Enfrentamento da violência doméstica em tempos de isolamento social é debatido em evento da EPM
Participaram profissionais de diferentes áreas.
A EPM realizou ontem (10) o curso Enfrentamento da violência doméstica em tempos de isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19, sob a coordenação do desembargador Guilherme de Souza Nucci e dos juízes Ulisses Augusto Pascolati Junior e Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo.
A abertura dos trabalhos foi feita pelo diretor da EPM, desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, que agradeceu aos coordenadores e palestrantes do evento e ressaltou a oportunidade de aprendizado sobre uma questão tão importante e tão grave para a sociedade como é a violência doméstica.
A desembargadora Gilda Cerqueira Alves Barbosa Amaral Diodatti atuou como mediadora dos debates e iniciou as exposições discorrendo sobre o exercício da jurisdição em 2º Grau na análise da violência doméstica. Ela frisou a relevância do tema, em especial durante a pandemia, observando que o confinamento tem provocado aumento de conflitos mesmo em casais sem histórico de violência doméstica. Nesse sentido, salientou a necessidade do esforço conjunto para aperfeiçoar e dar maior efetividade ao enfrentamento da violência doméstica, enfatizando a importância de maior cuidado na produção de provas. Explanou também sobre as medidas protetivas e sobre aspectos relacionados à prisão, em especial as alterações na prisão preventiva estabelecidas pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime) e seus reflexos na Lei Maria da Penha.
A juíza Tatiane Moreira Lima falou sobre o exercício da jurisdição em vara especializada de violência doméstica em tempos de isolamento social. Ela apresentou o conceito e os tipos de violência doméstica, salientando que muitas vezes a violência psicológica é mais danosa do que a física. E observou que o isolamento social potencializou o ciclo de violência, em razão de aumento do clima de tensão, de uso de bebidas e/ou drogas, de controle e violência e da sensação de impunidade, além de dificuldades financeiras e enfraquecimento da rede de apoio. E citou dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que apontam aumento de 44% na procura pela polícia por violência doméstica; de 22% nos feminicídios em abril e maio, em relação ao mesmo período de 2019; e de 36% nas denúncias no Disque 180. Entretanto, o Fórum registrou redução de 14% nos pedidos de medidas protetivas e de 25% nos boletins de ocorrência por lesão corporal. Ela destacou também o aumento de 51% das prisões em flagrante por violência doméstica, segundo o Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo. Por fim, abordou as medidas protetivas, crimes e penas relacionadas e mencionou medidas que podem ajudar durante a pandemia, como o boletim de ocorrência on-line, o aplicativo PenhaS, o projeto Carta de Mulheres do TJSP e grupos de apoio nas redes sociais.
A promotora de Justiça Silvia Chakian de Toledo Santos discorreu sobre o tema “Isolamento domiciliar e a tutela dos direitos das mulheres”. Ela observou que a violência de gênero atinge todas as mulheres indistintamente e já foi chamada de “pandemia silenciosa” pela BBC, mas, assim como ocorre com os efeitos da pandemia de Covid-19, seu impacto é maior nas mulheres mais vulneráveis socialmente. “A intersecção dos marcadores sociais de gênero, raça e classe determina quem será mais penalizado não somente pela exposição ao contágio, mas também pelos efeitos diretos e indiretos do isolamento social”. Ela ponderou que a casa é o espaço mais perigoso para a mulher, lembrando que, de acordo com dados do MPSP, 66% dos feminicídios ocorrem em casa. Nesse contexto, destacou o desafio para as instituições chegarem aos “lugares invisíveis”, onde as mulheres não têm acesso a informações e outros recursos e muitas vezes não têm dinheiro nem para ir ao IML fazer um exame de delito. “Não há caminho se não trabalharmos de forma articulada, em rede, com ações coordenadas e perspectiva de gênero, compreendendo as peculiaridades da mulher, principalmente da mulher pobre”, frisou.
Na sequência, a defensora pública Paula Sant'anna Machado de Souza, coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo (Nudem), discorreu sobre o direito de defesa em tempos de pandemia. Ela falou sobre a atuação do Nudem no monitoramento de políticas públicas e mencionou diretrizes e orientações de órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), a ONU Mulheres e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em relação ao enfrentamento da violência doméstica durante a pandemia. Esclareceu também como funciona o atendimento da Defensoria Pública de São Paulo às mulheres vítimas de violência doméstica, lembrando que ele pode ser solicitado mediante o preenchimento de formulário eletrônico no site da Defensoria, por WhatsApp (94220-9995) ou por meio da rede de apoio.
Encerrando as exposições, a delegada de Polícia Raquel Kobashi Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), discorreu sobre a investigação de crimes cometidos no âmbito doméstico em tempos de pandemia. Ela lembrou que houve diminuição do número de denúncias de crimes de violência doméstica em março e abril, em relação ao mesmo período do ano passado, e ressaltou o empenho da Polícia Civil do Estado para reduzir a subnotificação desses crimes, destacando a disponibilização da Delegacia eletrônica, plataforma que permite o registro do boletim eletrônico de ocorrência para diversos crimes, incluindo a violência doméstica (exceto em casos de estupro e feminicídio). “O próximo passo é a possibilidade de solicitação de medidas protetivas on-line”, adiantou.
Participou também do evento o desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, conselheiro da EPM, entre outros magistrados, profissionais do Direito e de outras áreas e estudantes.
MA (texto) / Reprodução (imagens)