Curso de Direito Penal tem aula sobre crimes da Lei de Licitações
Glaucio Brittes de Araujo foi o expositor.
O tema “Crimes da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93) – aspectos jurisprudenciais” foi estudado na aula do último dia 11 do 7º Curso de especialização em Direito Penal da EPM, com exposição do juiz Gláucio Roberto Brittes de Araujo, coordenador da área de Direito Processual Penal da Escola.
Gláucio Brittes de Araujo iniciou a exposição ressaltando que o tema dos crimes da Lei de Licitações e contratos com o Poder Público é bastante sensível porque envolve o contato entre a criminalidade do particular e a criminalidade do agente político. “Via de regra, há uma conexão entre criminalidade organizada endógena – que se desenvolve no seio do Poder Público, na prática de delitos contra a administração pública – com a criminalidade organizada empresarial e econômica”, observou. E acrescentou que isso envolve também outras infrações, como lavagem de dinheiro e crimes contra a ordem econômica, tributária e financeira.
O professor explanou sobre o bem jurídico a tutelar no âmbito geral, com destaque para os princípios da moralidade e da isonomia, pois eles levam à solução da proposta mais vantajosa para o interesse público e para o erário. Ele apresentou um panorama histórico da evolução normativa que se consubstanciou no movimento de regulamentação e criminalização em matéria de licitações públicas.
“Nós temos uma farta disciplina constitucional do tema que irradiou sobre a legislação infraconstitucional, a ponto de alguns doutrinadores sustentarem que houve um mandato implícito de criminalização, seja por conta da dimensão dupla da proporcionalidade do princípio que exigiria não só a proibição do excesso da ação estatal, mas também a proibição da insuficiência da sua proteção aos bens e valores constitucionais, seja pela noção de reserva absoluta. Por isso, extraímos do próprio conteúdo objetivo e jurídico dos direitos fundamentais a obrigação imposta ao legislador de tutelar penalmente determinados bens”, considerou.
Gláucio Brittes de Araujo explanou a respeito da legislação aplicável, os tipos penais, sujeito ativo, as sanções, aspectos processuais de prova, aspectos patrimoniais relacionados às penas pecuniárias e sua destinação, entre outros pontos. Ele apresentou reflexões acerca do diploma legal e apontou alguns problemas, entre eles a proteção de interesses menos relevantes que poderiam ser tutelados pelo Direito Administrativo, visando recuperar o patrimônio, sem a força simbólica do Direito Penal. E aspectos dogmáticos envolvidos na responsabilização dos vários indivíduos que atuam nessa organização criminosa, que dificultam a apreensão do elemento subjetivo e corroboram para a ideia de que tais crimes teriam melhor solução no âmbito do Direito Administrativo, em razão de a produção probatória merecer tratamento diferenciado. Entre outras soluções, salientou a utilidade do “dolo sem vontade”, citando doutrina e apontou diversos comportamentos secundários que merecem atenção nesse tipo de criminalidade.
Ao indicar comportamentos que apontam para a existência de fraude nas licitações públicas, ressaltou: “estamos vendo esses comportamentos, inclusive agora com a dispensa das licitações, por conta da situação de calamidade, em que a contratação por emergência está trazendo grandes prejuízos ao erário por conta dos altíssimos valores. Um superfaturamento evidente, conforme noticiam os jornais”, observou. E citou exemplos: sociedade que não condiz com ramo de fornecimento de máscaras e sim com construção civil, criada pouco antes de decretado o estado de calamidade; endereço de fachada; disparidade entre o capital da sociedade e a atividade ou o vulto do negócio; ligações prévias de pessoas dessas empresas entre si ou com servidores; subida de preços ao mesmo tempo por alguns dos concorrentes; falta de assinatura de propostas.
“Todas essas evidências isoladamente talvez não fossem suficientes para uma condenação criminal, mas a convergência delas e permitindo uma apuração mais detida dos fatos, com uma valoração na medida do seu poder de convencimento da persuasão racional do julgador, permitem que nessa espécie de criminalidade haja um combate, uma resposta, sem trabalharmos com a ideia de impunidade e, ao mesmo tempo, preservando os direitos e garantias fundamentais”, ponderou e enfatizou a necessidade de uma atenção diferenciada para esse tipo de produção probatória.
Acrescentou que “é preciso ter em mente a importância de se estabelecer uma responsabilização penal justa, na medida da culpabilidade para a gravidade daquelas condutas que efetivamente atingem os bens jurídicos em matéria de licitações, que possuem dignidade constitucional e equilibrando o combate eficiente à criminalidade organizada, mais especificamente dessa institucional e empresarial com a preservação das garantias individuais”, esclareceu.
Por fim, Gláucio Brittes de Araujo ressaltou a importância do tema: “nas últimas décadas, o Estado cresceu em virtude da ideia do bem estar social, do Estado provedor e depois passou a transferir muitas das suas atividades para os particulares. As licitações, os contratos passaram a ser mais recorrentes e relevantes. Temos a necessidade então de uma disciplina ‘enxuta’, pelo menos no Direito Penal. ‘Enxuta’, mas eficiente, de sorte a sanar arestas, dúvidas, preservar a segurança jurídica, mas, ao mesmo tempo, permitir uma incidência bem severa do Direito Penal numa área tão sensível para o interesse público”, ponderou.
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