ser construídos de forma muito rápida e decisiva.

 

O juiz Fernando da Fonseca Gajardoni lembrou que a regra geral é que, em princípio, o Poder Judiciário, no controle dos atos discricionários, não se imiscui no mérito do ato, fazendo simplesmente um controle de legalidade. Entretanto, toda vez que houver uma hipótese limite haverá uma exceção. “Nessas hipóteses limites em que o mérito do ato administrativo transborda os limites da racionalidade, a própria evolução da jurisprudência admite que, de alguma maneira, o Poder Judiciário acabe participando do controle da própria opção da administração pública. Parte-se do princípio de que a discricionaridade foi feita para escolha da melhor solução por parte da administração pública. Parece-me que toda vez que essa solução transborde os limites da racionalidade e os valores constitucionalmente previstos, o Judiciário acaba por intervir”, ponderou.

 

Fernando Gajardoni ressaltou que a grande dificuldade talvez seja a de estabelecer não apenas as hipóteses excepcionais que o Judiciário está autorizado a intervir, mas principalmente estabelecer uma política judiciária que agregue a essa situação dois valores fundamentais para evitar eventuais abusos: a autocontenção e a deferência. “O Judiciário, em caráter excepcional, inevitavelmente será chamado a intervir nesse quadrante em que os atos da administração não tenham uma determinada racionalidade, mas os juízes de modo geral devem ter as qualidades de se autoconterem e de serem deferentes às opções da administração pública, deixando para agir contra essas opções apenas nos casos em que haja uma excepcionalidade e uma falta de razoabilidade da opção política”, ponderou. E acrescentou que “um ótimo parâmetro de deferência e de autocontenção é tentar na medida do possível aplicar a técnica processual para minorar o impacto da intervenção e ouvir previamente a administração pública, salvo nas hipóteses excepcionais de urgência. Esse parece ser um bom princípio a ser adotado nessa difícil equação em admitir que o Judiciário possa atuar, mas que o faça apenas em caráter excepcional”. Nesse aspecto, salientou o papel fundamental das escolas da magistratura na formação dos magistrados com essas características.

 

Ele também explicou sobre a nova modalidade de processo, que não é o individual ou o coletivo, mas o processo estruturante pelo qual toda a estrutura envolvida a ser impactada deve ser analisada. Nesse contexto, entre outras conformações processuais, destacou a importância de se abandonar o modelo binário procedente versus improcedente, pois muitas vezes o pedido e a solução serão construídos no curso do processo.

 

RF (texto) / reprodução (imagens)


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP